Netanyahu diz que pressão internacional não vai impedir Israel de invadir Rafah
“Nenhuma pressão internacional nos impedirá de alcançar todos os objetivos da guerra” contra o Hamas, declarou, segundo um comunicado de seu gabinete. “Vamos agir em Rafah. Levará algumas semanas, mas acontecerá”, acrescentou, durante uma reunião de seu governo.
A expectativa da invasão tem provocado reações até mesmo em seus aliados mais próximos. Na semana passada, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou em entrevista à emissora MSNBC que a abordagem do premiê israelense em relação à guerra “mais prejudicava do que ajudava” e disse que Rafah representava “uma linha vermelha”, um limite intransponível à ação de Tel Aviv.
A situação de Rafah é uma das mais delicadas do conflito. Mais da metade dos 2,3 milhões de habitantes da Faixa de Gaza se espremem nessa cidade na fronteira com o Egito que, antes da guerra, era lar de cerca de 280 mil palestinos. Atualmente, esse é o único grande centro urbano de Gaza em que Tel Aviv ainda não adentrou com tropas, embora seja alvo frequente de bombardeios.
“Há 600 mil crianças em Rafah aterrorizadas com o que vem a seguir”, afirmou o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no último dia 9. “Desde o deslocamento e a ameaça de bombardeios até a fome e a doença, muitos estão sofrendo o inimaginável, e agora estão presos em um espaço superlotado enquanto a morte se aproxima.”
O conflito começou no dia 7 de outubro de 2023, quando o Hamas atacou o sul de Israel e matou 1.200 pessoas, a maioria civis. O revide de Tel Aviv, que organizações internacionais consideram desproporcional, inutilizou hospitais em quase todo o território palestino e limitou a chegada de ajuda humanitária, deixando a população à beira da fome.
Para Bibi, como o premiê israelense é chamado, a preocupação com a população civil de Rafah indica que a comunidade internacional se esqueceu dos ataques terroristas do Hamas.
“Aos nossos amigos na comunidade internacional, eu digo: sua memória é tão curta? Vocês esqueceram dos ataques de 7 de outubro tão rapidamente assim, o pior massacre cometido contra judeus desde o Holocausto?”, afirmou Netanyahu neste domingo (17), no início da reunião de seu gabinete. “Vocês já estão prontos para negar a Israel o direito de se defender contra os monstros do Hamas?”
Netanyahu também afirmou que retiraria civis de zonas de combate, embora as estratégias de Israel para poupar a população palestina tenham sido ineficazes até agora.
Planos anteriores de retirada de civis anunciados por Israel nas porções norte e central de Gaza incluíam a distribuição de panfletos de aviões afirmando que a população precisava ir para o sul para fugir dos ataques e indicava caminhos supostamente seguros. Mesmo nestas vias assinaladas por Tel Aviv, porém, houve relatos de ataques aéreos que mataram deslocados.
Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, a guerra já matou até agora 31.645 pessoas e feriu outras 73.676 no território palestino.
O registro subiu pela última vez após bombardeios matarem 61 palestinos na madrugada deste domingo. Entre as vítimas estão 12 membros de uma mesma família, a Thabet, em Deir Al-Balah, no centro do território. Os bombardeios atingiram também a Cidade de Gaza, no norte, e Jan Yunis e Rafah, no sul, segundo testemunhas.
Putin é reeleito com votação recorde e segue no poder até 2030
Não que houvesse dúvidas, seja pelo real apoio de um líder que tem 86% de aprovação em sondagens independentes, seja pelas fartas acusações por parte da minguante oposição de que houve fraudes e abuso do poder político para garantir o resultado desenhado pelo Kremlin.
Até os protestos do “Meio-dia contra Putin”, que levaram muitos russos no país e fora dele a engrossar filas às 12h (6h em Brasília) para demonstrar descontentamento com a eleição a pedido dos apoiadores do falecido opositor Alexei Navalni (1976-2024), tiveram um grau de previsibilidade.
Ocorreram sob forte escolta policial, mínimos incidentes e, a acreditar na comissão e na boca de urna, sem impacto no resultado final. Ao fim, tudo será verdade a depender de qual rede social conta a história.
Putin teve, diz a pesquisa feita pelo instituto estatal FOM, 87% dos votos, acima do que o Kremlin projetava. A seguir vieram três deputados que cumpriam tabela, o comunista Nikolai Kharitonov, com 4,7%, o liberal Vladislav Davankov, com 3,6% e o ultranacionalista Leonid Sluski, com 2,5%. Uma segunda sondagem, do também estatal VTsIOM, apontou dados com variações, com o presidente marcando 87,8%.
O comparecimento segundo inicialmente divulgado pela comissão eleitoral foi de 73,3%, acima dos já recordistas 67,7% de 2018. A divisão da votação principal em três dias facilitou o impulso, com empresas incentivando funcionários a ir às urnas.
Opositores acusam fraude
Apesar do franco favoritismo de Putin mesmo que a eleição fosse na Dinamarca, país menos corrupto do mundo segundo a Transparência Internacional, medidas foram tomadas para garantir um passeio no parque.
Elas incluíram a exclusão de duas candidaturas abertamente críticas às políticas do Kremlin e, no dia da votação, grande presença policial junto às filas que se formaram em postos de votação de cidades como Moscou, São Petersburgo e Iekaterimburgo.
Segundo os críticos do governo russo, que operam de forma virtual, pulverizada e no exílio em sua maioria hoje, a isso foram adicionadas fraudes paroquiais, como o enchimento de urnas com votos para Putin. A possibilidade de voto pela internet em 27 das 83 unidades da Federação Russa, usada por quase 10% dos 85 milhões que foram às urnas, também é apontada como suspeita.
O Kremlin descarta as acusações como propaganda, e de resto o resultado será desdenhado de qualquer modo no Ocidente. Uma das maiores votações de Putin foi na região ocupada de Donetsk, na Ucrânia: 95%.
“É óbvio que as eleições não foram nem livres, nem justas”, disse em nota a Casa Branca. “O ditador russo simulou outra eleição”, afirmou o presidente ucraniano, país invadido por Putin em 2022, Volodimir Zelenski.
Seja como for, o fato incontornável é que o homem que comanda o maior arsenal nuclear do mundo e promove a maior guerra em solo europeu desde 1945 sela com a vitória grandiloquente um momento positivo em seus quase 25 anos de poder.
Putin, um ex-tenente-coronel da KGB soviética chamado de medíocre por um superior e posteriormente diretor de sua agência de espionagem sucessora, o FSB, entrou no alto escalão do poder em 9 de agosto de 1999, quando o então presidente Boris Ieltsin o nomeou premiê.
Era o ocaso de uma era que não deixou saudades na Rússia. A dissolução da União Soviética em 1991 levou a uma abertura econômica desenfreada, que destruiu vidas em seu auge de crise, sete anos depois. Daquelas ruínas emergiu Putin, personagem então obscuro decidido a recompor o status do país.
Nos 8.988 dias que se seguiram até esse domingo, toda uma geração de russos nasceu sem conhecer outro presidente, a exemplo do que ocorria nos tempos imperiais e, de forma mais contida, sob o comunismo implantado em 1922.
Líder moderno mais longevo desde Stálin
Em 2028, se estiver no seu gabinete, Putin ultrapassará os 29 anos de ditadura soviética sob Josef Stálin (1878-1953), tornando-se o mais longevo líder russo moderno.
Putin foi premiê naquele 1999, até o alquebrado e embriagado Ielstin renunciar no réveillon e lhe deixar a cadeira. Foi eleito em 2000 e 2004, e em 2008 voltou para o banco nominalmente do passageiro como primeiro-ministro do governo do pupilo Dmitri Medvedev.
Apesar de Putin já ter direcionado em 2007 sua visão estratégica para um embate com o Ocidente que ele via como traidor das promessas do fim da Guerra Fria, não totalmente sem razão, a Rússia se reergueu com a ajuda dos preços do petróleo e gás, sua fonte de vida econômica.
O país se assemelhava a uma democracia ocidental na superfície, com a alternância controlada do poder, apesar de ter dado o primeiro tiro de advertência para a expansiva Otan [aliança militar liderada pelos EUA] ao promover uma guerra que tirou do controle da Geórgia 20% de seu território.
Putin voltaria eleito em 2012, enfrentando os primeiros grandes protestos contra seu jugo —foi ali que primeiro se ouviu falar de Navalni, que nunca teve densidade eleitoral nacional, mas que ganharia manchetes cinco anos depois ao comandar enormes atos mobilizados pela internet.
Começou então um recrudescimento do controle do governo sobre o sistema político e o acirramento da disputa com o Ocidente. Quando Kiev viu derrubado um presidente pró-Rússia em 2014, Putin anexou a Crimeia e fomentou a guerra no leste da Ucrânia.
Em 2018, houve uma “détente” provisória promovida pela Copa do Mundo bem-sucedida da Rússia. Dali em diante, a repressão ao dissenso só fez crescer.
Em 2020, o presidente mudou a regra do jogo na Constituição para poder concorrer a mais dois mandatos, devidamente submetendo a manobra a um plebiscito que, previsivelmente, a aprovou. Tornou-se aliado íntimo da China de outro homem forte, Xi Jinping, ganhando apoio econômico sob o risco de ser um parceiro júnior.
Guerra definirá legado
E em 2022 invadiu a Ucrânia, principal ato de seu reinado, cujo impacto vai se espraiar por gerações —independentemente do desfecho do conflito. A demografia declinante segue um desafio sem solução simples.
Em um momento de vantagem tática no campo, apesar de ter visto sua capital ser alvejada sem sucesso por drones neste último dia de eleição e ao menos uma pessoa morrer em bombardeiros em Belgorodo (sul), Putin irá agora usar a vitória acachapante como item legitimador de seus próximos passos.
Quais serão é a incógnita, que inclui ainda as dúvidas acerca de como reanimar a economia que saiu-se bem sob a pressão de quase 20 mil sanções devido às suas políticas na Ucrânia, mas que sofre para elevar a renda média dos russos.
A turbulência inédita pela qual passou com motim de mercenários no ano passado deixou marcas, mas parece superada. Por ora, conversas sobre sucessão são evitadas: Putin é visto por agentes políticos e diplomáticos como um czar que ficará no poder além de 2036, limite teórico se for reeleito em 2030.
G20: discussões sobre guerras impediu acordos e pode atrapalhar novas reuniões
Os encontros com delegações internacionais recomeçaram na segunda-feira, dia 11. A retomada do grupos de trabalho ocorre depois de o governo Luiz Inácio Lula da Silva ver naufragar a tentativa de restringir espaço ao debate sobre as guerras e não conseguir costurar comunicados conjuntos nas duas reuniões ministeriais inaugurais, a de Relações Exteriores, no Rio, e a de Finanças e Bancos Centrais, em São Paulo.
As primeiras reuniões de ministros deram a largada na edição brasileira do G20, em fevereiro. Ambas ficaram marcadas pela ausência de uma declaração final, em nome dos 19 países membros, mais União Europeia e União Africana, além dos países e organismos convidados.
Comuns em fóruns internacionais, essas declarações registram os compromissos assumidos pelos representantes políticos dos países, resumem preocupações gerais e costumam ser objeto de intensa discussão, palavra a palavra, ao longo de dias até que se obtenha um consenso. Quando uma cúpula ou encontro termina sem declaração, o sinal é de que a diplomacia falhou.
Em termos práticos, esses documentos servem ainda como base para dar sequência às discussões, tendo como ponto de partida o denominador comum atingido em reunião anterior. Uma análise entre os textos editados revela, por exemplo, como os assuntos evoluíram na arena internacional, e se retrocederam ou avançaram.
Os comunicados ministeriais haviam se tornado uma praxe em reuniões desse patamar político no G20, mas começaram a se converter num cabo de guerra entre delegações, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022. As edições do G20 realizadas por Indonésia (2022) e Índia (2023) foram intensamente afetadas, com delegações discutindo menções ao conflito no Leste Europeu nas reuniões temáticas. Elas tratam de assuntos gerais como energia, turismo, educação, saúde, entre outros.
Ciente das dificuldades, o Itamaraty de partida abandonou a tentativa de obter uma declaração na reunião de chanceleres. Coube ao ministro Mauro Vieira fazer um pronunciamento final resumindo os debates no Rio – essa alternativa não tem o mesmo peso político de um comunicado oficial assinado por todos os integrantes do G20. O discurso não refletiu detalhes de debates mais acalorados, que ocorreram a portas fechadas.
Como escusa, o governo federal passou a minimizar o caso antes de a reunião começar. O comunicado nunca fora uma tradição em todas as edições do G20 e não deveria ser necessariamente um “objetivo em si mesmo”, argumentou o embaixador Maurício Lyrio, sherpa brasileiro. Deixá-lo de lado evitaria que a reunião se convertesse num “comitê de redação”, alegou o chanceler português João Cravinhos.
Já no encontro liderado por Fazenda e Banco Central, o governo foi obrigado a recorrer ao plano B e optou por publicar um documento em nome apenas da presidência brasileira, também como síntese do encontro. Ao explicar por que recorreu ao “Resumo da Presidência”, o ministro Fernando Haddad evidenciou a frustração por não alcançar seu objetivo de costurar um comunicado comum focado em questões financeiras, que haviam sido objeto de entendimento.
Haddad fez questão de dizer que a divergência se impôs sobre um tema alheio ao foco da reunião: como mencionar a invasão russa à Ucrânia. O ministro expôs que o impasse se deu sobre um único termo, ao discutirem se constaria na versão final a expressão “war in Ukraine” (guerra na Ucrânia) ou “war on Ukraine” (guerra contra a Ucrânia).
O documento da Fazenda registra: “Ao abordar as perspectivas para a economia global, os ministros trocaram opiniões sobre as guerras em curso, conflitos e crises humanitárias, com destaque para a Ucrânia e Gaza. A presidência brasileira do G20 observou que a trilha financeira não é o fórum mais apropriado para resolver questões geopolíticas e propôs que estas questões continuarão a ser discutidas em fóruns e reuniões relevantes”.
Como mostrou o Estadão, o governo Luiz Inácio Lula da Silva propôs que temas de natureza geopolítica fossem debatidos exclusivamente pelos chanceleres e pelos chefes de Estado e de governo. Ao circunscrever as guerras a essa esfera, a intenção era desbloquear a pauta para discussão das três prioridades propostas pelo Brasil e assuntos de natureza econômica e financeira, carro-chefe do G20.
No entanto, desde as reuniões preparatórias de dezembro as delegações estrangeiras mostravam interesse em pautar Ucrânia e Gaza. Diplomatas brasileiros e europeus estavam céticos quanto ao sucesso da proposta do Itamaraty. No encontro financeiro, por exemplo, o ministro alemão de Finanças, Christian Lindner, disse que se opunha a assinar um documento que não mencionasse as duas guerras. Ele participou ainda de debates que iam além do oficial, sugeriram medidas contra os russos e contaminaram a reunião.
Ativos russos
À margem da reunião do G20 em São Paulo, os principais aliados da Ucrânia, os países do G7 (Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) discutiram uma proposta de direcionar os ativos russos congelados para defesa e reconstrução da Ucrânia. A ideia foi levantada pela secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen. Ela defendeu medidas para “degradar a máquina de guerra russa”.
“Nossa coalizão global congelou US$ 285 bilhões em ativos da Rússia e afirmou que permanecerão congelados até que a Rússia pague pelos danos que causou. É necessário e urgente que encontremos uma forma de desbloquear o valor destes ativos para apoiar a resistência e a reconstrução da Ucrânia”, sugeriu Yellen, citando argumentos “jurídicos, econômicos e morais” para defender sua ideia.
Os russos reagiram dizendo que a medida era “falaciosa” e “destrutiva”, porque colocava em risco os pilares do sistema financeiro internacional, deixando ativos e rendimentos sujeitos a decisões políticas. O ministro das Finanças da Rússia, Anton Siluanov, citou ainda que poderia preparar uma retaliação pois há recursos de investidores estrangeiros na Rússia.
O ministro da Economia e Finanças da França, Bruno Le Maire, rechaçou aderir à proposta. Apesar dos embates recentes mais duros entre Paris e Moscou, com ameaça de envio de tropas ocidentais à Ucrânia, ele defendeu que países europeus não devem tomar decisões que possam “ferir o sistema jurídico internacional”. Le Maire afirmou que “não há base legal” para tomar e repassar a Kiev os ativos russos.
Le Maire defendeu que os países continuem a usar os rendimentos de ativos russos congelados. Ele citou que existem cerca de 300 bilhões de euros bloqueados pelos países do G7 – e mencionou que já foram aplicados entre 3 e 5 bilhões de euros provenientes de lucros.
Longo prazo
A previsão mais pessimista vem se confirmando, num cenário global cada vez mais conturbado. Sherpas e diplomatas ouvidos pela reportagem durante as ministeriais compartilham a visão de que o conflito no Leste Europeu é o que mais polariza o G20 e pode ser o fator complicador para que se alcancem entendimentos a longo prazo.
Há alguns motivos citados pelos envolvidos nos debates, que não vislumbram uma chance de resolução: a presença da Rússia como membro efetivo do G20, com capacidade para influenciar o debate e bloquear propostas no no fórum; o impacto econômico mais relevante se comparado ao conflito em Gaza, com efeitos na indústria e alta de preços de energia e alimentos na Europa, África e nas Américas, mesmo após a Ucrânia ter recuperado a capacidade e o patamar de exportação de grãos anterior à invasão; e o fato de o confronto no terreno de batalha permanecer estagnado, sem evolução significativa.
No caso de Gaza, embora tenham aliados relevantes no bloco, nem palestinos nem israelenses fazem parte do G20, e logo na primeira reunião de chanceleres alcançou-se a “virtual unanimidade” a favor da criação do Estado da Palestina como parte da solução para encerrar a guerra no Oriente Médio, como antecipou o Estadão.
O conflito também preocupa por causa das rotas de comércio global, sobretudo as marítimas, afetadas por causa de ataques dos rebeldes iemenitas Houthis, que disparam contra navios no Mar Vermelho e afetam a segurança de embarcações mercantes. Os riscos, gastos com patrulhas e desvio por rotas alternativas elevam o custo do frete. Há preocupação de que possa haver repercussões no canal de Suez. Economias no Oriente Médio e Norte da África têm sido as mais afetadas.
Os sherpas – diplomatas que chefiam as delegações e conduzem negociações – estimam que até a Cúpula de Líderes em novembro possa haver mais desdobramentos em Gaza do que na Ucrânia, dada a assimetria de forças entre o grupo terrorista Hamas e as Forças de Defesa de Israel. Eles calculam que mudanças podem ocorrer por causa da pressão internacional por um cessar-fogo, vinda mesmo dos mais fortes aliados israelenses, os EUA.
Por causa das dificuldades enfrentadas por indonésios e indianos, diplomatas dizem que era esperado que os ministros de Lula enfrentassem problemas e que o mais recomendado era não perseguir o objetivo de negociar declarações, como fez a equipe da Fazenda. Eles tentam agora sensibilizar outros ministérios que manifestaram intenção de insistir em obter uma declaração, como é o caso da Saúde, da ministra Nísia Trindade.
Ex-sherpas do Brasil no G20 dizem que sempre houve a prática, mas desde 2022, com a invasão da Ucrânia, surgiram problemas porque trabalhos ministeriais passaram a refletir e ecoar divergências geopolíticas, paralisando, atrapalhando e até impedindo que se chegasse a acordos.
Moscou
A Rússia, por exemplo, manifestou-se contra a discussão de temas de natureza política no G20. O Kremlin disse ser inaceitável “politizar o G20”. Na visão de Moscou, o fórum deveria focar apenas em questões socioeconômicas. “Não creio que consigamos encontrar, no âmbito do G20, soluções para os desafios e ameaças acumulados à segurança global”, afirmou o chanceler russo Serguei Lavrov, no Rio.
A visão de Lavrov contrasta com a própria realidade do fórum. Embora existam diferentes visões e de fato o G20 não tenha, em sua origem, objetivo de debater política, o governo brasileiro mesmo propôs os debates sobre a conjuntura internacional e a reforma da governança global, e aproveita o G20 como forma de mostrar que outras instituições, sobretudo das Nações Unidas, não funcionam mais a contento. Apesar disso, o Brasil diz que o fórum não é um substituto da ONU.
“Esse grupo é, possivelmente, o fórum mais importante onde países com visões opostas ainda conseguem sentar à mesa e ter conversas produtivas sem necessariamente carregar o peso de posições arraigadas e rígidas que têm impedido avanços em outros foros, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas”, disse o chanceler brasileiro, Mauro Vieira.
Ucrânia atinge refinaria na Rússia em novo ataque com drones
Outro ataque aconteceu na mesma região, Samara, contra a refinaria Novokubiche, mas, segundo o goernador Dmitri Azarov afirmou no Telegram, as defesas aéreas locais derrubaram os aviões-robôs. A fronteira da Ucrânia fica a cerca de 800 km de lá.
Esta foi a quarta refinaria atingida nesta semana de eleição presidencial russa, que começou oficialmente na sexta (15) e vai até este domingo (17). Desde o começo do ano, foram sete as plantas atingidas, com danos variáveis e não verificáveis.
Segundo vídeos feitos por funcionários de Sizran, a principal torre de refino da fábrica foi destruída. Sendo um dado preciso, isso significa que 70% da capacidade da refinaria foi comprometida. Ela produz 8 milhões de toneladas anuais de derivados de petróleo.
A indústria de petróleo e gás é o motor da economia russa, e atacar refinarias busca afetar a moral dos consumidores/eleitores: desde janeiro, o preço dos combustíveis tem subido na parte europeia da Rússia, onde moram 75% dos 146 milhões de habitantes do país.
Segundo dados da Spimex, a bolsa de commodities de São Petersburgo, houve um aumento de 50% no custo de produção de gasolina no período. Moscovitas relatam que houve flutuações no preço final ao consumidor, mas creem que a proximidade da eleição fez com que o governo segurasse uma alta expressiva.
Também neste sábado o FSB (Serviço Federal de Segurança) prendeu um homem de 61 anos que, segundo os investigadores, planejava um ataque terrorista em nome de Kiev contra o sistema ferroviário de Sverdlovsk, nos Urais (divisa da Rússia europeia com a asiática).
Por fim, segue o bombardeio diário contra Belgorodo, região no sul russo que faz fronteira com a Ucrânia. neste sábado, duas pessoas morreram em um ataque com drone. Do outro lado da fronteira, ataques com mísseis, drones e artilharia prosseguiram no ritmo usual.
Do ponto de vista militar, até aqui as ações ucranianas têm mais impacto psicológico. Em campo, a situação no país invadido por Vladimir Putin em 2022 é favorável ao Kremlin neste momento, com Kiev assumindo uma posição defensiva após fracassar em romper as linhas russas no ano passado.
Com menos apoio ocidental, os estoques de munição de Volodimir Zelenski estão em níveis críticos, e analistas creem que a Rússia poderá aproveitar para tentar fazer uma grande ofensiva quando o verão do hemisfério norte chegar, em junho.
Putin diz que os ataques visam atrapalhar o pleito russo, no qual ele será reeleito com facilidade. O presidente tem 86% de popularidade, segundo o independente Centro Levada, e não há oposição estruturada no país.
O partido Rússia Unida, que dá sustentação ao Kremlin embora Putin concorra como independente, afirmou que seus servidores foram atacados por hackers durante o sábado (16).
Desde a sexta começaram a emergir, como ocorre em toda eleição recente na Rússia, vídeos descrevendo fraudes. Em Níjni-Novgorod (400 km a leste de Moscou), por exemplo, moradores filmaram o que seriam funcionários de uma seção eleitoral enchendo urnas com votos.
Em outras localidades, houve protestos pontuais, captados por câmeras nas seções eleitorais. Em Moscou e na Crimeia, eleitoras jogaram tinta em urnas já com votos, inutilizando-as. Elas foram detidas e podem pegar até cinco anos de cadeia, pena por obstrução do processo eleitoral.
A mesma lei foi colocada na mesa pela Promotoria de Moscou ao comentar o protesto que os apoiadores de Alexei Navalni, opositor de Putin morto em uma cadeia no Ártico no mês passado, convocaram para o domingo. Eles querem que os manifestantes apareçam para votar ao mesmo tempo ao meio-dia, gerando filas.
Há um esquema de segurança bastante forte no país. A reportagem percorreu nesta manhã de sábado algumas seções na região ao sul do Kremlin, e o movimento parecia bastante tranquilo. Muitos eleitores, como Putin, prefeririam usar o sufrágio por meio de aplicativo, uma novidade em teste em 27 das 83 regiões russas.
Procuro solidariedade, afirma embaixador de Israel no Brasil sobre crise com governo Lula
O embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine, disse ao jornal
Folha de S.Paulo estar “procurando” solidariedade do governo brasileiro
com o seu país. Solidariedade que, segundo o embaixador, ele vê em
parlamentares, pessoas em altos cargos e no povo brasileiro.Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Durante viagem à Etiópia em fevereiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comparou a ofensiva militar israelense em Gaza à decisão de Adolf Hitler de “matar os judeus” —numa referência ao Holocausto nazista, apesar de o presidente ter destacado que não usou esse termo em sua frase. A fala desencadeou uma crise diplomática entre Brasil e Israel. No mais recente episódio, o governo de Binyamin Netanyahu convidou governadores oposicionistas e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para uma visita a Israel.
Zonshine contesta o termo “genocídio” utilizado por Lula para definir a ação de Israel contra palestinos. Afirma ainda que não há “espaço na realidade” para paralelo com o Holocausto. O diplomata disse ainda que quer terminar a crise e normalizar as relações o mais rápido o possível. “Estou aqui para continuar, não para romper”, afirmou.
O embaixador recebeu a Folha na missão diplomática em Brasília para falar sobre relatório da ONU que, no início de março, apontou evidências de violência sexual tanto no ataque a Israel promovido pelo Hamas como a mulheres na condição de reféns da facção na Faixa de Gaza. Zonshine também respondeu a perguntas sobre a recente crise diplomática.
A ONU fez um relatório sobre violência sexual no conflito e diz que há informações convincentes de estupros, torturas sexuais e práticas cruéis, entre outras coisas. O que o sr espera de resposta da comunidade internacional a esse relatório?
A nossa expectativa é que a comunidade internacional, formadores de opinião e tomadores de decisão entendam o que aconteceu lá no dia 7 de outubro [quando ocorreram os ataques terroristas do Hamas]. Porque a narrativa é que tem um lado sofrendo e um lado agressivo. O que nós tentamos fazer é evitar a repetição disso [aponta para o relatório], do ataque. E talvez [o relatório mostre] um pouco sobre a natureza de quem temos de enfrentar. O que nós encontramos lá foi crueldade pura. E tem declarações de líderes do Hamas no sentido de que, se tiverem oportunidade, vão fazer novamente. Para nós é importante que o mundo entenda isso.
O sr. fala da brutalidade dos ataques do dia 7. Cinco meses depois, temos um cenário de 31 mil pessoas mortas em Gaza. O sr. considera que isso justifica a ação em Gaza?
Se você tem uma ideia do que é uma ação proporcional para isso, me avisa. Porque eu não sei.
Não considera a ação israelense em Gaza brutal?
O que acontece na Faixa de Gaza, desde o início da entrada de Israel, é uma luta para garantir que o Hamas não vá voltar. Agora, ele [Hamas] escolheu o lugar desse confronto e a maneira. Porque eles não lutam contra as forças israelenses, estão atrás dos cidadãos [como escudo], embaixo da terra. Tentamos evitar vítimas entre os civis. Não vou falar sobre os números, porque não tenho certeza de que os números do Ministério da Saúde do Hamas são precisos. Tentam aumentar o número, porque de certa maneira está servindo à narrativa deles. Mais civis mortos, mais denúncias contra Israel, maior pressão internacional por um cessar-fogo. Uma coisa que ninguém menciona é que, no nosso entendimento, ao menos 12 mil pessoas [que morreram] são do Hamas, que lutaram contra Israel. Mais 1.000 que estiveram nas batalhas contra forças israelenses em 7 de outubro.
As imagens em Gaza e o expressivo número de vítimas não impressionam?
Eu sei que a opinião pública mundial, os números e as imagens de Gaza não ajudam nossa posição. Mas estamos lá não só para imagens e narrativas.
São pessoas…
A intenção de Israel não é matar pessoas que não são do Hamas. Lamentamos. A morte deles não serve aos valores israelenses. Só que também é difícil evitar totalmente quando o Hamas está atrás dos civis.
Na semana passada, o premiê espanhol, Pedro Sánchez, esteve com Lula e disse que Israel não está cumprindo o direito internacional humanitário. Joe Biden também declarou recentemente que Netanyahu mais prejudica do que ajuda. Israel está ficando isolado internacionalmente?
Sei que a situação agora é diferente do que foi no início da guerra, quando o choque do 7 de outubro foi mais vívido. Mas Israel está tentando completar as missões de um lado, liberar os reféns e destruir o poder do Hamas militarmente. Ao mesmo tempo, diminuir os danos para a imagem de Israel no mundo. Acho que a primeira obrigação do governo de Israel é com os cidadãos israelenses. As pressões internacionais já aconteceram algumas vezes no passado, quando fomos atacados, tivemos uma razão para reagir e, depois que reagimos, a opinião pública mundial se virou contra Israel. Não sei se tem outro país no mundo que tenha que enfrentar esse tipo de atrocidade e guerra como nós. Não queremos competir no jogo de quem está sofrendo mais.
O presidente Lula já comparou a ofensiva em Gaza com o Holocausto e chama de genocídio a ofensiva em Gaza. Como vê essas falas?
Podemos ver isso de mais de uma maneira. A definição de genocídio é a intenção de matar um grupo de pessoas, raça ou etnia. Isso não é a intenção de Israel, isso não aconteceu. De outro lado, aconteceu, no dia 7 de outubro, quando Hamas, infelizmente, conseguiu matar israelenses porque eram israelenses. Genocídio tem um significado muito profundo e esse elemento de intenção não existe na parte de Israel. Agora, lamentamos que pessoas morrem lá, pessoas não envolvidas. Mas dizer que isso é genocídio não é o caso, não é intenção e não é o que acontece lá. Lamentamos que muitas pessoas paguem o preço da estratégia e a tática do Hamas para usar escudos humanos. [Quanto à fala de Lula sobre Hitler,] Não há lugar para fazer esse tipo de comparação, porque o Holocausto é uma coisa única na história do mundo. Esse tipo de comparação não tem espaço na realidade.
O sr. já defendeu distensionar o ambiente político com o Brasil. Mas o governo de Israel tem feito gestos de aproximação com opositores ao presidente Lula. Isso não é uma forma de provocação?
Acho que não. No povo brasileiro temos amigos, seja entre pessoas de cargos altos, seja no Parlamento, pessoas que mostram solidariedade com Israel. Se tem pessoas do governo que querem visitar e mostrar a solidariedade delas, serão bem-vindos.
Mas não houve convite ao governo Lula, como houve uma carta do Netanyahu para o ex-presidente Jair Bolsonaro. Falta solidariedade do lado do governo brasileiro?
Não sei… Você ouviu o que está lá nas falas públicas. Estou procurando a solidariedade.
Qual o objetivo do governo em convidar Bolsonaro e os governadores Tarcísio de Freitas (São Paulo) e Ronaldo Caiado (Goiás)?
Eu teria que perguntar ao primeiro-ministro, que convidou. Eles se conhecem da época em que [Bolsonaro] era presidente.
O objetivo do senhor ainda é distensionar?
Nós, aqui na embaixada, acho que no ministério de Relações Exteriores, com o Itamaraty… a ideia é voltar para relações mais produtivas e normais e terminar essa crise o mais rápido possível.
Há hoje risco de rompimento das relações?
Acho que não. Há bastantes valores e interesses comuns. Tivemos no passado desentendimentos e espero que não vamos ter no futuro. Estou aqui para continuar, não para romper.
O acordo de Cooperação Militar Israel-Brasil está no Congresso. Ainda tem chance de sair do papel?
Acho que é de interesse brasileiro e nosso. Esse acordo que foi assinado há cinco anos tem que ser olhado de forma pragmática. Nem sempre é fácil, mas acho que se está olhando para o médio e longo prazo. Isso pode e deve servir para os dois lados. Espero que a lógica vá vencer nesse caso, e não outros sentimentos ou coisas que são menos relevantes.
Trump recebe Eduardo Bolsonaro e Mario Frias na Flórida
Eduardo Bolsonaro, Donald Trump e Mario Frias durante encontro na Flórida |
O político brasileiro foi aos Estados Unidos junto com aliados bolsonaristas em uma campanha de denúncia de supostas perseguição política e censura sofridas no Brasil.
Os dois jantaram, segundo postagem de Bolsonaro em seu perfil no Instagram. Mario Frias acompanhou os dois. Ainda de acordo com o deputado brasileiro, ao final do jantar ele fez uma chamada de vídeo para conectar Trump e o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
“Não só os EUA, mas todo o mundo anseia pelo retorno de Trump, para que tempos de paz e normalidade sejam resgatados. Que Deus abençoe sua vida”, escreveu Eduardo.
O encontro acontece logo após Trump ser declarado o candidato presumido do Partido Republicano à Presidência, o que significa que ele alcançou o número de delegados para ser nomeado para a disputa, mas só será oficializado na convenção nacional da agremiação, em julho.
Pesquisas de intenção de voto apontam o empresário à frente do atual mandatário, Joe Biden, apesar dos quatro processos criminais que acumula na Justiça.
Essa não é a primeira vez que Trump e o deputado brasileiro se encontram. O político americano e a família Bolsonaro há anos cultivam uma relação. O primeiro encontro entre o republicano e o ex-presidente brasileiro ocorreu em 2019.
EUA negam extradição de Allan dos Santos e têm reunião tensa com governo Lula
Os americanos disseram, contudo, que estão dispostos a dar prosseguimento ao processo contra Allan em relação a outros crimes, mas o caso está estacionado no gabinete do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
O envio de um ofício para o governo Lula (PT) foi seguido de uma reunião com autoridades americanas, no segundo semestre do ano passado, marcada por momentos de tensão.
O documento enviado ao Brasil não apresenta uma negativa clara ao pedido de extradição, que era baseado principalmente nos crimes de calúnia, injúria e difamação. Esses delitos não constam como passíveis de extradição, conforme um tratado entre os dois países.
Os americanos, por outro lado, enviaram no ofício questionamentos para dar prosseguimento ao procedimento de extradição pelos crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Os questionamentos dos EUA passaram pelo Executivo brasileiro, mas foram endereçados ao STF, órgão expedidor do pedido de prisão. A reportagem apurou que o documento já chegou à corte.
Depois disso, não houve nova movimentação no processo. O Supremo não enviou ao Ministério da Justiça novas informações, para que fossem repassadas aos americanos na tentativa de dar prosseguimento ao processo de extradição. O gabinete de Moraes foi procurado pela Folha, mas não comentou o assunto.
O Ministério da Justiça informou que o processo está sob sigilo e não se manifestou.
O pedido de prisão preventiva é de outubro de 2021 e está há mais de dois anos sem desfecho —o blogueiro está nos Estados Unidos desde quando ainda era investigado. No inquérito de fake news, ele foi acusado pelos crimes de calúnia, injúria e difamação.
Além disso, integrantes do governo Lula dizem acreditar que Allan dos Santos deu entrada em pedido de refúgio nos EUA, por causa do comportamento das autoridades americanas em relação ao caso —o pedido de refúgio impede a extradição e deportação já a partir do início da tramitação, além de impor sigilo.
Allan é considerado foragido pela Justiça brasileira desde que foi ordenada sua prisão preventiva em 2021, no inquérito de fake news, relatado por Moraes.
O pedido de extradição chegou nos Estados Unidos no final daquele ano. Depois, quando Lula assumiu o poder, o Ministério da Justiça buscou o governo americano e a Interpol para tentar acelerar o processo, mas até hoje não obteve retorno.
Depois da resposta oficial, as autoridades dos EUA vieram ao Brasil para uma reunião no Ministério da Justiça para tratar do tema. Do lado brasileiro, estavam representantes da pasta e da Polícia Federal. Do lado dos EUA, agentes do FBI (a polícia federal americana) e integrantes de agências de imigração.
A argumentação dada pessoalmente no encontro foi a de que os crimes pelos quais a prisão de Allan dos Santos foi determinada não eram tipificados nos Estados Unidos. Mais do que isso: o comportamento do militante bolsonarista estava amparado na liberdade de expressão, segundo o entendimento dos americanos.
Em um dos momentos de maior tensão, as autoridades brasileiras veicularam um vídeo legendado em inglês com as falas golpistas de Allan dos Santos. De acordo com relatos, um dos representantes dos EUA então rebateu e disse que eram “só palavras”.
O comentário irritou os integrantes do Ministério da Justiça, à época comandado por Flávio Dino. Essa pessoa, ainda de acordo com relatos, afirmou que Allan havia cometido incitação e que aquele tipo de retórica tinha resultado nos ataques golpistas de 8 de janeiro.
Os brasileiros então perguntaram por que não seria possível deportar Allan, considerando que ele está sem passaporte —o documento de viagem foi anulado por decisão de Moraes.
A negativa do lado americano de responder a esse questionamento levou o governo Lula a trabalhar com a hipótese de que o bolsonarista tenha pedido algum tipo de refúgio nos EUA, ainda de acordo com relatos colhidos pela reportagem.
O refúgio costuma ser concedido ao imigrante por fundado temor de perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política. Uma das diferenças em relação a outras modalidades, como o asilo, é que o processo de refúgio, enquanto tramita, prevê a suspensão de pedidos de expulsão ou extradição.
A embaixada dos EUA em Brasília foi procurada pela Folha, mas informou que “como política da Embaixada e Consulados dos EUA no Brasil, não comentamos sobre questões de extradição”.
O advogado de Allan dos Santos, Renor Oliver, não comentou sobre o status do seu cliente nos Estados Unidos. Em nota, criticou o que chamou de ilegalidade e arbitrariedade de Moraes no processo, e disse ainda não ter tido acesso aos autos.
“Após mais de 29 meses do vazamento da decisão para a imprensa, os advogados do jornalista ainda não tiveram acesso aos autos do procedimento, desconhecendo a natureza da decisão e se existem provas que a justifiquem”, disse.
Além disso, Oliver se queixou de falta de retorno de Moraes em relação a outros pedidos feitos pela defesa.
O blogueiro é investigado por participação em suposta milícia digital com objetivo de atacar as instituições e a democracia. Allan tinha um canal de YouTube chamado Terça Livre e era considerado um dos principais influenciadores bolsonaristas, além de amigo dos filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Suspenso das redes sociais, Allan dos Santos hoje trabalha num portal chamado Revista Exílio, criado por ele nos Estados Unidos. De acordo com sua defesa, ele vende assinaturas e recebe doações.
Em sua decisão sobre o pedido de prisão contra Allan, Moraes citou trecho de representação dos investigadores que apontam vínculo entre o blogueiro e um invasor do Capitólio em janeiro de 2021. De acordo com a PF, o jornalista aderiu à tese de que houve fraude nas eleições dos Estados Unidos de 2020, quando foi eleito Joe Biden.
O pedido de prisão de Allan não contou com o apoio da PGR (Procuradoria-Geral da República), à época, sob o comando de Augusto Aras, indicado por Bolsonaro.
Ucrânia ataca refinarias na Rússia; Putin volta a falar em guerra nuclear
Vladmir Putin, presidente da Rússia |
“O principal objetivo, não tenho dúvida, é, se não perturbar as eleições presidenciais na Rússia, ao menos de alguma forma interferir com o processo normal de expressão da vontade dos cidadãos”, afirmou Putin em uma entrevista à agência RIA e à TV estatal Rússia-1.
O presidente voltou a sacar a carta nuclear ao falar do conflito, uma tática que usa desde o início da guerra para tentar manter vivo o temor do Ocidente de escalar o apoio a Kiev. “Do ponto de vista técnico-militar, nós estamos, claro, prontos”, disse ao entrevistador sobre a eventualidade de uma guerra nuclear.
Negou ter pensado em empregar armas do tipo na Ucrânia, como o governo americano especulou, e disse novamente que não vê razão para tal. “Estamos em permanente prontidão de combate”, afirmou.
O principal foco dos ucranianos, desde a terça, foram refinarias russas. Bombeiros ainda trabalham para conter o fogo na planta da empresa Lukoil em Níjni-Novgorod, cerca de 400 km a leste de Moscou. Ela foi atingida por um drone na véspera e teve a produção, que atende a 5% da demanda interna russa, paralisada.
Em Riazan (200 km a sudeste de Moscou), outra refinaria foi alvejada nesta manhã de quarta, pegando fogo. Os danos não são ainda conhecidos. Ao mesmo tempo, um outro drone tentou atingir uma refinaria próxima de São Petersburgo, em Kirichi. É a segunda vez em uma semana que isso acontece, e o aeroporto da cidade foi fechado temporariamente.
“Na quinta (7), estávamos saindo para almoçar e ouvimos uma explosão. Depois, vimos que um drone tinha atingido um prédio aqui perto, a caminho da refinaria”, contou na terça a tradutora Elena Ivanova, mostrando a foto dos danos não tão grandes a um edifício de tijolos escuros em seu celular. “Já estamos acostumados.”
A maior onda de ataques ocorreu nesta quarta, com seis regiões russas registrando derrubada de 30 aparelhos vindos da Ucrânia. Não houve relatos de feridos, mas, além das refinarias, diversas casas foram atingidas e, em Belgorodo (sul), a energia foi cortada em algumas vilas.
Também nesse quadrante do país houve ao menos cinco incursões de grupos armados saídos da Ucrânia. Eles dizem ser russos contrários ao governo de Putin apoiados por Kiev, mas segundo o Ministério da Defesa em Moscou estavam apoiados por artilharia e blindados ucranianos.
A extensão da ação, ocorrida em Belgorodo e na vizinha região de Kursk, não é conhecida. Blogueiros militares russos falaram em combates ocorrendo nas vilas de Odnorobovka, Nekhoteievka e Spodariuchino, mas que os invasores teriam sido repelidos.
Por fim, a imprensa ucraniana diz que drones atingiram uma base aérea e um campo de pouso em Buturlinovka, na região de Voronej (sul). Não há confirmação desta ação.
Na Ucrânia, por sua vez, os combates seguem em ritmo menos acelerados, com a Rússia estabelecendo controle sobre áreas recém-conquistadas no leste, mas tendo dificuldade para avançar. Ataques com drones mataram 3 e feriram 30 em Krivii Rih, cidade natal do presidente Volodimir Zelenski, e atingiram outros locais.
As ações visam, e nisso o presidente está certo, impacto psicológico na Rússia. Em grandes cidades, como Moscou e São Petersburgo, a guerra é um tema majoritariamente ausente do cotidiano —há poucas lembranças além de outdoors chamando jovens para se alistar como profissionais e outros, celebrando os caídos em batalha.
Não há, contudo, grandes fanfarras patrióticas. “Nós vamos levando a vida. Eu mesmo não tenho muito interesse na guerra”, disse Elena, ignorando o vaticínio feito no começo do século 20 pelo revolucionário comunista Leon Trótski (1879-1940): “Você pode não estar interessado na guerra, mas a guerra está interessada em você”.
Ela disse que não irá votar nesta eleição, “porque já sabemos o resultado”. Isso é uma certeza, dada a estrutura do sistema político russo, que não comporta uma oposição real. Não que Putin não seja popular, ao contrário: pesquisas independentes lhe dão mais de 85% de aprovação. Mas não há espaço para dissenso, particularmente depois da guerra.
Na sexta (15), os russos poderão começar a votar de forma antecipada, no pleito que culmina no domingo (17). Há uma expectativa de que os ucranianos deverão escalar suas ações, buscando algum efeito mais espetacular para lembrar os russos do conflito. Até aqui, não há reforço visível de policiamento na capital, mas é previsível que ocorra.
Na entrevista, Putin voltou à carga contra o Ocidente, a quem culpa pela tensão vigente, e disse que irá trabalhar com “qualquer presidente” que for eleito em novembro nos EUA, após ter dito que preferia a vitória da previsibilidade do atual mandatário, Joe Biden, ante o republicano Donald Trump.
Considerando a admiração expressa por Trump pelos modos do putinismo ao longo dos anos, noves fora acusações não provadas de que o Kremlin interferiu em seu favor com ataques hacker contra democratas e desinformação em rede na vitória de 2016, a frase foi vista como uma mãozinha para o ex-presidente —Putin, afinal, é pária para o Ocidente.
O presidente disse que, em 2022, Trump o criticou durante a campanha que o republicano perdeu por simpatizar com Biden. “Ele me perguntou: você quer que Joe Dorminhoco ganhe?”, disse, citando o apelido usado pelo ex-presidente para desqualificar o mais idoso sucessor.
Putin também detalhou os valores das medidas de dispêndio social e em infraestrutura que havia prometido em fala ao Parlamento no fim de fevereiro: 14 trilhões de rublos, ou R$ 760 bilhões no câmbio de hoje.
Dois brasileiros estão entre os hospitalizados após incidente em voo da Latam na Austrália
Avião da companhia aérea Latam |
De acordo com as equipes de emergência, 12 dos socorridos foram encaminhados a hospitais após atendimento no aeroporto —o número inicialmente divulgado, de 13 feridos, foi retificado. Já a companhia aérea fala em 13 hospitalizados, entre passageiros e tripulantes, 11 dos quais já teriam sido liberados e apenas 2, com lesões sem risco, ainda estão em observação.
Dois brasileiros estão entre os passageiros que foram hospitalizados, mas ainda não há informações sobre quem são eles, que ferimentos sofreram ou se algum deles está entre os que seguem em observação.
Autoridades locais afirmaram ter sido alertadas sobre o episódio por volta das 16h locais de segunda (11), 0h em Brasília, e enviaram sete ambulâncias ao aeroporto.
Segundo relatos na imprensa neozelandesa, após cerca de dois terços da duração total do voo, o avião parou no ar e entrou em queda livre. Muitos dos passageiros não estavam usando cintos de segurança, e alguns deles simplesmente voaram de seus assentos.
À rádio RNZ, um dos presentes ao voo, Brian Jokat, afirmou que viu três ou quatro pessoas atingindo o teto. Uma delas caiu em cima do descanso de braço do assento e quebrou a costela. O incidente “ocorreu numa fração de segundo”, nas palavras dele.
Outra testemunha, identificada na mesma reportagem como Valentina, contou que o teto da cabine ficou com marcas de sangue.
Jokat disse ter questionado o piloto sobre o que houve quando ele foi checar o estado dos feridos após o pouso, ao que ele teria respondido ter perdido sua instrumentação por um breve período, retomando-a em seguida.
A Latam lamentou o “inconveniente e os ferimentos” causados aos passageiros e cancelou o voo rumo a Santiago que sairia de Auckland às 18h40 desta segunda —2h40 de segunda no horário de Brasília. Um novo voo estava programado para as 20h desta terça (12) em Auckland, 4h de terça em Brasília.
A companhia aérea afirmou ainda que três membros da tripulação estão entre as 13 pessoas hospitalizadas e disse estar fornecendo alimentação e acomodação aos passageiros afetados devido ao cancelamento do voo.
Ainda não se sabe o que causou o problema técnico na aeronave, um 787 Dreamliner da Boeing. Segundo a CNN, a agência federal de aviação dos Estados Unidos relatou na semana passada um problema com o sistema de degelo de jatos Dreamliners, mas a questão não foi considerada suficientemente grave para retirar os aviões de serviço.
O incidente ocorre dois meses depois de outro modelo da fabricante americana registrar problemas. No início de janeiro, uma porta de um Boeing 737 MAX 9 da companhia Alaska Airlines se soltou pouco depois da decolagem. Vários dos passageiros do voo apresentaram ferimentos leves.
Antes, o modelo da Boeing havia tido a sua circulação proibida por mais de um ano, depois que investigações apontaram que problemas em seu sistema provocaram acidentes em duas situações distintas —a primeira, no final de 2018, durante um voo da companhia Lion Air, da Indonésia, e o segundo, no início de 2019, num voo operado pela Ethiopian Airlines. Os dois episódios totalizaram quase 350 mortes.
Uma comissão que investiga acidentes relacionados a transporte na Nova Zelândia afirmou estar “colhendo mais informações” antes de decidir se abriria uma apuração sobre o episódio. Autoridades chilenas também podem optar por investigá-lo caso se decrete que ele ocorreu em espaço aéreo internacional.
No dia 1º de março, um voo que ia dos EUA para a Alemanha teve uma queda de altitude de 305 metros após passar por uma turbulência enquanto sobrevoava o estado do Tennessee. Sete passageiros tiveram que ser hospitalizados, mas, segundo membros da tripulação, eles sofreram apenas ferimentos leves.
Leia comunicado da Latam Brasil na íntegra abaixo:
O LATAM Airlines Group informa que a aeronave do voo LA800 (Sydney-Auckland-Santiago), que transportava 263 passageiros e 9 tripulantes técnicos e de cabine, apresentou uma forte movimentação cujas causas estão sendo investigadas. O B787 de matrícula CC-BGG pousou às 16h26 (horário local) no aeroporto de Auckland, conforme programado.
Como resultado do incidente, 10 passageiros (2 com nacionalidade do Brasil, 1 da França, 4 da Austrália, 1 do Chile e 2 da Nova Zelândia) e 3 tripulantes de cabine foram levados a um centro médico para verificar o seu estado de saúde, e a maioria já recebeu alta. Somente 1 passageiro e 1 tripulante apresentam lesões que exigem mais atenção, mas sem risco.
Em paralelo, o LATAM Airlines Group está trabalhando de forma coordenada com as autoridades competentes para auxiliar nas investigações sobre o caso.
Para os passageiros que seguirão viagem com destino a Santiago (Chile) foi programado um novo voo (LA1130) para 12 de março de 2024, com decolagem em Auckland prevista para as 20h (horário local). A LATAM forneceu alimentação, hospedagem e transporte aos passageiros afetados pela suspensão do voo.
O LATAM Airlines Group tem como prioridade dar assistência aos passageiros e tripulantes do voo, e lamenta os inconvenientes causados por esta situação. Além disso, reforça o seu compromisso com a segurança como um valor inegociável das suas operações.
Guerra derruba lucro da Rússia com venda de armas; EUA lideram ranking
Soldados ucranianos disparam, na região de Donetsk, míssil doado pelos franceses |
Este é o quadro apresentado pelo estudo anual sobre transações bélicas do Sipri (Instituto para Estudos da Paz de Estocolmo, na sigla inglesa), divulgado pela organização sueca nesta segunda (11). Ele abrange o quinquênio de 2019 a 2023.
Pela primeira vez na série histórica do Sipri, que começa em 1950, a Rússia deixou de ser o segundo maior vendedor de armas do mundo. Sua fatia de mercado despencou 53% ante o período anterior, de 2014 a 2018, com a maior queda anual em 2023 (52% a menos).
“Naturalmente, a combinação de sanções ocidentais e necessidades de tempos de guerra da Rússia levaram ao declínio. Exportações de armas durante um grande conflito não são naturais por princípio, exceto que sejam para ajudar aliados”, disse à Folha o diretor do Centro de Análise de Tecnologias e Estratégias de Moscou, Ruslan Pukhov.
Para ele, “a preservação de um nível ainda alto de vendas no segundo ano da guerra pode ser considerado um grande sucesso, se não um milagre”. Moscou caiu de 21% para 11% mercado mundial, tendo na Índia (34% das vendas), China (21%) e Egito (7,5%) seus principais clientes.
Segundo Pukhov, “a Rússia está dando prioridade a seus clientes-chave e continua a implentar novos contratos, como o dos sistemas antiaéreos S-400 para a Índia”. Recentemente, o presidente Vladimir Putin disse que a produção bélica russa cresceu 2,7 vezes em 2023, atingindo até 7 vezes em alguns setores críticos sob demanda da guerra.
Seja como for, o vácuo externo foi ocupado pela França, que tem ganho muito dinheiro com contratos de alto valor agregado, no caso de seu avião de combate Rafale, que por anos foi um patinho feio no mercado internacional e agora vê aceitação em mercados dinâmicos como o do Oriente Médio.
A renovada retórica belicista de Emmanuel Macron, que anda flertando com uma guerra direta com a Rússia, acompanha esse movimento. O aumento da fatia de Paris foi de 47% entre quinquênios, e hoje 11% do mercado mundial está em sua mão, pouco acima do naco russo.
“A França está usando a oportunidade da alta demanda global, e tem sido particularmente bem-scuedida em vender aviões de combate fora da Europa”, afirmou a pesquisadora do Sipri Katarina Djokic. Com efeito, o mercado europeu está saturado por pedidos de 800 novas aeronaves, boa parte caças americanos F-35.
Como seria previsível, os EUA mantiveram e ampliaram a larga vantagem que tinham. Suas vendas subiram 17%, e agora Washington vê 42% dos negócios de armas do mundo em suas mãos —eram 34% no período de 2014 a 2018.
Isso anda lado a lado com o gasto militar recorde dos americanos, que segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (Londres) chegou a 41% do dispêndio bélico global, ante 10% de chineses e 5%, dos russos, os distantes próximos da fila.
Os principais clientes dos EUA são a sempre belicista Arábia Saudita (15% de suas vendas), o neomilitarista Japão (9,5%), temeroso de Pequim, e outra monarquia do golfo Pérsico, o Qatar (8,2%).
Com quedas ante 2014-18, completam o ranking China e Alemanha, com pouco mais da metade do espaço dos dois concorrentes pelo segundo lugar.
A Guerra da Ucrânia, evento mais agudo da geopolítica recente, levou a um já anunciado surto de compras europeias de armas, como no caso da Polônia. No período, o continente elevou em 94% suas compras militares. Novamente, quem se deu bem foram os americanos: viram seu domínio no mercado do continente subir de 35% para 55% das vendas.
Kiev é o caso mais estrondoso: suas compras subiram 6.633%, passando de nada para 7,6% do mercado mundial, embora não fique claro o quanto disso é ajuda ocidental.
A Índia, país que se tornou o mais populoso do mundo e se equilibra como aliado dos EUA e da Rússia, sendo rival da China, sua parceira de Brics, se firmou como o maior comprador de armas no período. Subiu sua parcela do bolo de 9,1% para 9,8%, desbancando os sauditas (que caíram de 11% para 8,4% de 2014-18 para 2019-23).
Os indianos mantêm seus pés em várias canoas, e seguem tendo Moscou como seu principal fornecedor. À parte de atrasos relatados em entregas devido à guerra, essa fatia pela primeira vez na história está abaixo dos 50%. Já 29% do que os franceses vendem foram para Nova Déli no período, cortesia de uma exportação de 36 Rafale.
O impacto da pandemia da Covid-19, que eclodiu dois anos antes da guerra na Ucrânia, ajudou a moderar os resultados globais de comércio de armas, que foram 3,3% menores em relação ao quinquênio anterior.
Por fim, o Brasil segue um ator secundário, apesar dos sucessos recentes de novos contratos para a venda do avião de transporte militar KC-390 pela Embraer. No ranking do Sipri, o país está 24º entre os exportadores e 27º, entre os importadores.
Direita larga na frente em apuração das eleições de Portugal, mostra boca de urna
André Ventura, presidente do partido de ultradireita Chega |
Pela sondagem do ICS/ISCTE para a emissora SIC, a AD teve entre 27,6% e 31,8% dos votos, com projeção de eleger de 77 a 89 deputados na Assembleia, que tem 230 cadeiras.
No poder desde 2015, o PS (Partido Socialista) vem em segundo lugar, com entre 24,2% e 28,4% da previsão de votos, o que resultaria em uma bancada entre 68 e 80 deputados.
A legenda de ultradireita Chega confirma a terceira colocação apontada nas pesquisas e mostra força, com entre 16,6% e 20,8% dos votos. O desempenho indica um aumento expressivo da bancada, dos atuais 12 deputados para entre 44 e 54 parlamentares.
A vitória da Aliança Democrática, contudo, não significa automaticamente que seu líder, Luís Montenegro, presidente do PSD (Partido Social Democrata), será o novo primeiro-ministro.
No sistema eleitoral luso, vota-se no partido, e não diretamente no candidato. Após a definição dos assentos parlamentares, as bancadas podem fazer acordos e coligações que sustentem outros arranjos governativos. Por isso, a composição total do Parlamento importa para a formação do Executivo.
Tradicionalmente, o partido mais votado indica o premiê, mas isso não é obrigatório. Em 2015, o Partido Socialista chegou ao poder mesmo tendo ficado na segunda colocação, graças a uma inédita união pós-eleitoral dos partidos de esquerda, apelidada pejorativamente de geringonça devido à aparente fragilidade do entendimento.
As primeiras projeções indicam que a soma dos partidos de direita é superior à dos de esquerda, puxada sobretudo pelo crescimento do Chega.
Luís Montenegro, líder da AD, contudo, repetiu durante a campanha que não pretendia governar com o apoio da ultradireita. A depender dos resultados finais, porém, um arranjo sem a legenda será um desafio.
Primeiro líder partidário a comentar os resultados preliminares, André Ventura, presidente do Chega, afirmou que o desempenho de sua legenda nas urnas indica o fim do bipartidarismo entre PSD e PS em Portugal.
O deputado expressou que o resultado “permite ao Chega negociar um governo” e deixou claro que irá pressionar Montenegro para a formação de um arranjo à direita que inclua o partido.
“Estamos disponíveis para formar um governo”, adiantou. “Os portugueses manifestaram-se claramente e disseram que querem um governo de dois partidos: da AD e do Chega”, disse Ventura, para quem seria irresponsável não aproveitar a maioria atribuída nas urnas às duas siglas.
Previsto para acontecer apenas em 2026, o pleito foi convocado de forma antecipada após a queda do premiê António Costa, que renunciou em novembro, quando uma investigação de corrupção em negócios do setor de transição energética atingiu o núcleo de seu governo.
A inesperada crise política pegou os próprios partidos de surpresa, uma vez que a confortável maioria absoluta dos socialistas, com 120 dos 230 assentos parlamentares, poderia premir a conclusão da legislatura sem sobressaltos.
Diplomacia avalia que vitória de Trump afetaria pilares da ponte construída entre Lula e Biden
Os presidentes Lula e Joe Biden |
A postura dos EUA sobre Venezuela também pode mudar sob Trump, com os Estados Unidos menos dispostos a negociar com o regime de Maduro, o que poderia respingar na relação com Lula e o Brasil.
Portugal vai às urnas com imigração crescente como foco da campanha
O número de estrangeiros legalmente residentes em Portugal, que tem 10,3 milhões de habitantes, ultrapassou a barreira de 1 milhão em 2023. Os brasileiros representam cerca de 40% desse total.
Ainda que as declarações mais duras sobre o tema tenham sido feitas por representantes do partido de ultradireita Chega, que defende o estabelecimento de cotas para a entrada de imigrantes, a defesa de mudanças nas políticas migratórias não se restringiu à legenda populista.
Em comício eleitoral da Aliança Democrática (AD), coligação dos partidos da direita tradicional, o ex-premiê Pedro Passos Coelho (2011-2015), do PSD (Partido Social Democrata), associou o aumento da imigração à insegurança em Portugal.
“Lembro-me de uma intervenção em 2016 em que eu disse que nós precisamos ter um país aberto à imigração, mas ‘cuidado, porque precisamos de ter também um país seguro’. O governo [socialista] fez ouvidos moucos disso. Na verdade, hoje as pessoas sentem uma insegurança que é resultado da falta de investimento que se deu a essas matérias”, afirmou.
Os números oficiais, contudo, não indicam um aumento da insegurança associada à chegada de mais estrangeiros. Dados mais recentes do Rasi (Relatório Anual de Segurança Interna) mostram que a criminalidade violenta e grave caiu 7,8% em 2022 em comparação com 2019 (último ano pré-pandemia). A população estrangeira legalmente residente cresceu mais de 90% no mesmo período.
A fala do ex-premiê foi condenada por representantes de várias associações de apoio aos imigrantes, incluindo a Casa do Brasil de Lisboa.
Após semanas de empate técnico com o Partido Socialista (PS), no poder desde 2015, a AD aparece agora na liderança nas principais pesquisas de intenção de voto. Em levantamento da Universidade Católica Portuguesa para o jornal Público, divulgado na quinta-feira (7), a coligação de direita tinha 34%, e o PS registrava 28%. Em terceiro, o Chega marcava 16%. A margem de erro é dois pontos percentuais para mais ou para menos.
A campanha acabou oficialmente na última sexta-feira (8). O sábado, véspera do pleito, foi o chamado dia de reflexão, quando há veto de divulgação de pesquisas, e a imprensa não pode falar de partidos ou candidatos. Em teoria, o dia serve para que o eleitor possa ponderar sobre seu voto com menos interferência.
Presidente do PSD, legenda de Passos Coelho, e candidato a primeiro-ministro pela coligação de direita, Luís Montenegro, 51, defendeu regular a imigração e fomentar políticas de integração como forma de reduzir a suposta violência associada às migrações.
Na avaliação do cientista político António Costa Pinto, do ICS (Instituto de Ciência Sociais de Lisboa), o crescimento das intenções de voto na ultradireita, atualmente em terceiro lugar nas pesquisas, tem influenciado também o posicionamento da direita tradicional.
“Isso já está testado de forma ampla na Europa. Perante a ameaça da direita radical, os partidos de centro-direita tendem a tentar ocupar esse espaço”, considera.
O pesquisador afirma que experiências de outros países europeus mostram que essa guinada mais à direita dos partidos tradicionais nem sempre convence os eleitores. “Muitas vezes, o cidadão que vota à direita prefere a verdade à cópia. Ou seja, prefere os Venturas [André, líder do Chega] aos imitadores mais ou menos oportunistas.”
Com uma população envelhecida e baixas taxas de natalidade, Portugal está dependente da mão de obra estrangeira para a manutenção de várias atividades econômicas, com destaque para a agricultura e o setor de comércio e serviços.
Não por acaso, nos últimos anos, o país facilitou a regularização de estrangeiros que entraram no território como turistas, mas permaneceram para viver e trabalhar mesmo sem a documentação adequada.
O sistema favoreceu sobretudo os cidadãos das nações da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), com mais de 100 mil pessoas beneficiadas por uma autorização de residência automática que contemplou quem estava em processo de regularização.
Proporcionalmente, imigrantes também contribuem mais para a Segurança Social do que os cidadãos nacionais, embora recebam menos auxílios e subsídios. Em 2023, os estrangeiros pagaram € 1,8 bilhão (R$ 9,7 bilhões) em contribuições, enquanto receberam € 257 milhões (R$ 1,38 bilhão) em benefícios sociais dos cofres públicos.
Diante do aumento do custo de vida, principalmente com a disparada de preços no mercado habitacional, a população migrante encontra-se em maior situação de vulnerabilidade social.
A imigração dividiu com a corrupção o foco da campanha portuguesa. As eleições legislativas, que deveriam ocorrer em 2026, foram convocadas de forma antecipada após o premiê socialista António Costa, no poder desde novembro de 2015, renunciar em novembro passado, horas após a divulgação de uma investigação de corrupção em negócios do setor de energia renovável que atingiu o núcleo do governo.
O novo secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, já parece sentir o desgaste dos anos do Executivo socialista. Antigo ministro das Infraestruturas, saíra do governo de forma atribulada, em meio à investigação do pagamento de uma indenização de € 500 mil (R$ 2,7 milhões) a uma executiva da companhia aérea TAP no momento de sua demissão. Alexandra Reis foi contratada por outra empresa pública pouco depois e, em seguida, tornou-se secretária de Estado do Tesouro.
Em Portugal, os eleitores não votam diretamente nos candidatos, mas sim nos partidos. As legendas podem se organizar em arranjos pós-eleitorais para viabilizar outro arranjo governativo. Por isso, a composição total da Assembleia interessa.
Líder da AD, Luís Montenegro afirmou que só pretende ser premiê se vencer nas urnas e que não pretende contar com o apoio da ultradireita para governar.
Já Pedro Nuno Santos, embora não tenha declarado estar aberto a outras soluções, tampouco descartou uma possível reedição da chamada geringonça, a coalizão de partidos de esquerda que em 2015 colocou no poder o Partido Socialista, na ocasião segundo colocado no pleito.