Escolha de Derrite para projeto reforça desconfiança do governo Lula sobre Motta após aproximação

A escolha de Guilherme Derrite (PP-SP) para relatar o projeto antifacção, principal aposta do governo Lula (PT) para reagir à crise de imagem na segurança pública, foi mais um episódio na conturbada relação de Hugo Motta (Republicanos-PB) com a gestão petista e reforçou a desconfiança da esquerda sobre o presidente da Câmara dos Deputados.

Motta vinha fazendo gestos ao presidente da República. Participou de eventos do governo, ajudou na aprovação de projetos de interesse do Executivo e atuou na negociação com partidos do centrão, como PP e União Brasil, após um rompimento das cúpulas dessas legendas com o petista.

Esses movimentos, na avaliação de políticos, buscavam reforçar sua própria posição na Câmara e se fortalecer no cenário eleitoral de seu estado para 2026. De um lado, ele busca consolidar uma base de sustentação por meio da distribuição de cargos e de emendas parlamentares. De outro, atua para que Lula apoie a candidatura de seu pai, Nabor Wanderley (Republicanos), para uma vaga ao Senado.

Apesar dos gestos de aproximação, integrantes do governo e deputados da base de Lula dizem que Motta dá sinalizações dúbias e falam em desconfiança sobre a gestão dele. Eles reconhecem que o deputado precisa fazer acenos aos oposicionistas para não perder o controle do plenário, mas avaliam que, em momentos cruciais neste ano, ele esteve mais alinhado com a oposição do que com o governo.

Foi o que ocorreu, na visão de governistas, com a escolha do relator do projeto antifacção. Derrite é secretário de Segurança Pública do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), potencial adversário de Lula em 2026. Para integrantes do Palácio do Planalto e deputados governistas, a decisão foi equivocada.

Um auxiliar de Lula afirmou, sob reserva, que a sinalização com isso foi muito ruim. Outro diz que ela tem potencial de estremecer a relação do deputado com o governo federal, após uma melhora.

O presidente da Câmara tinha intensificado os gestos ao governo, depois de impor derrotas em assuntos importantes para a gestão petista e atuar para aprovar matérias consideradas impopulares, como a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Blindagem, que desgastaram a imagem dele e do Legislativo.

Nas últimas semanas, reuniu-se com Lula, participou de eventos do governo e conseguiu aprovar projetos de interesse do Executivo, como a isenção de IR (Imposto de Renda) para quem ganha até R$ 5.000 e o corte de gastos, além de frear a discussão de anistia aos condenados do 8 de Janeiro.

Também passou a atuar junto da ministra Gleisi Hoffmann, da SRI (Secretaria de Relaçõe Institucionais), para recompor a base de apoio do petista no Legislativo, com a distribuição de cargos e pagamento das emendas parlamentares ao Orçamento.

Esse movimento, no entanto, também gerou críticas da oposição, e mesmo aliados de Motta já colocam em dúvidas a viabilidade da reeleição para o comando da Casa, pela suposta aproximação com o governo —que é criticado pelo que os congressistas consideram um baixo ritmo de pagamento das emendas.

Um importante aliado do presidente da Câmara reconhece que há uma insatisfação com o trabalho dele e afirma que, a julgar pelo cenário atual, a reeleição dele em 2027 passou a ser questionada. Em conversas reservadas, deputados de partidos da direita e do centro já discutem possíveis nomes para enfrentá-lo.

Já outro aliado de Motta afirma que ainda é cedo para discutir a presidência e que os parlamentares que se movimentam para a disputa precisam, primeiro, garantir que serão eleitos em 2026. Ele sustenta ainda que essa eleição também dependerá de quem for escolhido presidente da República.

Procurado pela reportagem, o presidente da Câmara afirmou que o dia a dia no Parlamento é uma "construção complexa". "Mas, ao final, olhando como um todo, teve muita coisa positiva feita. Tive apoio de todos os partidos na minha eleição e preciso equilibrar isso na condução dos trabalhos", disse.

Desde o começo da gestão de Motta, governistas apostavam numa aproximação por causa das eleições do próximo ano. Isso porque ele tenta pavimentar o apoio de Lula ao seu pai para o Senado. Em 2022, o petista foi eleito com 66,62% dos votos na Paraíba, enquanto Jair Bolsonaro (PL) teve 33,38%.

Esse apoio, no entanto, esbarra em dificuldades locais, já que o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), fiel aliado de Lula no Senado, buscará a reeleição. A outra vaga que já teria apoio assegurado do petista é a do atual governador, João Azevêdo (PSB). A interlocutores, Motta nega que a eleição na Paraíba esteja vinculada à sua atuação na Câmara e diz que só tratará desse tema no próximo ano.

Políticos próximos ao deputado dizem não enxergar o governo federal isolando o parlamentar no estado, mas reconhecem que é um cenário complicado. Já nomes do PT falam em trabalhar na construção de um palanque único para Lula. Um integrante do governo diz que a tendência é que Lula ajude Motta, mas também espera que o parlamentar dê garantia da estabilidade na Câmara até o fim de 2026.

Um aliado de Lula no Congresso afirma que a esquerda não tem segurança sobre de que lado Motta está. Além da escolha de Derrite, ele se queixa da não punição até agora dos bolsonaristas que fizeram motim na Câmara, da não cassação do mandato de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e da "influência excessiva" do senador Ciro Nogueira (PP-PI) –que atua para ser vice na chapa adversária de Lula.

Ele também lembra que Motta impôs duas grandes derrotas para o governo em plenário: a derrubada do decreto que aumentava o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e a decisão da Câmara de deixar caducar a medida provisória que aumentava impostos.

Como forma de tentar reverter o desgaste na imagem após a mobilização popular contra a PEC da Blindagem, Motta passou a pautar projetos de interesse popular, como a gratuidade de bagagem despachada e de mão em voos, além de matérias sobre segurança pública e a educação.
Por Victoria Azevedo/Folhapress

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