INSS deu comando para manter ativo sistema mais vulnerável de descontos, diz Dataprev
O presidente da Dataprev, Rodrigo Assumpção, diz em entrevista à Folha que o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) deu um comando para manter ativo o sistema mais vulnerável de cadastro dos descontos associativos, apesar de a empresa ter entregado uma solução tecnológica mais moderna e segura em setembro de 2024.
Os dois sistemas ficaram convivendo por seis meses, período em que o instituto, então presidido por Alessandro Stefanutto, continuou enviando listas de supostos novos associados que deveriam ser alvo de descontos.
“Recebemos a ordem de manter aberto e continuar fazendo essas inscrições, sim. Havia demandas para inserção. A justificativa —que na época, confesso, me pareceu ruim, mas não absurda— era que haveria um impacto muito grande e queriam uma transição mais lenta. Eu achei que isso era falta de apetite para enfrentar uma mudança muito significativa no processo. Hoje a gente sabe que não era só isso”, diz Assumpção.
A solução mais antiga só foi descontinuada em março deste ano, pouco antes de a Polícia Federal deflagrar a operação Sem Desconto, que resultou no afastamento de cinco gestores do INSS, entre eles Stefanutto, o então procurador-geral, Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho, e o diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão, Vanderlei Barbosa.
Procurado, o INSS disse, em nota, que esse é um dos elementos que levaram ao afastamento da gestão anterior e à troca do comando do órgão em 30 de abril e acrescentou que os fatos estão sendo tratados pela operação Sem Desconto.
“A atual administração está colaborando integralmente com as investigações para o completo esclarecimento dos fatos, reiterando seu compromisso com a integridade dos processos, a proteção dos beneficiários e o ressarcimento ao erário”, afirmou.
O presidente da Dataprev não cita o nome de quem emitiu tal comando, mas diz que as ordens para manter o sistema antigo e fazer as inscrições partiram de pessoas investigadas. “Várias das pessoas investigadas foram as pessoas que fizeram essas determinações, [elas] faziam demandas de operação dentro do sistema”, afirma.
Segundo ele, as solicitações foram dentro do próprio sistema de comunicação entre INSS e Dataprev, e a empresa possui todos os registros (“logs”) dos requerimentos. Esse dados foram repassados à PF.
A Dataprev é uma empresa de tecnologia do governo federal. É ela que provê os sistemas usados pelo INSS para processar requerimentos de benefício e rodar a folha de pagamento, entre outras soluções.
O sistema de descontos associativos tinha uma arquitetura bem antiga, e sua lógica era aplicada desde 1994. O INSS firmava um ACT (acordo de cooperação técnica) com a associação, que a habilitava para enviar listas de associados para a realização do desconto das mensalidades.
A coleta de informações e documentos dos beneficiários era feita pela própria associação. O INSS recebia a lista e encaminhava para a Dataprev, para incluir os descontos na folha de pagamento. Segundo Assumpção, a empresa fazia apenas duas checagens: se o beneficiário estava vivo e se o tipo de benefício comportava o desconto (salário maternidade e auxílio-doença, por exemplo, não podem ser alvo de consignação, devido a seu caráter temporário).
O presidente da Dataprev afirma que as associações declaravam possuir os documentos de anuência do beneficiário, mas reconhece que não havia uma checagem dessas informações, nem mesmo por amostragem. “No sistema anterior, [não tinha] nada”, diz. Tampouco havia mecanismo que disparasse algum alerta diante de comportamento anômalo —por exemplo, inclusão em massa de descontos num único mês, justamente um dos indícios de irregularidade apontados em relatório da CGU (Controladoria-Geral da União).
Assumpção afirma que o pedido de criação de um novo sistema veio após uma provocação da própria CGU e também do TCU (Tribunal de Contas da União), que alertaram sobre as vulnerabilidades do sistema antigo de descontos.
A solução entregue em setembro de 2024, mais robusta, exigia a entrega digitalizada dos documentos que antes ficavam apenas sob a guarda das associações. Também empregava biometria, mediante cruzamento de informações com a base do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Na prática, o novo sistema acabava com o envio de listas e exigia das entidades um cadastro individualizado, com uso de biometria do beneficiário.
“Infelizmente, não houve uma decisão por parte do INSS de fechar o antigo. Ficaram convivendo durante seis meses”, diz.
Embora a decisão do instituto tenha causado estranheza, mesmo antes de as irregularidades virem à tona, a Dataprev não alertou os órgãos de controle sobre a manutenção do sistema antigo.
“Entregamos [o sistema]. A partir daí, é uma decisão de implementação. Lembrando, a ordem [dos órgãos de controle] era dirigida ao INSS. Nós fizemos a parte que nos cabia. Achamos que era uma decisão ruim retardar o processo, mas em momento algum achamos que havia corrupção”, afirma Assumpção. “Não nos cabe trabalhar como auditor dos nossos clientes.”
As investigações também detectaram que alguns servidores do INSS realizaram o desbloqueio de novos benefícios para viabilizar a aplicação dos descontos. Isso foi necessário porque os benefícios recém-concedidos nascem bloqueados para consignações.
“Houve a identificação de que alguns servidores —alguns muitos, infelizmente— tinham poderes de desbloquear. Não tenho números dos desbloqueios. Mas [em um sistema tecnológico] você tem que ter condições de tratar exceções, é razoável. Mas houve um número excessivo [de autorizações]. Isso aconteceu de fato”, afirma.
Segundo ele, cerca de 170 servidores do INSS tinham poder para efetuar os desbloqueios. Assumpção, porém, fez a ressalva de que a Dataprev concede tais autorizações a pedido dos gestores do instituto.
O presidente também se diz incomodado com insinuações de que a Dataprev foi parte do esquema, facilitando os descontos indevidos.
“O desenho não precisava de nenhuma sofisticação tecnológica. À medida que eu tenho um processo onde eu posso montar uma lista, entregar uma lista e essa lista produz os efeitos, para que eu preciso de quem insere a lista? Então, as características da fraude são muito pouco tecnológicas”, afirma.
Segundo ele, não há indício de envolvimento de funcionários da companhia. “E se houver alguma coisa aqui dentro da Dataprev, eu espero que venham e investiguem. Mas, por enquanto, não ocorreu nada.”
Idiana Tomazelli, Folhapress
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