Cúpula da Câmara vê nova interferência do STF em caso Ramagem e avalia reação

Integrantes da cúpula da Câmara dos Deputados criticaram o ofício do ministro Cristiano Zanin, do STF (Supremo Tribunal Federal), direcionado ao presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), sobre ação penal contra Alexandre Ramagem (PL-RJ) no caso da trama golpista de 2022. Eles classificaram o ato como uma nova interferência do Judiciário sobre o Legislativo e agora discutem como reagir a esse movimento.

Na quinta (24), Zanin enviou um ofício a Motta no qual afirma que a Casa só tem competência para rever parte da ação contra Ramagem no caso da trama golpista. Ramagem se tornou réu pelo STF sob acusação de integrar, assim como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o núcleo central de uma organização criminosa que tentou dar um golpe de Estado após a vitória de Lula (PT).

Como ele é parlamentar, diplomado em dezembro de 2022, a corte notificou o Congresso após ter recebido a denúncia. A Constituição prevê que a Câmara pode suspender processo penal contra parlamentar por crimes cometidos após a diplomação.

A decisão, porém, precisa ser tomada no âmbito da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa e depois no plenário em até 45 dias após a notificação. O relator do caso, na CCJ, será o bolsonarista Alfredo Gaspar (União Brasil-AL).

A avaliação de três pessoas próximas a Motta é que o Supremo ultrapassou os limites da atuação de cada Poder e quis interferir em assunto interno da Casa. Um aliado do deputado diz que esse gesto de Zanin pode ser interpretado como uma tentativa do STF de paralisar uma votação, algo que na avaliação dele é inconcebível.

Esses políticos dizem que atitudes como essa de integrantes do Supremo aumentam a pressão dos deputados sobre o presidente da Câmara para que ele dê uma resposta ao STF. Desde 2024, deputados se queixam da atuação do Judiciário, afirmando que a corte e seus ministros desrespeitam a autonomia dos Poderes.

Outro aliado próximo do presidente da Câmara classifica o gesto de Zanin como um desrespeito a Motta, sobretudo num momento em que o deputado trabalha para distensionar a relação dos parlamentares com a corte, negociando um acordo com o STF acerca do projeto de lei da anistia do 8 de janeiro.

Segundo a reportagem apurou, o próprio presidente da Câmara se queixou a interlocutores do ocorrido. O deputado deve tratar disso com o presidente do STF, Luís Roberto Barroso —os dois integram comitiva oficial da Presidência e viajaram na quinta-feira para a Itália para acompanhar o funeral do papa Francisco.

Integrantes da cúpula da Câmara dizem que não há uma definição de como será essa eventual reação e qual será o seu alcance. Eles dizem que, objetivamente, a tendência é que o ofício seja ignorado e a proposta tenha tramitação célere na Casa.

Esses políticos não descartam, no entanto, algum movimento mais duro de Motta em relação ao Supremo. Eles dizem que o presidente da Câmara corre o risco de perder a credibilidade entre os deputados se não agir de forma contundente.

A defesa das chamadas prerrogativas parlamentares une a grande maioria dos deputados da Casa, da direita à esquerda. Além disso, por se tratar de ação que mira um parlamentar, prevalece também o discurso corporativista dos congressistas.

Lideranças da oposição também criticaram a atitude do STF. Um deles afirma, sob reserva, que isso poderá fazer com que a ação tenha votação recorde na Casa.

O deputado Carlos Jordy (PL-RJ), ex-líder da oposição, reagiu ao ofício de Zanin afirmando que o “Congresso nunca foi tão humilhado”.

“Depois de decidir não pautar a anistia, Hugo Motta recebeu ofício de Zanin dizendo que a Câmara não pode suspender a íntegra do processo contra Ramagem. O STF trata o presidente da Câmara como um subordinado”, escreveu em publicações nas redes sociais na quinta.

Parlamentares bolsonaristas querem aproveitar o caso Ramagem para aplicar uma derrota ao Supremo e, assim, sinalizar a força da oposição em pautas contra o tribunal.

No último dia 14, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), pediu que o STF esclarecesse formalmente quais crimes atribuídos a Ramagem foram cometidos antes e depois de sua diplomação. Com isso, tentava derrubar a tese do PL de que a ação penal contra Ramagem deve ser suspensa porque os delitos teriam sido cometidos após ele ser diplomado.

À Folha o petista minimizou as críticas a Zanin. “Não tem exagero nenhum por parte do Supremo, eu que peticionei o STF pedindo esclarecimentos e já havia comunicado o presidente da Câmara sobre minha iniciativa”, diz Lindbergh.

Victoria Azevedo, Folhapress

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