Petistas contestam alianças costuradas por Lula nos estados

Foi em meio a vaias e gritos de “golpista” que o pré-candidato a governador de Pernambuco Danilo Cabral (PSB) subiu ao palco em uma casa de shows em Olinda (PE) no final de julho. Ele foi um dos deputados que votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016, ato pelo qual hoje se diz arrependido. Ao perceber os apupos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi ao seu encontro. O pessebista tentou quebrar o gelo e passou o braço por cima do ombro do petista: “Vem para cá, presidente”.

A reação hostil é resultado de um descompasso entre as decisões das cúpulas partidárias e os desejos da militância, fenômeno que não se limita a Pernambuco. Em estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, militantes e líderes contestam as alianças locais costuradas por Lula com base na eleição presidencial.

Na estratégia definida pelo PT para 2022, a prioridade é a eleição de Lula para a Presidência, seguida da eleição de deputados federais e senadores. Governos estaduais ficaram em segundo plano. Um dos casos mais emblemáticos é o Amazonas, onde um acordo imposto de cima para baixo fez o PT apoiar o senador Eduardo Braga (MDB) para o governo e Omar Aziz (PSD) para a reeleição ao Senado.

A aliança mira intensificar dissidências dos dois partidos, que não estarão formalmente aliados a Lula: o MDB lançou a senadora Simone Tebet ao Planalto, e o PSD deve ficar neutro.

Governador de 2003 a 2010, Braga tentará um terceiro mandato, mas aparece em terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto. O cenário não é dos mais favoráveis: ele nunca venceu uma eleição para o governo na oposição e enfrenta desgaste político —em 2018, por pouco não se reelegeu para o Senado. Pesa contra o senador o seu voto a favor do impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016. Quando questionado sobre o assunto, limita-se a dizer que a questão ficou no passado.

Entre os petistas, por exemplo, há deputados estaduais que fazem parte da base de apoio a Wilson Lima (União Brasil) e vão apoiar a reeleição do governador, que fechou aliança com o presidente Jair Bolsonaro (PL) no estado. É o caso do próprio presidente do PT no Amazonas, deputado estadual Sinésio Campos. Além de ser aliado de Lima, ele é um defensor de pautas que geram controvérsia na esquerda, caso da mineração em terras indígenas.

“Eu defendo a mineração na Amazônia e em terra indígena há mais de 20 anos. Bolsonaro defende há menos de três anos”, disse Sinésio em março à rádio BandNews Difusora. A posição contrasta com os planos de Lula, que se opõe à exploração mineral em áreas demarcadas.

Sinésio defendia que a federação não apoiasse nenhum candidato ao governo, mas diz que respeitará a decisão de apoio a Braga. Outro ponto de conflito está na relação entre Eduardo Braga e Omar Aziz, que têm um histórico de brigas políticas e chegaram a trocar farpas durante a CPI da Covid no Senado.

Omar Aziz foi vice-governador de Braga em dois mandatos. Os dois romperam politicamente em 2014, quando Omar apoiou o então vice-governador, José Melo, na disputa pelo governo contra o senador do MDB, que foi derrotado. Nesta eleição, Omar aceitou firmar aliança com o MDB após conversas com Lula. Mas a tendência é que seja um casamento de aparências: na convenção do PSD, não houve convite nem citação a Braga.

Omar Aziz tem relação próxima com Wilson Lima e apoiou o governador durante o processo de impeachment na Assembleia Legislativa, que acabou arquivado.

Outro estado onde há descompasso entre as bases e as decisões da cúpula do PT é Mato Grosso. Líderes locais do partido criticam a aliança com o deputado federal Neri Geller (PP), um dos principais membros da bancada ruralista, que vai concorrer ao Senado. Empresário e produtor rural, Geller vai liderar o palanque de Lula no estado. Ao seu lado estão outros nomes de peso do agronegócio, caso do senador Carlos Fávaro (PSD) e dos empresários Blairo e Eraí Maggi.

A aliança foi costurada com o comando nacional do PT, que viu na parceria uma oportunidade de criar pontes com o setor, uma das principais bases eleitorais de Bolsonaro. Petistas de Mato Grosso, contudo, queriam lançar candidaturas próprias ao governo e ao Senado e veem a aliança com reservas. “Somos como água e óleo. O nosso eleitorado não é o mesmo eleitorado dessa turma. Temos condições de conseguir um bom resultado sem essa aliança”, dispara o deputado estadual Lúdio Cabral (PT), que concorreu ao governo do estado em 2014 e ficou em segundo lugar.

Ele afirma que é importante o diálogo de Lula com representantes do agronegócio, mas diz não ver sentido que uma aliança seja imposta no estado, onde há um histórico de antagonismo. “Não vejo sentido que o PT se subordine ao projeto político do agronegócio em Mato Grosso, a não ser que eles façam uma autocrítica ou revejam suas posições. A gente precisa de coerência programática”, completa o deputado.

Em Pernambuco, parte da militância petista critica a retomada da aliança com o PSB em 2018 e a manutenção da parceria em 2022. Os pessebistas governam o estado há 16 anos e tentam dar continuidade à hegemonia. Para manter o apoio ao PSB, o PT preteriu, pela segunda vez consecutiva, o pleito da deputada federal Marília Arraes de concorrer ao governo do estado. Ela deixou o PT e migrou para o Solidariedade em abril e vai disputar o governo rodeada por ex-aliados do PSB no estado.

Marília levou consigo o apoio de uma parcela expressiva da militância petista, incluindo políticos petistas com mandato. O PT contra-atacou no início deste mês e expulsou 11 filiados por não seguirem a orientação partidária. A principal mágoa da militância está no apoio dado pelo PSB de Pernambuco em 2016 ao impeachment Dilma Rousseff. Danilo Cabral, que votou pelo afastamento da presidente, agora diz que se arrepende, mas segue ouvindo gritos de “golpista” em atos com a militância petista.

Lula tem repetido que Danilo Cabral é o seu candidato a governador em Pernambuco e não deve participar de atos com Marília Arraes. Em discursos, o presidente defende o cumprimento da aliança com o PSB e diz que respeita os acordos feitos “no fio do bigode”. Na reta final até o fim do prazo para a realização das convenções, que se encerram em 5 de agosto, a cúpula do PT ainda intensifica negociações para alianças em estados como Goiás e Mato Grosso do Sul.

O partido tem pré-candidaturas ao governo lançadas, mas não estão descartadas composições com o MDB ou PSD em Mato Grosso do Sul e com o PSDB em Goiás.

João Pedro Pitombo e Rosiene Carvalho/Folhapress

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