YouTube não vê violações de Bolsonaro e decide manter no ar fala a embaixadores

O YouTube decidiu manter no ar a live em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) levanta suspeita sobre as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral a dezenas de embaixadores. A apresentação aos estrangeiros ocorreu no Palácio da Alvorada na segunda-feira (18) e foi transmitida pela TV Brasil e nos canais do YouTube e do Facebook do presidente.

“Após revisão, não foram encontradas violações às políticas de comunidade do YouTube no vídeo em questão, postado em 18 de julho no canal Jair Bolsonaro”, afirmou a empresa à Folha na quarta-feira (20).

Em nota, o YouTube disse que suas equipes trabalham para garantir o equilíbrio entre liberdade de expressão e a segurança de quem se informa na plataforma e que ouve especialistas externos, criadores de conteúdo e a sociedade civil para construir suas regras.

Na segunda-feira, durante quase 45 minutos, Bolsonaro tentou sustentar a tese de que o ataque hacker aos sistemas do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), investigado pela PF (Polícia Federal), tornou os pleitos de 2018 e 2020 vulneráveis.

Não há relação entre invasão de computadores e urnas eletrônicas.

Além de atacar ministros do TSE e do STF (Supremo Tribunal Federal) e indicar que eles favorecem o pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Bolsonaro afirmou que a corte eleitoral sugeriu manipulação de números na eleição de 2018.

“As propostas sugeridas pelas Forças Armadas, praticamente instando a possibilidade de manipulação de números, como sugere o próprio TSE, por ocasião das eleições de 2018. Eu não quero falar o que eu acho que aconteceu.” O TSE diz que não sugeriu qualquer manipulação.

No mesmo dia da apresentação a embaixadores, o YouTube removeu uma live semelhante do canal de Bolsonaro transmitida em 29 de julho de 2021. Alegou que aquela transmissão violou suas diretrizes e que as regras “devem ser seguidas por todos os usuários da plataforma”.

A empresa justificou que desde março de 2022 remove conteúdo com alegações falsas de que as urnas eletrônicas brasileiras foram hackeadas na eleição de 2018 e de que os votos foram adulterados.

Na íntegra, a política, que vale apenas para o pleito de 2018, proíbe “conteúdo com alegações falsas de que fraudes, erros ou problemas técnicos generalizados ocorreram em eleições nacionais certificadas anteriores”.

O YouTube não especifica por que baniu uma transmissão e manteve a outra. Ambas têm a mesma tônica e o objetivo de levantar suspeitas sobre o pleito de 2018 sob a justificativa de “eleições transparentes” para 2022.

Embora o YouTube não divulgue quais critérios exatos considerou para cada um dos vídeos, os processos de moderação nas plataformas costumam tratar sugestões e insinuações de forma diferente de afirmações categóricas.

As empresas tentam moderar menos o conteúdo e mais o comportamento de usuários, deixando para a Justiça a ordem de retirada.

Na transmissão de 2021, Bolsonaro usou a variação de seus percentuais durante a apuração nas eleições de 2018 para alegar que o pleito havia sido fraudado. Disse que o mesmo ocorreu na eleição de 2014, sem apresentar provas. Na deste ano, disse que os sistemas são vulneráveis e que o TSE sugeriu manipulação dos dados em 2018.

A Meta, dona de Facebook, WhatsApp e Instagram, não tem política específica sobre urnas, mas desde janeiro conta com uma regra para moderar o discurso de “autoridades durante agitações civis”.

A live de Bolsonaro foi transmitida no YouTube e veiculada também em sua conta no Facebook, onde aparece ligada a um aviso que leva ao site da Justiça Eleitoral.

Em nota, a empresa diz que “direciona as pessoas usando o Facebook e o Instagram no Brasil para informações oficiais da Justiça Eleitoral sobre o sistema de votação” e que o país é um dos primeiros que adotou esse rótulo.

Mesmo que tenha derrubado a live de 2021, o YouTube levou quatro meses desde sua política para fazê-lo. Segundo a empresa, todos os usuários seguem as mesmas regras.

Para Tatiana Dourado, pesquisadora do INCT.DD (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital), alguns critérios dessa ordem poderiam ser mais balizados na plataforma.

“Entendo que a aplicação da política de moderação, por ter também uma camada subjetiva, seja mais criteriosa na moderação ou na remoção de publicações de contas oficiais de lideranças políticas e mundiais. É um paradoxo, porque a amplificação de discursos perigosos proferidos por governantes é também maior e mais poderosa”, diz.

Segundo ela, é preciso haver um critério objetivo para que o YouTube priorize quais vídeos devem ser moderados em casos de alegações falsas e conspiratórias sobre fraude nas urnas, já que a empresa publicamente adotou essa diretriz.

Para Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, o banimento de uma transmissão presidencial tem um valor simbólico maior do que qualquer outro. Um vídeo, ainda mais de Bolsonaro, cuja presença digital é maior do que a de outros candidatos, é rapidamente editado e reembalado em diversos canais e em grupos fechados de outros aplicativos.

“É preciso analisar não só no varejo, mas no atacado. As políticas existem em um processo de aperfeiçoamento. Lá atrás, por exemplo, era mais difícil localizar a nudez não consentida. As políticas não tinham o efeito de bloquear e os moderadores não tinham as ferramentas adequadas”, afirma.

“É uma política aplicada há menos de seis meses, ela não vai ser tão boa quanto as aplicadas há mais tempo.”

Na terça (19), o vídeo de 2021 com alegações falsas sobre as urnas foi deletado de 18 canais, incluindo os de Flávio e Eduardo Bolsonaro, de acordo com a consultoria Novelo Data.

“O YouTube aborda moderação como uma questão de relações públicas, não de integridade da plataforma. Eles só executam regras com afinco quando há pressão pública”, diz Guilherme Felitti, sócio empresa.

A Folha identificou o conteúdo ainda disponível no canal da Jovem Pan e no TV BrasilGov, totalizando 2,1 bilhões de visualizações.

Paula Soprana/Folhapress

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