Trajetória política de Doria tem ascensão meteórica e coleção de brigas no PSDB

“O João [Doria] começou bem, porque começou com democracia dentro de casa. […] Precisamos exercitar a escolha interna. A prévia não divide, ela escolhe. Você pode escolher em um grupo pequeno ou pode ampliar a escolha. Nós sempre defendemos ampliar a escolha”.

A frase é de Geraldo Alckmin (PSB), então governador de São Paulo e então tucano, ao votar ao lado de Doria, então candidato à Prefeitura de São Paulo, no primeiro turno das eleições de 2016.

Se Doria começou bem, terminou em meio a lágrimas de aliados e às suas próprias nesta segunda-feira (23), marco de sua renúncia, ainda que temporária, à vida pública e retorno ao meio empresarial de onde surgiu.

A outrora estrela em ascensão do PSDB agora desistiu de ser candidato à Presidente da República, algo com o que sonhava desde sua primeira vitória nas urnas. Já Geraldo Alckmin, o padrinho, hoje é adversário, deixou o PSDB e se sente traído por Doria.

Aliados afirmam que Doria não deve disputar outro cargo neste ano, mas evitam dizer que se trata de uma aposentadoria –é um recuo estratégico, isso com certeza.

“Hoje, neste 23 de maio, serenamente, entendo que não sou a escolha da cúpula do PSDB”, disse Doria ao ceder à pressão dos líderes do seu partido para que deixasse a corrida eleitoral.

Em novembro passado, o ex-governador paulista venceu as prévias presidenciais tucanas por 53,99% —cerca de 30 mil filiados participaram da votação. Mas não conseguiu cumprir dois requisitos que o manteriam no posto de presidenciável: apoio do alto clero tucano e bons resultados em pesquisas eleitorais.

Os acontecimentos daquele 2 de outubro de 2016 ilustram a ambiguidade da carreira política de Doria —ancorada inicialmente na antipolítica e no antipetismo, o espírito do tempo na época.

Naquela noite, Doria obteve vitória política expressiva ao vencer no primeiro turno, algo inédito na maior capital do país. E colheu nova vitória nas urnas em 2018, ao se eleger para o Governo de São Paulo. Antes de cada pleito, venceu prévias do PSDB.

Em 2022, ensaiava repetir o roteiro ao vencer seu terceiro pleito interno, desta vez contra Eduardo Leite (RS) e Arthur Virgílio (AM).

Os louros eleitorais, contudo, sempre vieram acompanhados de contestações e rivalidades no PSDB, que se aprofundaram até que a executiva do partido, na última terça-feira (17), formou maioria para decretar a candidatura de Doria inviável eleitoralmente.

Aliados de Doria consultados pela reportagem citam algumas razões para esse resultado. Primeiro, o fato de Doria não ter alcançado 5% de intenção de votos na maior parte das pesquisas, apesar de ser conhecido nacionalmente. Ao contrário, acumula alta rejeição nos levantamentos.

O relacionamento de Doria com o eleitorado foi marcado pelo abandono de dois mandatos, de prefeito e de governador, para concorrer a cargos mais importantes. Além disso, pesou contra o tucano o “fique em casa” da pandemia, visto correto do ponto de vista científico, mas não perdoado por comerciantes e empreendedores.

Os excessos midiáticos e a exposição constante do ex-governador, que é comunicador e foi apresentador de TV, também moldaram a rejeição que perdura no tempo. No Governo de São Paulo, as entrevistas e pronunciamentos eram quase diários. Na prefeitura, Doria atraiu flashes vestido de gari.

Em segundo lugar, como explicação para a debacle de Doria, seus auxiliares apontam má vontade e revanchismo do partido com o tucano, que se elegeu dizendo-se gestor e não político.

Alckmin justificou a realização de prévias, naquele outubro de 2016, porque o processo havia levado à saída de Andrea Matarazzo do partido. Desde então, Doria comprou brigas com Alberto Goldman, com Aécio Neves, com o atual presidente Bruno Araújo e, claro, com Alckmin, que também deixou a sigla por fim.

Na tentativa de expulsar Aécio do partido, em 2019, Doria sofreu uma derrota de 30 a 4 na executiva do PSDB.

Ao vencer em 2018, Doria tentou ascensão sobre os cargos de comando do partido e passou a falar em novo PSDB —ideia jamais implantada. O posicionamento liberal e marqueteiro do tucano incomodava a ala história defensora da social-democracia.

Mesmo as vitórias em prévias foram contestadas. Em 2016, Doria foi acusado de compra de votos e de ter se beneficiado da máquina do governo estadual. Nas prévias presidenciais, filiações intempestivas também deixaram os adversários em alerta.

Contra os questionamentos a respeito da viabilidade de sua candidatura, Doria costumava repetir que, em 2016 e 2018, também começou em baixa nas pesquisas e enfrentou resistência entre os tucanos.

Já em 2022 Doria não sobreviveu. Há um outro contexto eleitoral, em que o polo de oposição ao PT é ocupado por Jair Bolsonaro (PL) e não pelo PSDB. Mas há também uma coleção de erros políticos acumulados pelo ex-governador desde o último pleito.

Doria se associou a Bolsonaro para vencer a eleição estadual, o que lhe rendeu a pecha de traidor em relação a Alckmin. A adesão ao bolsonarismo, inclusive com a ênfase na segurança pública, durou pouco, e Doria logo se tornou o principal opositor do presidente na pandemia.

Em fevereiro de 2021, em outra derrota emblemática, Doria convidou tucanos da cúpula, inclusive Araújo, para jantar no Palácio dos Bandeirantes numa tentativa de se apossar do cargo de presidente do PSDB.

Nos capítulos finais da derrocada de Doria, o ex-governador ameaçou ir à Justiça Eleitoral para garantir que o PSDB seguisse o resultado das prévias e lançasse sua candidatura, o que provocou uma união de PSDB, MDB e Cidadania contra o tucano.

Um dos principais erros de cálculo de Doria foi o que lhe custou o apoio do seu vice, o atual governador Rodrigo Garcia (PSDB). A pré-candidatura de Doria perdeu o prumo quando Rodrigo e a bancada paulista deixaram de endossar o ex-governador e viram benefício em apoiar Simone Tebet (MDB).

A relação entre Doria e Rodrigo não é mais a mesma desde que o primeiro ameaçou não renunciar ao Governo de São Paulo, o que prejudicaria as ambições eleitorais do segundo.

Aliados de Doria lamentam o fim da candidatura do ex-governador sobretudo com base na avaliação de sua gestão. Doria viabilizou a vacinação no país, seu principal trunfo político e eleitoral. Também deixou como marcas a despoluição do rio Pinheiros e a retomada de obras do metrô paradas.

O cientista político da Unicamp Henrique Curi, que estuda a estrutura do PSDB em seu doutorado, afirma que o partido errou ao abrir mão das prévias para enterrar a candidatura de Doria.

“Os partidos perderam, nos últimos anos, legitimidade e confiança da população, e uma das respostas a isso é ampliar a democracia interna. O PSDB faz isso com as prévias. Ao descartá-las, o que é muito ruim, deslegitima o filiado e o militante na estrutura decisória do partido”, diz.

“Doria antes tinha um contexto mais fácil de eleição, sendo anti-PT e antipolítica. Agora os leques de oportunidade política não são óbvios como antes. Fechar o comércio e ser a favor da vacina não é necessariamente fácil”, diz.

“Ele não conseguiu construir, dentro do PSDB, um grupo tão forte e tão coeso, e acabou sendo engolido pela cúpula”, afirma Curi, lembrando que, além da rejeição no eleitorado, Doria “cultivou rejeição interna com uma série de atritos”.

CRONOLOGIA

20.mar.16 Joao Doria é confirmado como o candidato do PSDB para disputar a prefeitura de São Paulo após a desistência de Andrea Matarazzo
2.out.16 Já no primeiro turno, Doria derrota o então prefeito Fernando Haddad (PT) com 53,29% dos votos válidos
18.mar.18 Com mais de 80% dos votos, Doria vence as prévias tucanas para disputar o governo do estado. Com isso, renuncia à prefeitura com menos de dois anos no cargo
28.out.18 Em vitória apertada contra Márcio França (PSB) no segundo turno, Doria é eleito governador do estado em campanha apoiada na do presidente Jair Bolsonaro (PL), estratégia batizada pela própria campanha como Bolsodoria
27.nov.21 Doria vence o ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, em prévias do PSDB para a disputa da Presidência
31.mar.22 Em baixa nas pesquisas e pressionado pelo próprio PSDB, Doria desiste da corrida presidencial

Carolina Linhares/Folhapress

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