Saldo da Lava Jato inclui devolução bilionária e será tema eleitoral para Lula e Moro; entenda

Foto: Dida Sampaio/Arquivo/Estadão
Pela terceira eleição presidencial seguida, a Operação Lava Jato estará entre os principais focos dos debates em 2022.

Diferentemente do que ocorreu nas campanhas anteriores, agora a discussão não será sobre descobertas recém-ocorridas ou seus desdobramentos em andamento, mas sim acerca do saldo dos trabalhos feitos anos atrás.

Há ainda outra novidade crucial: o seu maior símbolo, o ex-juiz Sergio Moro, deve concorrer ao Planalto pelo partido Podemos, com carimbo de juiz parcial e empunhando a bandeira do legado da operação, hoje esvaziada e com suas forças-tarefas extintas.

Assunto dos mais polarizadores da história política do país, a Lava Jato começou a partir de investigação sobre uma rede de doleiros no Paraná e avançou sobre irregularidades em estatais envolvendo partidos políticos. Teve papel crucial em crises como a que levou ao impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016.

Só em Curitiba, foram apresentadas 130 denúncias (acusações formais) até o ano passado, com 174 condenações. As quantias bilionárias que retornaram aos cofres públicos em decorrência das investigações são um dos argumentos mais frequentes de seus apoiadores.

De 2018 para cá, a Lava Jato passou por questionamentos, principalmente após a ida de Moro para o governo Jair Bolsonaro e com o vazamento de conversas do aplicativo Telegram de procuradores, em 2019.

O PT, partido que lidera as pesquisas com Luiz Inácio Lula da Silva, vocaliza as principais críticas à operação e flerta com teorias como a influência do governo americano sobre os investigadores, tese já defendida pelo presidenciável.

Concorrente de Moro no campo da chamada terceira via, Ciro Gomes (PDT) tem criticado o efeito econômico da operação e o desemprego provocado pela investigação nas empreiteiras.

Bolsonaro, antes defensor da Lava Jato, tornou-se crítico e tem falado que havia um projeto político entre seus integrantes —o ex-procurador Deltan Dallagnol (Podemos) também entrou para a política.

Relembre os principais eixos da Lava Jato desde a sua deflagração, em março de 2014.

A Lava Jato teve como ponto de partida uma rede de doleiros ligada a Alberto Youssef, que movimentou bilhões de reais no Brasil e no exterior usando empresas de fachada, contas em paraísos fiscais e contratos de importação fictícios.

À época, um dos focos eram os negócios de José Janene, ex-deputado do PP do Paraná que morreu em 2010. Investigado pela PF no Paraná, o caso foi distribuído ao então juiz Sergio Moro, que atuava em vara especializada em crimes financeiros.

Youssef, que já havia se tornado delator no caso Banestado e descumprido o acordo, firmou uma das primeiras delações premiadas da Lava Jato.

Suas empresas nunca prestaram serviços de fato e não tinham funcionários contratados. Essas firmas de fachada, segundo laudos mostraram, receberam de construtoras como a OAS, Galvão Engenharia, Camargo Corrêa e UTC ao menos R$ 62 milhões (em valores da época).

Por meio delas, o operador fornecia dinheiro a interlocutores de políticos. Tinha contato com alguns deputados de forma frequente, como o ex-deputado Luiz Argôlo, que era filiado ao SD-BA e também foi preso na Lava Jato.

Com o passar das investigações, outros operadores financeiros foram atingidos pelas investigações, como Adir Assad e Milton Lyra.

A Câmbio, Desligo, um desdobramento da Lava Jato do Rio de Janeiro, teve como principal alvo outro operador financeiro, Dario Messer, conhecido como “doleiro dos doleiros”. Messer foi preso em 2019. Em 2020, teve seu acordo de delação premiada homologado.

Alberto Youssef tinha envolvimento com um ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa.

Com a descoberta de um carro comprado pelo doleiro para o ex-executivo, a estatal entrou no foco das investigações. Os dois foram presos em março de 2014. Com o avanço dos trabalhos da PF, outras diretorias e divisões da Petrobras passaram a ser investigadas.

Em meio à prisão de seus diretores, a estatal passou a trabalhar em colaboração com o Ministério Público Federal, como assistente de acusação na Lava Jato. Passou a ser tratada como vítima dos crimes desvendados pela operação.

As suspeitas de irregularidades eram anteriores à Lava Jato. O TCU (Tribunal de Contas da União) recomendou em 2011 o bloqueio de verbas à construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, uma das mais mencionadas na investigação.

Em 2015, a Petrobras divulgou balanço contabilizando uma perda de R$ 6 bilhões com o esquema de corrupção. Na semana passada, quase sete anos depois, a companhia afirmou que o total recuperado em virtude de acordos de colaboração, leniência e repatriações é até agora de R$ 6,17 bi.

Em agosto de 2014, após ser preso pela segunda vez, Paulo Roberto Costa (Petrobras) aceitou colaborar com as investigações em troca de deixar a cadeia. Afirmou que ele e outros diretores da estatal cobravam propina e repassavam o dinheiro a políticos.

Youssef também virou delator logo em seguida. A primeira leva de delações provocou em 2015 a abertura de dezenas de investigações de políticos, autorizadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Com o cerco de polícia e Ministério Público, outros envolvidos se viram estimulados a firmar acordos de colaboração para evitar que fossem presos.

As delações acabaram se tornando uma das principais bases para as deflagrações de operações. A mais famosa é a da Odebrecht, firmada enquanto o ex-presidente da empresa Marcelo Odebrecht estava preso.

Outra é a de Leo Pinheiro, que presidiu a OAS e foi pivô da prisão do ex-presidente Lula no caso do tríplex de Guarujá. Mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil e divulgadas pela Folha apontam que os procuradores tratavam o que ele dizia com descrédito.

Embora parte das delações tivesse provas robustas, que levaram à deflagração de operações, outras não foram nem sequer aceitas pelo Ministério Público Federal, como a do ex-ministro Antonio Palocci. Ele teve que fechar o acordo com a Polícia Federal.

Uma semana antes do primeiro turno de 2018, o então juiz Sergio Moro incluiu a colaboração de Palocci nos autos do processo que apurava se a Odebrecht doou, como propina, um terreno para a construção do Instituto Lula. Esse processo não era sigiloso.

Já em 2021, a Segunda Turma do STF decidiu invalidar o uso da delação em ação penal que tramitava contra o ex-presidente —ação que, mais tarde, foi anulada.

As delações foram o grande impulso das investigações. Em novembro de 2014, a PF deflagrou operação contra executivos e chefes de Camargo Corrêa, OAS, Mendes Junior, Engevix, Galvão Engenharia, Queiroz Galvão, UTC e Iesa.

A tese das autoridades da operação, repetida em documentos judiciais até hoje, é a de que as construtoras se uniram em um cartel para fraudar concorrências na Petrobras no qual havia o pagamento de propina.

Parte era destinada aos executivos da estatal e parte destinada a partidos aos quais eram ligados –PT, PP e PMDB. Uma das formas de pagamento eram doações empresariais de campanha, que eram legais até 2015.

Documento apreendido com um executivo da Odebrecht em 2016 subsidiou a tese do cartel.

Havia nele o regulamento de um grupo chamado de “Tatu Tênis Clube” que falava no objetivo de “trabalhar unidos para que os próximos campeonatos, nos âmbitos nacional, estadual e municipal, sejam organizados e dirigidos pelo TTC e que todas as rendas sejam revertidas para o TTC”.

A partir de 2015, tornaram-se frequentes fases da investigação que tinham como alvo políticos suspeitos de se beneficiar do esquema. Um dos primeiros atingidos foi o senador e ex-presidente Fernando Collor (hoje no Pros), que ainda é réu no STF.

Acusados de ser intermediários dos partidos com o esquema, como o tesoureiro petista João Vaccari, também foram detidos. Foram para a cadeia também ex-deputados, como Pedro Corrêa (PP) e José Dirceu (PT).

À época poderoso na Câmara, Eduardo Cunha (MDB) se tornou réu após a descoberta de que possuía uma conta milionária na Suíça. Ele passou três anos preso. Em 2016, ano de auge da operação, foi detido o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB), o único nome de expressão nacional que está na cadeia até hoje.

Pelo menos dois políticos já foram condenados no Supremo, instância máxima do Judiciário, por se beneficiarem de dinheiro desviado da Petrobras. Nesses julgamentos, foi trazida novamente a tese do cartel de empreiteiras na estatal.

Um dos condenados, morreu na prisão, de Covid-19, em 2020: Nelson Meurer (PP-PR). Sua condenação em 2018 teve votos até mesmo de magistrados hoje críticos da operação, como Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.

Ex-presidente do MDB, Valdir Raupp foi condenado em 2020 por corrupção e lavagem de dinheiro por meio de doações oficiais a diretório do partido feitas pela Queiroz Galvão.

O ministro Celso de Mello, que se aposentou em 2020, afirmou no julgamento que os fatos investigados representavam uma “tentativa de captura do Estado e de suas instituições por uma organização criminosa”.

Houve ainda sentenças de primeira instância que já foram julgadas e mantidas nos tribunais superiores.

Sitiada por uma série de apurações deflagradas em 2015 e 2016, que inclusive prendeu seu dirigente máximo, Marcelo Odebrecht, a maior empreiteira brasileira decidiu negociar um acordo para colaborar com as autoridades.

No fim de 2016, o conglomerado empresarial fechou um compromisso, envolvendo 78 executivos, no qual reconheceu o pagamento de US$ 788 milhões em propina em 12 países da América Latina e da África, incluindo o Brasil. Participaram da negociação autoridades brasileiras, suíças e americanas.

No ano seguinte, o teor dos depoimentos veio a público, com relatos que implicavam mais de uma centena de políticos das mais variadas correntes. Seus desdobramentos estão nos tribunais até hoje.

Antes, documentos enviados por autoridades da Suíça mostraram que contas abastecidas pela Odebrecht faziam repasses para ex-diretores da Petrobras, como Paulo Roberto Costa.

Investigadores também obtiveram dados, como trocas de mensagens, que indicam entregas de dinheiro vivo da maneira como eram registradas em um sistema de contabilidade da construtora.

Em uma ação eleitoral em São Paulo contra o ex-candidato ao governo Paulo Skaf (MDB), por exemplo, foi apontado que as pessoas indicadas nas entregas de fato se hospedaram nos hotéis mencionados pelos entregadores.

Empreiteiros e políticos que decidiram colaborar com as investigações sobre a corrupção na Petrobras apontaram desvios semelhantes em obras de outros setores: elétrico, como a usina nuclear de Angra 3 e Belo Monte, estádios da Copa do Mundo de 2014, e transportes, como a ferrovia Norte-Sul.

Em São Paulo, houve desdobramentos sobre obras de governos tucanos, como o Rodoanel.

A investigação sobre Sérgio Cabral gerou todo um braço próprio de investigação, chamado de Lava Jato fluminense, de responsabilidade do juiz Marcelo Bretas.

Foi a partir dela que se chegou a movimentações atípicas de funcionários da Assembleia do Rio, o que motivou investigações contra o filho mais velho de Jair Bolsonaro, o hoje senador Flávio Bolsonaro.

Fora do Brasil, o caso Odebrecht repercutiu fortemente na política de outros países, levando a prisões no Peru e no México.

Um dos trunfos da Lava Jato, sempre repetidos pelos seus apoiadores e investigadores, é o volume de recursos devolvidos aos cofres públicos por delatores e empresas.

Paulo Roberto Costa, primeiro delator da operação, abriu mão de US$ 26 milhões no exterior que reconheceu ser de origem criminosa. Um dos casos mais simbólicos foi o do ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, delator que tinha US$ 97 milhões fora do Brasil.

O acordo com a Odebrecht (que mudou o nome para Novonor) previa em 2016 o pagamento de R$ 6,9 bilhões. Em 2021, a Samsung Heavy Industries se comprometeu em leniência a pagar R$ 812 milhões por multa e reparação de danos.

O Ministério Público Federal fala em um total de R$ 15 bilhões recuperados.

As verbas de acordos, porém, despertaram controvérsia em 2019, quando a força-tarefa paranaense tentou montar uma fundação privada para administrar recursos bilionários pagos em compromisso firmado pela Petrobras nos Estados Unidos. A ideia foi barrada no STF.

A velocidade das investigações e a falta de regulamentação de várias de suas ferramentas, como as delações premiadas, provocaram uma série de questionamentos ao trâmite de processos em Curitiba.

Um dos alvos das defesas foi o uso de depoimentos de colaboração como base de ordens de prisão e de condenações. Outra foi a discussão sobre a competência territorial da Vara Federal em Curitiba para julgar fatos que não aconteceram no Paraná.

Nos últimos anos, dezenas de casos foram retirados do estado —incluindo ações do ex-presidente Lula— por entendimento de que não estavam na jurisdição correta. Aliado a isso, houve em 2019 o escândalo da Vaza Jato, vazamento de diálogos dos procuradores que mostraram colaboração entre o Ministério Público e o então juiz Moro.

A credibilidade da operação já estava abalada com a decisão de Moro, em 2018, de deixar a magistratura para virar ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro.

Mudanças legislativas e de entendimento na Justiça tornaram menos interessantes para acusados a alternativa de negociar colaboração com as autoridades.

O ano de 2021 teve um marco simbólico na Lava Jato em fevereiro, com a extinção das forças-tarefas do Ministério Público, medida de iniciativa do procurador-geral Augusto Aras. As investigações de rescaldos da operação ainda continuam, mas com estrutura muito menor.

Os reveses da operação incluíram a anulação de antigas sentenças por causa do entendimento fixado pelo STF de que crimes relacionados a caixa dois deveriam tramitar na Justiça Eleitoral, e não na Justiça Federal.

O desgaste da outrora poderosa marca Lava Jato chegou a tal ponto que Polícia Federal e Procuradoria no Paraná decidiram não utilizar mais o nome da operação em uma fase deflagrada em outubro. Teria sido a 82ª etapa desde 2014.

Felipe Bächtold e José Marques/Folhapress

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