Alckmin, Dilma e alianças desgastam PT e campanha de Lula

Foto: Bruno Santos/Folhapress/Arquivo
Discussões internas no PT a respeito da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm gerado divisões e desgaste na sigla, que ainda precisa definir questões como alianças e federação partidária, palanques estaduais e o papel de figuras como a da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e do ex-governador Geraldo Alckmin (sem partido).

Num cenário em que Lula lidera as pesquisas de intenção de voto (marcou 48% ante 22% de Jair Bolsonaro, do PL, no último Datafolha, divulgado em dezembro), petistas minimizam as polêmicas e afirmam que dissidentes terão que se enquadrar conforme as decisões do ex-presidente.

Na quarta-feira (19), por exemplo, Lula voltou a indicar que pretende ter o ex-tucano como candidato a vice —algo que Alckmin também almeja.

“Temos visões de mundo diferentes? Temos. Mas isso não impede, se for necessário, construir a possibilidade de colocar as divergências em um lado e as convergências em outro. Não terei nenhum problema em fazer chapa com Alckmin para ganhar as eleições”, disse a jornalistas de sites de esquerda.

Aliados de Lula e de Alckmin veem a aliança pavimentada. Por outro lado, a ala mais à esquerda do PT organizou um abaixo-assinado contra o ex-tucano que reúne o endosso de dois ex-presidentes da sigla, José Genoino e Rui Falcão.

O documento lembra que Alckmin apoiou o impeachment de Dilma e o relaciona com o neoliberalismo e forças reacionárias.

Em entrevista, Falcão afirmou que Alckmin representa uma contradição a tudo o que o partido propõe e que Lula “não precisa de uma muleta eleitoral”.

Presidente do PT em São Paulo, o ex-ministro Luiz Marinho afirma ser crítico da escolha do ex-tucano e cobra “reflexão para buscar alternativas”. “Não é o [candidato] da minha preferência. Mas não posso ignorar a repercussão nacional e estadual dessa aliança”, diz.

“O ponto de interrogação é o que [a aliança] impacta na visão da sociedade. O que significa estar próximo ao Alckmin? É preciso ouvir e conversar bastante. Um vice como José Alencar seria mais frutífero, mas infelizmente não temos”, completa.

Presidente do sindicato de professores de São Paulo, a deputada estadual Professora Bebel diz que “gostaria de um nome mais progressista”.

“É uma chapa, claro que vai passar pelas instâncias partidárias, mas para mim é difícil engolir. A posição dele é muito de estado mínimo mesmo”, diz. A deputada relembra o fechamento de escolas pela gestão Alckmin, que gerou a ocupação de estudantes em 2015. No mesmo ano, o sindicato organizou uma greve que durou 92 dias.

“Quero debater com a minha categoria, sofremos muito no período do Alckmin. O partido tem que abrir o debate e ouvir”, afirma.

“O PT ainda não fez esse debate oficialmente. Há opiniões pessoais, é normal. Não há divisão ou prejuízo. Teremos unidade de ação”, afirma Marcio Macedo, ex-deputado e membro da executiva nacional do PT.

Aliados de Lula afirmam que a resistência a Alckmin no PT era previsível, mas é minoritária e tem o papel de marcar posição. O movimento em direção ao centro é defendido como essencial não só para vencer a eleição, mas para garantir governabilidade.

Parlamentares do PT afirmam ainda que, a partir do momento em que Lula fechar com Alckmin, aqueles que resistem serão voto vencido.

Lula também deu a senha ao PT ao tratar de impasses com o PSB em candidaturas estaduais. A formação de uma federação entre PT, PSB, PV e PC do B esbarra em cinco estados: Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco.

Os cenários eleitorais locais são outra fonte de desentendimentos e embates entre petistas. A questão partidária impacta ainda a aliança com Alckmin, que tem convites para se filiar ao PSB, ao Solidariedade e ao PV –as três legendas apoiam a chapa com Lula.

O PSB pleiteia o apoio do PT nesses cinco estados, e a direção petista sinalizou um acordo em três deles. Em São Paulo, o partido não abre mão da candidatura de Fernando Haddad (PT), enquanto os pessebistas também mantém a candidatura de Márcio França (PSB).

Em reunião na semana passada, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e o presidente do PSB, Carlos Siqueira, decidiram pedir ao TSE (Tribunal superior Eleitoral) mais prazo para a inscrição de federações, o que daria tempo para a resolução desses obstáculos.

Numa posição que vai contra petistas que preferem candidaturas próprias, Lula afirmou, em entrevista, que o PSB terá a prioridade de definir candidato em Pernambuco e no Espírito Santo. Em relação a São Paulo, porém, defendeu Haddad.

“Em algum momento se faz uma avaliação para ver quem tem mais chances. Se for o Márcio França, vamos discutir com ele. Mas eu acho, com toda modéstia, que o PT nunca esteve tão próximo de ganhar o governo do estado, como está agora”, afirmou Lula.

A definição de candidaturas no Rio de Janeiro, contudo, foi a que provocou mais celeuma e divisões dentro do PT nos últimos dias.

Enquanto Lula e Gleisi falaram publicamente em apoio a Marcelo Freixo (PSB), o diretório estadual do PT resiste —alguns de seus quadros passaram a cogitar o nome de André Ceciliano (PT), presidente da Assembleia Legislativa do Rio.

Uma liderança petista do estado ouvida pela reportagem diz que conversas sobre uma candidatura do partido ao governo são um “movimento atabalhoado, extemporâneo e sem futuro”, que atrapalha a consolidação da federação, já que o recado de Lula está dado em apoio ao pessebista. Procurado pela reportagem, Freixo não quis comentar.

À reportagem Ceciliano afirma que é pré-candidato ao Senado e que a prioridade do PT estadual é a eleição de Lula. No entanto, dá um recado a Freixo de que é preciso dialogar com o diretório estadual.

“A política fala, conversa. Tem um movimento que quer que eu seja candidato. Mas estou com pé no chão”, afirma. “Ter apoio da Gleisi, do [Fernando] Haddad é importante. Mas tem que haver conversa com a base, com a direção partidária do estado.”

Membros do diretório estadual também defendem aliança com Rodrigo Neves (PDT), ex-prefeito de Niterói. Essa costura, no entanto, esbarra na candidatura presidencial de Ciro Gomes (PDT-CE), que tem feito oposição a Lula.

Petistas envolvidos na campanha do ex-presidente minimizam as rusgas nos estados. Os conflitos de interesse, dizem, são naturais, mas devem se assentar com o tempo e principalmente diante da perspectiva maior de derrotar Bolsonaro.

“Unir as esquerdas, de preferência via federação, é uma necessidade nacional, mas é preciso preservar os interesses dos partidos e ter muita sensibilidade no tratamento dessa questão”, afirma o deputado José Guimarães (PT-PE), que coordena a formação de palanques para Lula nos estados.

A respeito do PSB, Guimarães diz que “as questões específicas dos estados não podem se sobrepor à questão nacional”. “Esse período de tensão eleitoral é normal, não tem nada fácil, todos têm que abrir mão. Mas na hora certa, vamos fechar a aliança”.

A participação de Dilma na campanha de Lula também foi tema de embates internos. O vice-presidente do PT, Washington Quaquá, declarou que a ex-presidente não tem relevância eleitoral. O governo Dilma e a crise econômica que antecedeu o impeachment se tornaram munição de adversários do PT.

A questão surgiu a partir da ausência da ex-presidente no jantar que reuniu Lula e Alckmin em São Paulo, em dezembro. O ex-ministro José Eduardo Cardozo assumiu a culpa e disse que houve um problema de comunicação, não político.

“Dilma é um quadro importante para o Brasil e foi injustiçada. Ela deve ser usada na campanha por simbolizar tudo que os adversários tentaram contra nós: o impeachment sem crime de responsabilidade, a prisão de Lula. Ela encarna a perseguição ao PT”, afirma o ministro.

Na sua opinião, a crise econômica do período Dilma deve ser “debatida com seriedade”. “Se deveu a fatores externos, pautas-bomba. Essa discussão pode ser feita de peito aberto por quem conhece os fatos”, diz.

“Dilma vai ter o papel que ela quiser. Ela pode ser uma mensageira internacional, por exemplo, pode contribuir muito”, afirma Luiz Marinho.

Petistas do entorno de Dilma garantem que a relação entre ela e Lula é boa —os dois estiveram juntos no último dia 13 em meio às discussões no partido sobre qual será o papel da ex-presidente.

Também afirmam que Dilma é madura para desempenhar o que o partido decidir, seja subir no palanque ou se recolher.

Outra questão que fez ruído entre petistas foram as declarações de Alberto Cantalice, diretor da Fundação Perseu Abramo, sobre as chamadas pautas identitárias no campo da esquerda.

Cantalice escreveu em seu perfil no Twitter que o “identitarismo é um erro” e que é uma “pauta criada por ativistas dos Estados Unidos e não tem similaridade com questões brasileiras”.

“É a velha síndrome de colonizado que permeia setores ‘progressistas’. Confundem a questão central —a desigualdade— e se divorciam da realidade do povo”, disse ainda. As falas geraram críticas por parte da militância.

“O PT não vai abandonar essas pautas. Defendê-las não significa impedir o debate de temas como a geração de empregos, por exemplo. Os temas estão conectados. A militância está alinhada, quem fez o tuíte que está desalinhado”, responde Luiz Marinho.

O deputado federal e secretário-geral do PT, Paulo Teixeira (SP), diz que tais pautas são fundamentais. “Nós não vamos nos afastar da luta contra o racismo, contra o machismo e contra a homofobia”.

Victoria Azevedo/Carolina Linhares/Folhapress

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