Real tem pior semana desde junho de 2020 e dólar vai a R$ 5,74

Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil

 O real termina a sexta-feira (26) com a maior desvalorização semanal ante o dólar desde a semana iniciada em 15 de junho de 2020.

O dólar fechou a R$ 5,74, maior valor desde 9 de março, quando estava a R$ 5,79.O turismo está a R$ 5,90.

Com a alta de 1,23% nesta sexta, a moeda terminou a semana com alta acumulada de 4,65% nesta semana, contra 5,39% há nove meses.

Segundo analistas, o aumento reflete principalmente a piora na pandemia de Covid-19 no Brasil e na Europa e a consequente deterioração das expectativas para a economia brasileira e para as contas públicas.

O ministro Paulo Guedes (Economia) afirmou na quinta (25) que governo e parlamentares devem trabalhar juntos em maneiras de aumentar a transferência de recursos aos mais pobres, quando questionado sobre o valor do auxílio emergencial. Ele defendeu, no entanto, que a elevação dos recursos seja acompanhada de contrapartidas nas contas públicas.

Nesta semana, governadores e congressistas pressionaram o governo por quantias mais elevadas na nova rodada do auxílio.

Com o aumento do risco fiscal, o real foi a segunda que mais se depreciou no período dentre todas as divisas globais, atrás apenas da lira turca, que perdeu 10,85% do seu valor ante o dólar.

A moeda da Turquia sofreu forte depreciação depois que o presidente do país, Recep Tayyip Erdogan, substituiu, no sábado (20), o presidente do banco central local por um crítico da alta de juros.

Foi a terceira vez desde 2019 que Erdogan —que pediu por taxas baixas diversas vezes— trocou o presidente do banco central turco.

O presidente demitido, Naci Agbal, nomeado há menos de cinco meses, havia conquistado elogios do mercado por aumentar agressivamente a taxa básica de juros local em mais de 875 pontos, para 19%, a mais alta entre as grandes economias.

A depreciação da lira desestabilizou demais moedas emergentes, como o real. Aos olhos dos grandes investidores estrangeiros, o real e a lira turca estão em uma mesma categoria.

A Argentina também impactou a moeda brasileira. Nesta semana, a vice-presidente argentina, Cristina Kirchner, disse que o país não tem dinheiro para pagar a dívida de US$ 44 bilhões que tem com o FMI (Fundo Monetário Internacional). A delcaração elevou o risco da América Latina aos olhos dos investidores.

No front doméstico, a aprovação do projeto de Orçamento de 2021 na quinta (25) tampouco agradou o mercado. Para destravar a votação, interlocutores do governo e o relator negociaram a ampliação da verba para obras e projetos a serem executados nas bases eleitorais de congressistas.

Assim, o Congresso ampliou de aproximadamente R$ 20 bilhões para quase R$ 49 bilhões a fatia do Orçamento aplicada com base em critérios de parlamentares. Trata-se de um volume de um recorde caso seja efetivamente aplicado.

Segundo círticos, o Orçamento de 2021seria ficção, pois estaria subestimando ou adiando despesas obrigatórias, como aposentadorias e abono salarial, para acomodar gastos com emendas parlamentares. Também veem na proposta risco de fuga das restrições do teto de gastos, o que acende um sinal de alerta no mercado.

“O Congresso aprovou um Orçamento irreal para 2021”, disse a XP em nota, avaliando ainda que uma manobra fiscal relacionada ao abono salarial de 2022, a emendas parlamentares e o programa BEm aumentou a percepção de risco nos mercados.

Há também aumento do ruído político, com o Congresso mostrando mais descontentamento com a gestão da pandemia pelo Executivo. Relatórios de instituições financeiras voltaram a lembrar nos últimos dias que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é o único que pode aceitar abertura de processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

“Estamos em um nível de incerteza quanto a Brasil muito grande e, com a terceira onda [de Covid-19] na Europa, a expectativa de crescimento global é cada vez mais incerta. Números ainda são confusos e investidor segue apreensivo com América do Sul”, diz Fabrizio Velloni, economista-chefe da Frente Corretora.

Segundo ele, investidores estrangeiros têm uma visão turva da economia brasileira, o que faz com que dólares deixem o país.

O Credit Suisse rebaixou nesta sexta a estimativa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil em 2021 de 3,7% para 3,2%. Para 2022, o prognóstico foi reduzido de 2,9% para 2,4%. Ao mesmo tempo, o banco privado passou a esperar mais inflação e Selic de 6,5% ao fim deste ano.

A extensão da fase emergencial em São Paulo também contribuiu para o viés negativo nesta sexta.

Além do aumento da percepção de risco em relação ao Brasil, o dólar ganhou força internacionalmente.

Em março, o dólar sobe 2,46%, elevando os ganhos em 2021 para 10,58%.

Pressionada pelo avanço do coronavírus —e novas restrições na Europa—, a Bolsa brasileira caiu 1,24% na semana.

Nesta sexta, o Ibovespa, porém, subiu 0,9%, a 114.780,62 pontos. Em março, há alta de 4,31%. No ano, a queda é de 3,56%.

No pregão desta sexta, as ações do GPA (Grupo Pão de Açúcar) tiveram a maior alta do índice, subindo 5,9%, na esteira da cisão do Assaí e da possibilidade de uma oferta de ações da Cnova, braço de comércio eletrônico do controlador francês Casino. Em março, a ação sobe 89%.

As preocupações com o quadro fiscal, combinadas com números elevados de inflação, fizeram a curva de juros futuros aumentar a inclinação nesta semana, o que afeta o custo de capital das empresas.

Juros futuros são taxas de juros esperadas pelo mercado nos próximos meses e anos. São a principal referência para o custo de empréstimos que são liberados atualmente, mas cuja quitação ocorrerá no futuro.

Em um sinal de aversão a risco do mercado e de alta da Selic no curto prazo, os juros futuros têm ficado mais altos. O juro para janeiro de 2028 foi de 8,235% na sexta passada (19) para 8,89% nesta sexta. A taxa para julho de 2023 foi de 6,74% para 7,145%.

Tal movimento ocorreu mesmo após o Banco Central elevar na semana passada a Selic para 2,75% ao ano, acima do esperado no mercado, e adotar um discurso mais favorável a aumento de juros a fim de controlar a inflação.

Declarações do presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, na quinta, que agentes no mercado entenderam como sinal de que o BC buscará o controle da inflação, mas sem necessariamente acelerar o ritmo de aperto nas próximas reuniões ou que subirá a Selic a ponto de deixar de estimular a economia, trouxeram algum alívio.

Ele também disse ser equivocada a visão de que intervenções no câmbio feitas pela autoridade monetária em dias em que o real está apreciando estariam ligadas ao cenário inflacionário e reforçou que o câmbio é flutuante.

De acordo com analistas, o BC se comunicou mal sobre o dólar, passando a sensação de que vai deixar o câmbio depreciar.

Nessa linha, circularam nesta sexta nas mesas de operação rumores de que a equipe econômica teria debatido a relação custo/benefício de intervenções mais agressivas no câmbio e que, no fim, teria convencido a diretoria do BC a se afastar de maior ativismo.

A impressão gerada no mercado pela recente postura do BC é oposta à percebida apenas duas semanas atrás, quando a autarquia chegou a fazer oferta de moeda à vista mesmo com o dólar em queda, surpreendendo o mercado.

“O Brasil, com dívida próxima a 93% do PIB, tem juros reais negativo de 2,5%. Já o México, com o fiscal bem melhor, não tem esses juros negativos. Isso demonstra o quanto estamos errados”, disse Alfredo Menezes, sócio-gestor na Armor Capital.

A semana também foi marcada pelo bloqueio do Canal de Suez, que contribuiu para a recuperação no preço do petróleo. A matéria-prima vinha em queda pela demanda decrescente conforme a pandemia se agrava na Europa.

Nesta sexta, o barril de Brent (referência iternacional) fechou em alta de 4,2%, a US$ 64,57, após ceder 3,8% na quinta. Já o petróleo dos Estados Unidos (WTI) avançou 4,1%, para US$ 60,97, depois de apurar queda de 4,3% na véspera.

O Brent acumulou ganho de 0,1% na semana, enquanto o WTI recuou 0,7% no período, engatando sua terceira queda semanal consecutiva.

Júlia Moura / Folha de São Paulo

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