Jantar de Doria que abriu crise no PSDB teve surpresa, acusações de traição e vinho

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB)
Cinco horas coalhadas de surpresas, discursos duros, acusações veladas de traição e regadas na última hora com vinho a pedido dos comensais.

Foi assim que a noite da última segunda-feira (8) se transformou em um marco de um dos partidos mais dados a intrigas internas da história brasileira, o PSDB.

Jantares são um esporte na política do país. Boa parte da Nova República foi montada no falecido restaurante Piantella, em Brasília, e Fernando Collor de Mello emergiu candidato a presidente num repasto de pato laqueado no restaurante homônimo de Pequim, em dezembro de 1987.

A segunda-feira passada poderá entrar nessa história, embora não se saiba ainda com qual narrativa.

Para o entorno do governador tucano de São Paulo, João Doria, foi o ponto que demarcou o começo oficial de sua caminhada para tentar suceder a Jair Bolsonaro em janeiro de 2023. Para seus adversários, dentro e fora do PSDB, o enterro de sua pretensão.

Tudo começa no meio do ano passado, quando Doria já se firmava como grande antípoda do presidente no manejo da pandemia de Covid-19. O tucano selou uma aproximação com o DEM, na figura do então poderoso presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), e do MDB, por meio do chefe do partido, Baleia Rossi (SP).

Dali surgiu a aliança em torno da candidatura vitoriosa de Bruno Covas (PSDB) na capital paulista, com o MDB na chapa com o vice Ricardo Nunes. O próximo passo seria a eleição da Câmara.

Maia queria pegar carona no pedido de seu correligionário Davi Alcolumbre, presidente do Senado, e tentar a reeleição. Baleia era seu plano B, e virou A no momento em que o Supremo Tribunal Federal vetou a inconstitucionalidade.

Só que era tarde, e Arthur Lira (PP-AL), o rei do Centrão e nome de Bolsonaro, já havia amealhado apoio suficiente na disputa. Doria fechou com Baleia e, com Maia, amargou uma derrota no qual tanto DEM quanto PSDB colaboraram com muitos votos para Lira.

Doria ficou enfurecido e identificou o Aécio Neves como o pai do racha. A amigos, o mineiro nega, dizendo que os deputados votaram por sua sobrevivência eleitoral —o PSDB foi exaurido de verbas de emendas parlamentares pelo Planalto.

A eleição na Câmara foi na segunda retrasada (1º). No fim da semana, o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, passou a disparar convites para um jantar na segunda-feira seguinte para a discussão de cenário político.

O nome mais vistoso da lista era o de Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente e ainda um farol dentro do PSDB. Foram chamados também outros membros da ala histórica do partido, como o senador José Serra (SP) e o ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira (SP).

Na definição corrente do Bandeirantes, havia um intruso, o líder do PSDB na Câmara, Rodrigo de Castro (MG) —aliado de Aécio. O restante da mesa era de aliados, e vários subordinados, de Doria, que estavam informados da agenda real do evento.

O jantar começou indigesto já no meio da tarde. Às 15h20, o jornal Folha de S.Paulo publicou que no cardápio haveria a sugestão de Doria de expulsar Aécio do PSDB, reforçar a oposição a Bolsonaro e integrar o grupo do DEM de Maia, que já fora convidado na véspera a integrar o tucanato.

Castro e Bruno Araújo, o presidente do PSDB, estavam em voo de Belo Horizonte e Brasília, respectivamente. Ao chegar a São Paulo, viram a notícia e conversaram, levantando dúvidas sobre a conveniência de participar do jantar.

O mal-estar se expandiu. FHC desistiu de ir ao jantar, e Aloysio cogitou fazer o mesmo. Serra já havia dito não, mas por motivos de saúde.

Ao fim, Castro e Araújo foram ao Bandeirantes. Chegando lá, pouco antes das 20h, encontraram o grupo de Doria: Marco Vinholi (Desenvolvimento Regional, e também presidente do PSDB-SP), Wilson Pedroso (secretário particular), Antonio Imbassahy (“embaixador” paulista em Brasília) e Cauê Macris (presidente da Assembleia Legislativa paulista).

A eles se juntaram o deputado federal Samuel Moreira (SP), muito próximo do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), o prefeito paulistano, Bruno Covas, e Aloysio.

O clima começou descontraído, com crítica entre os convidados à ausência de bebidas alcoólicas —Doria não as bebe. De tanta reclamação, o governador pediu para que fossem compradas algumas garrafas de vinho.

Ao longo da primeira hora do jantar, a tal conversa sobre cenários se desenrolou sem grandes atritos.

Os convidados dividiam a grande mesa redonda que fica numa área semidescoberta no teto do Bandeirantes, na ala residencial que não é ocupada por Doria, com uma vista espetacular da zona oeste da capital.

O governador sentou ao lado de Covas, e na sequência estavam Castro, Macris, Imbassahy, Vinholi, Moreira, Pedroso, Aloysio e Araújo, completando o círculo.

Acabado o jantar, que tinha opções de carne e peixe, Doria fez um discurso exaltado. Afirmou que o PSDB não poderia terminar como o DEM, implodido pela eleição na Câmara, e que deveria firmar-se como oposição a Bolsonaro.

Mais: figuras ambíguas, como Aécio, deveriam ou se enquadrar ou serem afastadas. O termo expulsão não foi usado, um reflexo do efeito negativo que a revelação da ideia pela Folha horas antes, mas a ideia geral era a mesma

A palavra coube então a Covas, que colocou as cartas de Doria na mesa ao falar, após uma crítica ligeira a Aécio, sobre a necessidade de o governador assumir o partido.

Macris, o seguinte a discursar, detalhou a ideia. Aqui há um ruído: segundo aliados, o presidente da Assembleia defendeu que Doria assumisse o partido a partir do começo de 2022, para a travessia da campanha presidencial.

Outros comensais não entenderam dessa forma, e a versão que foi circulada no partido era a de que a ideia era substituir Araújo ao fim de seu mandato de dois anos, em maio.

Vinholi e Moreira falaram a seguir, fazendo a mesma defesa do governador. Segundo a versão corrente no governo estadual, o chefe do PSDB-SP também defendeu a recondução de Araújo e dos outros presidentes de diretórios até 2022. Novamente, ela é contestada fora deste círculo.

Chegou então a vez de Castro falar. Ele disse que Doria seria derrotado no seu intuito de remover Aécio, como ocorrera em 2019, e que achava prioritário a recomposição de pontes entre as seções estaduais e as bancadas federais do partido. Ninguém fora de São Paulo apoiaria Doria agora, afirmou.

Ele foi secundado por Aloysio, que considerava muito arriscada a proposta do grupo do paulista. Na sequência, Imbassahy fez uma análise conjuntural e defendeu a necessidade de ter Doria como candidato sólido já. Pedroso foi na mesma linha.

Por fim, Bruno Araújo, visivelmente contrariado, mas em tom calmo. Ele disse que havia sido “muito ruim” saber da ideia de remoção de Aécio pela Folha, e que não tinha apego ao cargo. Afirmou que, se Doria o quisesse, bastaria ter conversado antes com ele.

Em resumo, uma acusação de traição, que foi repetida do outro lado depois do evento, já que todos os aliados de Doria esperavam uma atitude mais complacente do ex-deputado e ex-ministro.

Um silêncio tomou conta da reunião, que foi encerrada pouco antes da 1h de terça após Doria fazer uma espécie de resumo do acontecido. A questão da presidência tucana não foi citada, mas o estrago se propagou de forma sísmica pelo partido a partir daquela madrugada.

A resultante é conhecida: Araújo foi reconduzido nesta sexta (12) à presidência tucana, Aécio Neves ressurgiu do ostracismo em troca dura de acusações com Doria, e o governador Eduardo Leite (RS) foi lançado para disputar a vaga de presidenciável por parte da sigla.

Para o entorno de Doria, o governador errou na forma, mas acertou no conteúdo: a debacle, sob essa ótica, serviu para delimitar quem está de que lado e irá orientar os próximos passos. A ordem agora no Bandeirantes é silenciar e deixar a fervura baixar.

Alguns apontam para Maia na tentativa de encontrar culpados, já que na véspera do jantar ele esteve com Doria e disse que só migraria para o PSDB se o governador tivesse controle sobre o partido.

Na órbita tucana longe de Doria, mesmo em São Paulo, a avaliação é que houve uma tentativa de golpe interno que foi abortada, e que ela vai dificultar enormemente a vida do governador.

Pode ser, alegam os aliados do tucano, mas o PSDB ficará sem o dono do maior ativo hoje contra Bolsonaro, a vacina do Butantan e a condução da crise sanitária. Que pode, lembram, muito bem deixar a sigla e encontrar algum hospedeiro para sua candidatura.

Seja como for, o tucanato só esteve próximo do poder federal em 2014, quando marchou unido com Aécio. Em dois anos será possível aferir o tamanho real da ressaca, ou da euforia, causada pelo vinho da segunda-feira.

Igor Gielow/Folhapress

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