Governador do Maranhão cedeu entrevista ao diretor de redação de CartaCapital, Mino Carta

O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), em entrevista a CartaCapital. Foto: Reprodução/YouTube
Governador do Maranhão cedeu entrevista ao diretor de redação de CartaCapital, Mino Carta
 
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), considera que não há terreno fértil no Congresso Nacional para a conclusão de um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Foi o que afirmou em entrevista ao diretor de redação de CartaCapital, Mino Carta, durante transmissão ao vivo nas redes sociais nesta terça-feira 16.

Para ele, embora haja motivos jurídicos para o impedimento, não há coalizão política que assegure nem metade para os votos a favor do impeachment. Conforme mostrou CartaCapital, a situação de Bolsonaro melhorou entre os parlamentares, principalmente, após sucessivos esforços para se aproximar do bloco chamado “centrão”, como o DEM, PP, PL e PTB. Para Dino, é preciso “construir uma hegemonia” para esse processo.

“Juridicamente, não há dúvida que há espaço [para o impeachment]. Uma análise da Constituição e do Código Penal conduz ao cometimento de uma série de atos ilícitos”, afirmou. “Mas tem outros temperos, ditados pelo fato de o processo de impeachment não ser puramente jurídico, mas antologicamente também político. Erra quem pensa que é um mero ato de voluntarismo. Você tem que analisar a situação concreta, no palco onde isso se desenrola, ou seja, no Congresso. Nós não temos 2/3 para votar o impeachment. Hoje, não existe. Não temos nem metade, imagina 2/3.”

Ao mesmo tempo, Dino estimula otimismo com a tarefa da reconstrução de um pacto nacional e democrático.

Em sua análise, devido ao histórico de extrema desigualdade no Brasil, foi apenas no período pós-ditadura militar que a população se aproximou mais de algo que se pode entender como “estado de bem estar social”. Hoje, pela primeira vez em sua história, o país está diante de uma corrente de extrema-direita no poder, com base popular, segundo ele observa. Enquanto figuras do passado eram tradicionalmente regionais, nos tempos atuais o bolsonarismo tenta ser uma corrente de opinião nacionalizada.

Ainda assim, diz Dino, a corrente representada pelo presidente da República não consegue quebrar a resistência institucional como gostaria.

“Há uma resistência institucional sólida”, comenta o governador. “Eu não sou adepto da frase um tanto quanto ingênua e, ao meu ver, imprecisa, segundo a qual ‘as intituições estão funcionando’. Não compartilho disso plenamente. Mas por outro lado, você identifica contradição. Você tem por exemplo uma sólida maioria de governadores resistindo ao poder despótico que o presidente visa encarnar. Você tem um equilíbrio de forças no Congresso. Você tem um papel do Judiciário, cheio de problemas, mas que tem procurado combater as milícias. Então, você tem sinais. E, ao mesmo tempo, há o grande desafio da esquerda.”   
 
Pandemia pode gerar cenário pós 1ª Guerra ou pós 2ª Guerra
Dino avalia que o 2º semestre deste ano pode gerar uma conjuntura ainda mais difícil, porque as dificuldades econômicas brasileiras podem se agudizar. Com previsão de queda de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) e 20% de desemprego, o governador aponta tendência de crescimento de certo nível de “desespero”, mais do que desesperança, a “perda total da capacidade de esperar e sonhar”.

Passada a crise sanitária, o Brasil pode se deparar em uma esquina entre os períodos que sucederam a 1ª e a 2ª Guerra Mundial.

“Estamos em um ambiente em que nós podemos ter, no chamado pós-pandemia, ou um cenário ‘pós 1ª Guerra’, ou um cenário ‘pós 2ª Guerra’. No caso do cenário ‘pós 1ª Guerra’, nós tivemos o fascismo, Mussolini e Hitler. A humanidade está nessa esquina, não só o Brasil. Uma esquina histórica em que você tem várias veredas a percorrer, antitéticas inclusive”, observa.

Na sequência, o governador disse acreditar na possibilidade de resgate dos princípios fundamentais do sistema democrático.

“Nós temos um outro cenário possível, de reconstrução institucional, de revigorar os organismos multilaterais no plano internacional. No caso brasileiro, recuperar a hegemonia cultural, política, no plano das ideias, que é a base de tudo e nós perdemos largamente. E por isso fomos derrotados em 2018. Veja que perder para o Bolsonaro não é muito simples. É preciso se esforçar muito para perder para o Bolsonaro. Ele é uma caricatura de tudo”, avalia.
 
Bolsonaro já é o presidente mais isolado da história brasileira
Dino analisa que o Brasil vive um processo contraditório que tem como pano de fundo uma disputa internacional. Para ele, o cenário externo é “típico do fim dos impérios”, com um duro atrito geopolítico entre blocos, e o Brasil tinha uma atuação importante nesses conflitos, num sentido multipolarizado.

O que aconteceu? Houve uma ingerência na soberania brasileira para forçar um novo alinhamento geopolítico no Brasil, examina o governador.

“O Brasil deixou de ser um ator autônomo na cena internacional e que procurava atuar no fortalecimento de vários pólos de poder. Como, por exemplo, os Brics, o G-20, a Unasul, o Mercosul. Vários eixos de poder, que é a tradição da política externa brasileira, desde Rio Branco. O que aconteceu: houve na marra uma intervenção para que o posicionamento geopolítico do país passasse a ser sombreado pelos interesses dos Estados Unidos”, avalia.

Ao mesmo tempo, a estratégia do presidente da República não é segura, porque está comprometido de forma unilateral com o presidente americano Donald Trump e se torna cada vez menos capaz de fazer agendas em outros países.

“Bolsonaro já é o presidente brasileiro mais isolado da nossa história. Ele não consegue fazer uma agenda, nem na Argentina, porque ele se meteu na eleição argentina”, comenta. “E se o Trump perde a eleição? E se o Biden leva? Isso altera a geopolítica que sustentou a chegada de Bolsonaro ao poder.”
Brasil caminha para quarentena intermitente

Devido às dificuldades socioeconômicas, às diferentes realidades de um território continental e às conturbações políticas, Dino não acredita que seja possível estabelecer lockdown geral no país.

Segundo o governador, no próprio estado Maranhão há realidades discrepantes. Com território maior do que a Itália, o Maranhão tem cidades sem nenhum óbito por coronavírus e outras com mais de 1 mil.

De acordo com o painel do governo maranhense, não houve nenhum óbito, por exemplo, nos municípios de Afonso Cunha (36 contaminados), Aldeias Altas (62 contaminados), Alto Parnaíba (47 contaminados). Em Lagoa do Mato e Loreto, não há nem óbito, nem contaminação.

Ao mesmo tempo, São Luís tem 642 mortes e mais de 12 mil casos; Imperatriz registrou 156 mortes e 3.057 casos. Ao todo, o estado contabiliza 1.537 mortes e mais de 62 mil contaminações, segundo atualização desta terça-feira 16 pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

O Brasil já ocupa a vice-liderança nos rankings mundiais de mortes (45 mil) e de casos (923 mil), atrás apenas dos Estados Unidos, segundo a Universidade Johns Hopkins. Apesar do crescimento dos índices, alguns estados flexibilizaram a quarentena.

“Estamos nos encaminhando para um modelo de quarentena intermitente. O Brasil é muito grande e, entre os estados, temos indicadores diferentes. O Maranhão é maior que a Itália. Tenho municípios com zero casos, outros com 2 mil. É difícil aplicar uma polícia para um território tão díspare. A tendência é nós termos um movimento pendular, e isso vai se encaminhando ao longo dos meses”, afirma Dino. “Não é factível pensar no lockdown por seis meses numa sociedade desigual como a nossa. O ‘fique em casa é um slogan válido da classe média para cima. Para grande parte do povo não é viável por uma questão simples: as pessoas não têm casa. Em que casa elas ficam?”
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