O estranho amor de Rui por Salvador, por Raul Monteiro*

Foto: Reprodução/Arquivo
Depois de muita pressão, o governador Rui Costa (PT) finalmente assumiu uma posição com relação à sucessão municipal e decidiu escolher uma candidata, conforme suas próprias palavras, mulher, negra e pobre, para disputar a Prefeitura de Salvador. Sem qualquer demérito à figura de Denice Santiago, major da PM, que parece ser realmente uma grande mulher, a escolha, porque tardia, está longe de livrar o governador da acusação, dirigida a ele principalmente pelos aliados, de estar incorrendo num arranjo de última hora, sobre cujo sucesso eleitoral paira enorme desconfiança.

Comparada à aposta anterior, nunca plenamente assumida, no nome do presidente do Esporte Clube Bahia, Guilherme Bellintani, homem, branco e endinheirado, uma inacreditável tentativa de importação política das hostes acmnetistas igualmente eivada de desconfiança quanto à própria prosperidade que acabou num redondo chabu, de fato a escolha pela policial indica um cavalo de pau nos planos do governador. Invocados os estereótipos, Denice teria, em tese, infinitamente mais identidade com o PT de Salvador do que a figura do novo rico, dono da bola, que amigos e inimigos chegam a chamar de Harry Potter.

O governador precisa, entretanto, dar respostas a pelo menos algumas questões. Afinal, por que Major Denice e não a petista Vilma Reis? Ou a comunista Olívia Santana? Ou não são ambas igualmente grandes mulheres de luta, negras e pobres, pelo menos de origem? Das três, aliás, a deputada do PCdoB é a única a exibir no currículo experiência na gestão pública, tendo sido auxiliar, inclusive, do próprio Rui. Mas Vilma, forjada por si mesma dentro do PT, órfã de padrinho, sem ter chegado ainda a uma posição eletiva nem administrativa de destaque, exala dignidade e tem ao menos formação e vivência políticas, com as quais Denice nem sonha.

É evidente que, com a escolha, Rui sai de um projeto baseado no envergonhado lançamento de um semi-outsider, já que testado, ainda que no campo adversário, para um outro de uma outsider, na acepção máxima da palavra, muito distante do fake outsider Jair Bolsonaro. O auto-realinhamento, se é assim que a mudança pode ser chamada, não o redime de responsabilidades, inatas a verdadeiros líderes, que, legitimamente, consideram importante influir nos destinos dos espaços onde vivem, sejam se lançando eles próprios pela conquista política direta, escolhendo aqueles que consideram mais qualificados para a tarefa ou mesmo os ajudando a preparar-se para isso.

No que, esticando a corda, poderia ser interpretado de forma suave como uma escolha autocrática, Rui tira do bolso do colete alguém com experiência gerencial zero para apresentar como alternativa à sucessão num município cujo controle administrativo virou sinônimo de ACM Neto e seu grupo. Se, com o tempo e as condições privilegiadas das quais dispôs como governador, não ajudou no preparo prévio de Vilma, de Olívia ou de qualquer outro para tamanho desafio, retribuindo à política o que seu antecessor generosamente fez por ele, ofereceu ainda muito menos a Denice, uma escolha exclusivamente pessoal, mas de supetão. Assim, sujeita-se a ser questionado sobre seu real compromisso com a atividade política, com sua candidata e, principalmente, com a cidade.
* Artigo do editor Raul Monteiro publicado na edição de hoje da Tribuna.

Raul Monteiro*

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