STF enfrentará ação sobre Flávio Bolsonaro depois de decisão que soltou Lula

Foto: Dida Sampaio/Arquivo/Estadão
Passado o julgamento mais esperado do ano, que derrubou a possibilidade de prender condenados em segunda instância e resultou na soltura do ex-presidente Lula (PT) na sexta-feira (8), o Supremo Tribunal Federal se prepara para debater uma nova polêmica com ampla repercussão política.

A corte se debruçará sobre a decisão de seu presidente, Dias Toffoli, que paralisou todas as investigações do país que usaram dados de órgão de controle, como o antigo Coaf, sem prévia autorização judicial.

O processo sobre o tema está previsto para ser julgado no plenário do Supremo no próximo dia 21. Toffoli é o relator. Há a possibilidade de que ele resolva antecipar a análise do tema para o dia 20.

No caso da prisão em segunda instância, o julgamento do STF interessava a Lula, que acabou solto depois de passar 580 dias preso em Curitiba.

No caso do Coaf, o resultado interessa ao senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. O senador é o autor do pedido que motivou a decisão de Toffoli de suspender as apurações criminais pelo país.

Até agora, Bolsonaro não se manifestou sobre a decisão do STF que mudou a jurisprudência e barrou a prisão de condenados em segundo grau. Neste sábado, em rede social, chamou Lula de ‘canalha’.
Em caráter reservado, o presidente tem dito a auxiliares e aliados que a decisão do Supremo deve ser respeitada.

Sobre o Coaf, desde a decisão de Toffoli, dada em julho em caráter liminar (provisório), uma investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre Flávio está paralisada.

O senador é suspeito de ter se apropriado de parte dos salários de servidores de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa fluminense, prática conhecida como “rachadinha”.

As suspeitas tiveram origem em uma movimentação de R$ 1,2 milhão nas contas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Assembleia.

A movimentação foi considerada atípica pelo antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), renomeado como UIF (Unidade de Inteligência Financeira) no governo Bolsonaro.

Ao pedir para o STF suspender a investigação que corria contra Flávio no Rio, sua defesa pegou carona em um recurso extraordinário que já tramitava no tribunal e que discutia o compartilhamento de dados da Receita Federal —não do Coaf— com o Ministério Público, para fins penais, sem autorização judicial prévia.

A defesa de Flávio argumentou que os promotores fluminenses haviam realizado uma verdadeira quebra do sigilo do senador sem ter passado por controle judicial.

Ao atender o pedido do filho do presidente, Toffoli estendeu a discussão sobre compartilhamento de dados a todos os órgãos de controle (Receita, Coaf e Banco Central) e ampliou o alcance de sua decisão a todas as investigações do país que tivessem características semelhantes.

“Só não quer o controle do Judiciário quem quer Estado fascista e policialesco, que escolhe suas vítimas. Ao invés de Justiça, querem vingança”, disse Toffoli à Folha na época, justificando a medida.

Em seguida, o ministro da Justiça, Sergio Moro, chegou a ir ao Supremo para relatar ao presidente da corte sua insatisfação com a determinação, dizendo que ela poderia colocar em risco o combate à lavagem de dinheiro no país.

Até o fim de outubro, como informou reportagem da Folha, ao menos 700 investigações haviam sido travadas pela decisão de Toffoli, conforme um levantamento da Procuradoria-Geral da República.
A maioria era sobre crimes contra a ordem tributária (307), como sonegação, e lavagem de dinheiro (151), inclusive envolvendo esquemas de corrupção.

A visita de Moro a Toffoli irritou o presidente Bolsonaro e ampliou a desconfiança do Palácio do Planalto em relação ao ministro da Justiça —na ocasião já desgastado pelas mensagens reveladas pelo site The Intercept Brasil e por outros órgãos de imprensa, como a Folha. Em meio à polêmica, a UIF foi transferida do Ministério da Economia para o Banco Central.

Toffoli tem dito que busca construir uma solução com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, para estabelecer um procedimento de repasse de dados sigilosos compatível com a Constituição.

A ideia é evitar abusos e, ao mesmo tempo, fazer um aceno aos técnicos dos órgãos de controle que teriam ficado melindrados com a decisão de julho. Com esse movimento, o ministro espera construir um ambiente favorável a seu entendimento no STF.

O recurso extraordinário já esteve na pauta do plenário em março, mas o julgamento foi adiado. Naquele momento, havia acabado de vir a público que a Receita realizara uma apuração interna sobre o ministro Gilmar Mendes e sua mulher, Guiomar.

Foi aberta uma investigação para apurar quem vazou informações sobre o ministro, que, segundo o documento divulgado, tinha o objetivo de identificar supostos “focos de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência”.

A Receita informou oficialmente que Gilmar foi alvo de apuração preliminar, mas que não havia procedimento formal de fiscalização sobre o magistrado e que não compactuava com “ilações de práticas de crimes”, que extrapolam a função legal do órgão.

O julgamento do caso Flávio será em um momento em que a sombra de Queiroz volta a incomodar o clã Bolsonaro.

No mês passado, vieram à tona áudios do policial militar aposentado. Em um deles, Queiroz demonstra preocupação com a apuração do Ministério Público do Rio e a compara a um problema “do tamanho de um cometa”.

“É o que eu falo, o cara lá está hiperprotegido. Eu não vejo ninguém mover nada para tentar me ajudar aí. Ver e tal… É só porrada. O MP [Ministério Público] tá com uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente. Não vi ninguém agir”, disse o PM, numa gravação de julho.

Folha de S.Paulo

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