Brasil registra 1 caso de agressão a mulher a cada 4 minutos, mostra levantamento

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A vendedora de roupas Talita Oliveira, 29, se submeteu a sete cirurgias reconstrutoras nos dois últimos anos: duas na orelha esquerda e cinco no nariz. “E terei que fazer mais dez só no nariz”, diz. Em novembro de 2017, foi atacada pelo ex-companheiro, que não aceitava o fim do relacionamento. Era manhã de domingo quando o agressor invadiu a casa da mãe de Talita, em Barueri (SP), onde ela estava. Tentou esganá-la, quebrar o seu pescoço e arrancou com os dentes uma orelha e o nariz da vendedora. Os dois filhos mais velhos da mulher, de 13 e 11 anos, viram tudo. “Vivi uma cena de filme de terror. Fiquei desfigurada. Dormi uma e acordei outra. Parecia um monstro”, diz ela. O Ministério da Saúde registra que, no Brasil, a cada quatro minutos, uma mulher é agredida por ao menos um homem e sobrevive. No ano passado, foram registrados mais de 145 mil casos de violência —física, sexual, psicológica e de outros tipos— em que as vítimas sobreviveram.

A conclusão vem de dados inéditos do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), obtidos pela Folha via Lei de Acesso à Informação. A reportagem analisou 1,4 milhão de notificações recebidas de 2014 a 2018. Toda vez que uma mulher procura um serviço de saúde, e o agente identifica que ela foi vítima de violência, é obrigado a notificar o caso às secretarias de saúde (o mesmo ocorre para violências sexuais, independentemente do gênero, e violências contra crianças e idosos, entre outros casos). Essas informações compõem o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA/SVS/MS).

O número não inclui as mulheres assassinadas, já que elas não são objeto do mesmo tipo de notificação. Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em 2017 houve 4.396 assassinatos de mulheres no país. Há também alto índice de subnotificação, mesmo com a obrigação legal do registro —o que significa que o número de agressões pode ser ainda mais alto. Nos últimos anos, houve aumento expressivo nos registros de violência física, psicológica e sexual, de acordo com a base de dados da pasta. A tendência de crescimento se manteve ano após ano. ​ Os registros de violência sexual, por exemplo, tiveram aumento de 53% no período. Nesse tipo de agressão, 7 em cada 10 vítimas são crianças e adolescentes (têm até 19 anos).

Estupros coletivos (cometidos por mais de um autor homem) contra mulheres foram 3.837 no ano passado. Quando se considera também os registros de outros perfis de vítimas, incluindo as do sexo masculino, o total chega a 4.716, uma média de 13 casos por dia. Não é claro se houve aumento no número de casos de violência contra a mulher ou se os casos passaram a ser mais notificados por causa de uma sensibilização maior da sociedade quanto à violência de gênero, diz a socióloga Wânia Pasinato. “Nos últimos anos, a gente começou a falar mais especificamente sobre o estupro coletivo, desde o caso de Castelo do Piauí [episódio de 2015 de grande repercussão, em que quatro jovens foram estupradas por cinco homens]”, observa. “Os dados estavam lá, mas eram invisíveis, mesmo quem pesquisa na área não dava atenção a isso. À medida que a gente dá mais publicidade, ele começa a ser mais denunciado e o registro entra mais na percepção dos profissionais.”

Folha de S.Paulo