Ofensiva do Banco Master ao BC não seria inédita e é esperada pelo mercado

Uma ofensiva mais aberta pelo banqueiro Daniel Vorcaro, dono do Master, contra o Banco Central é aguardada por alguns gestores da Faria Lima, que conversaram com a coluna sob condição de anonimato. Eles lembram que ataques a dirigentes da autarquia durante processos de liquidação de instituições financeiras já aconteceram no passado e que a medida não seria inédita.

O próprio Banco Central já se prepara para um contra-ataque de Vorcaro, conforme a Folha noticiou. A expectativa é que o banqueiro apele para uma indenização bilionária, alegando que, quando o BC decretou a liquidação da instituição financeira, já havia uma alternativa para salvar o banco.

Na semana passada, o ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou a convocação de uma acareação para esta terça (30) entre Vorcaro, Ailton de Aquino, diretor de Fiscalização do BC, e Paulo Henrique Costa, ex-presidente do BRB (Banco de Brasília).

O BC pediu que Toffoli esclareça se Aquino foi chamado para a audiência do STF na condição de testemunha, acusado ou pessoa ofendida. O ministro esclareceu que o diretor da autarquia não é investigado.

Desde a primeira comunicação à imprensa, no dia 22 de novembro, dois dias após a liquidação do Banco Master e a prisão de Vorcaro, a defesa do banqueiro questionou a atuação do BC no processo.

Inicialmente, disse que a autarquia foi "forçada" a tal decisão após medidas cautelares contra os administradores do banco, já que o próprio BC nunca havia aberto processo punitivo contra Vorcaro

Três dias depois, em 25 de novembro, os advogados de Vorcaro disseram à Justiça que o BC já sabia da suposta venda da instituição financeira para o Grupo Fictor e a viagem de Vorcaro a Dubai para acertar o negócio. Conforme a Folha noticiou, investigadores desconfiam que a ida a Dubai tenha sido um pretexto para uma fuga, e que o real destino do banqueiro era Malta. A defesa de Vorcaro nega.

Os advogados do banqueiro disseram que, em reunião no dia 17 de novembro com o chefe do Desup (Departamento de Supervisão Bancária do BC), Belline Santana, com o chefe-adjunto do órgão, Paulo Sérgio Neves de Souza, e com o diretor de Fiscalização do BC, Aquino, o dono do Master comunicou as tratativas para venda do banco ao Fictor.

Se esse movimento inicial da defesa do Banco Master resultar futuramente em ataques mais diretos a dirigentes do Banco Central, não será algo inédito na história das falências de instituições financeiras.

Dois casos emblemáticos ajudam a ilustrar essa estratégia por parte de donos de bancos falidos: o do Bamerindus e do Banco Santos.

Boatos e privilégios

Em entrevista à Folha em 1997, o ex-controlador do Bamerindus, José Eduardo de Andrade Vieira, que também foi senador e ministro de Fernando Henrique Cardoso, ameaçou processar o Banco Central, que era comandado por Gustavo Franco na época da liquidação extrajudicial, processo que se encerrou apenas em 2014.

Ele queria uma indenização de R$ 200 milhões por perdas e danos no processo que resultou na intervenção e transferência da instituição para o HSBC, que ocorreu um ano antes e foi decretado pelo presidente anterior do BC, Gustavo Loyola.

Na entrevista, o ex-banqueiro criticou a autarquia e sua diretoria, inclusive o próprio Franco, sugerindo que o Banco Garantia e o pai do presidente do BC, Guilherme Arinos Barroso Franco, que era sócio do Garantia, teriam tratamento privilegiado por parte da autarquia.

Posteriormente, Vieira disse durante depoimento da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do sistema financeiro, em 1999, que boatos que surgiram de dentro do Banco Central resultaram na ruína no Bamerindus.

"Questionamos jornalistas que noticiavam sobre as dificuldades e eles não davam os nomes, mas afirmavam que eram pessoas importantes do Banco Central que passavam tudo. Mentira repetida acaba virando verdade. O Bamerindus, o segundo banco do país, foi se enfraquecendo por causa dos boatos. As perdas somaram R$ 7 bilhões até dezembro de 1995", disse no depoimento o ex-dono do Bamerindus.

Vieira disse na época que, antes da intervenção, ele tentou negociar com o Banco Central a carteira com créditos do Fundo de Compensação de Variações Salariais, mas que a autarquia só aceitava "com deságio alto, apesar de ter aceitado a mesma carteira de outros bancos com baixos deságios".

Na época da intervenção, o então ministro da Fazenda, Pedro Malan, disse que o valor econômico real do Bamerindus era algo entre "zero e menos alguma coisa". A fala foi uma resposta a Vieira, que havia dito que a instituição valia R$ 1,5 bilhão e que ela tinha sido vendida a preço de banana.

Segundo Malan disse na época, o Bamerindus teve perda líquida, apenas entre junho de 1995 e dezembro de 1996, de R$ 4,8 bilhões.

'BC é o culpado'

Dez anos depois da entrevista de Vieira à Folha, foi a vez do fundador do Banco Santos, Edemar Cid Ferreira, atacar o Banco Central pela intervenção e posterior falência da instituição financeira. Ele disse na época que a autarquia foi a culpada pela queda do banco, que o BC errou e disse esperar que um dia fosse reparado.

O Santos sofreu intervenção em 2004 após um rombo de R$ 2,1 bilhões (valores da época) no caixa da instituição. Em 2005, foi decretada a falência do banco.

Cid Ferreira tentava reverter a decisão da Justiça argumentando que o negócio faliu em razão de pessoas que não honraram o pagamento de empréstimos feitos no banco.

A intervenção do BC na instituição veio depois de a autarquia constatar que o Santos não cumpria normas básicas, como o recolhimento compulsório —parcela dos depósitos dos clientes que as instituições financeiras são obrigadas a recolher no BC. À época, o Santos era o 21º maior banco do país.

Até falecer, em janeiro de 2024, Edemar travava uma batalha contra o administrador da massa falida para tentar provar que o banco tinha mais crédito a recuperar do que dívidas a serem pagas, o que jamais se comprovou.

Acusado de lavagem de dinheiro, desvio de recursos, evasão de divisas, ocultação de obras de arte e contabilidade paralela, o fundador do Banco Santos chegou a ser preso duas vezes.

Mesmo depois da morte de Edemar, as disputas judiciais e pendências financeiras do Banco Santos continuam. No oitavo rateio da massa falida, de março de 2023, constavam 894 credores na lista, entre bancos, fundos, empresas de comunicação, companhias de infraestrutura, instituições financeiras, indústrias e pessoas físicas.

Por Stéfanie Rigamonti/Folhapress

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