Lula recebe convite, mas governo vê com ceticismo reunião sobre Ucrânia na Suíça

O presidente Lula (PT) foi convidado pelo governo da Suíça para participar de uma conferência de paz sobre a guerra na Ucrânia que, entre outros pontos, reconhece que um futuro processo negociador só terá êxito caso a Rússia participe — princípio que se aproxima ao defendido pelo Brasil.

Conselheiros do presidente, no entanto, encaram a proposta suíça com ceticismo e temem que a reunião não alcance avanços significativos justamente por não contar com representante de Moscou —segundo o país organizador, o governo liderado por Vladimir Putin não foi convidado por ter avisado anteriormente que não pretendia enviar delegação.

Outro ponto que gera receio no governo Lula é o fato de a cúpula estar sendo organizada pela Suíça a pedido do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski. A expectativa é que ele esteja presente.

Auxiliares de Lula consideram que qualquer proposta de negociação que tenha como base os 10 pontos de paz propostos por Zelenski não tem futuro, uma vez que eles envolvem a retirada de tropas russas de território ocupado e o estabelecimento de um tribunal especial para julgar crimes de guerra de Moscou —exigências inaceitáveis para Putin.

Para tentar convencer o Brasil a participar, os suíços têm argumentado que a cúpula foi convocada a pedido da Ucrânia, mas que a presidência dos trabalhos será de responsabilidade de Berna. O plano de Zelenski, dizem, não será o norte das tratativas.

O convite formal foi entregue na terça-feira (30) ao chanceler Mauro Vieira pelo chefe do Departamento de Assuntos Estrangeiros da Suíça, Ignazio Cassis, durante visita do brasileiro ao país europeu.

Vieira disse no encontro que a Suíça tem legitimidade e tradição para organizar um processo de paz sobre a Ucrânia, mas que não poderia antecipar se Lula vai ou não à cúpula.

Lula ainda não decidiu se vai comparecer. Um dos pontos indefinidos que são considerados pelo Brasil é qual será o nível de representação de outros países, principalmente aliados do país no Brics. Além dos sócios tradicionais —Rússia, Índia, China e África do Sul—, o bloco foi recentemente expandido para incluir Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã.

Foram convidadas 160 delegações, e entre elas há países importantes do chamado Sul Global, como China, Índia e Arábia Saudita. O encontro está agendado para ocorrer nos dias 15 e 16 de junho, no luxuoso complexo hoteleiro de Bürgenstock, em Lucerna. As datas foram escolhidas por causa da proximidade com a cúpula do G7, que ocorre entre os dias 13 e 15 de junho na Itália, país vizinho.

Liderado pelos Estados Unidos, o G7 é um grupo de países industrializados que têm posição comum de apoiar a Ucrânia contra o que consideram uma invasão injustificada da Rússia.

A expectativa da Suíça é que a proximidade das datas seja um estímulo para a presença de autoridades que estarão na cidade italiana de Fasano, principalmente o presidente dos EUA, Joe Biden. Lula foi chamado para a reunião do G7, mas ainda não confirmou presença.

De acordo com interlocutores no governo Lula, outro argumento que tem sido usado pelos suíços para pedir que o petista participe é que apenas um seleto grupo de líderes poderá discursar na cúpula em Bürgenstock —e que haverá um equilíbrio entre nações do Ocidente e do Sul Global. O Brasil seria um desses participantes com destaque.

Na nota sobre a reunião, a Suíça apresenta pontos que se distanciam de fórmulas de negociação anteriores encabeçadas por países do Ocidente. Ao destacar que não convidou a Rússia porque o governo Putin já havia manifestado desinteresse em participar, os suíços dizem reconhecer que qualquer processo futuro de paz sem Moscou é “impensável”.

“A Rússia não foi convidada nessa etapa. A Suíça sempre se mostrou aberta a estender um convite [a Moscou] para essa cúpula. No entanto, a Rússia disse em repetidas ocasiões, e também de forma pública, que não tem interesse em participar dessa primeira cúpula”, diz o comunicado.

“A cúpula na Suíça tem o propósito de iniciar um processo de paz. A Suíça está convencida de que a Rússia precisa estar envolvida nesse processo. Um processo de paz sem a Rússia é impensável”.

A recepção da iniciativa da Suíça foi ruim em Moscou. Segundo a agência Reuters, um porta-voz do Kremlin disse nesta quinta (2) não ver sentido na iniciativa.

O governo da Suíça argumenta que o propósito da reunião é “inspirar um processo de paz futuro e avançar elementos práticos e os passos necessários em direção a esse processo”.

Nesse sentido, os organizadores pretendem abordar três pontos: proteção das instalações nucleares na Ucrânia, segurança alimentar que permita o escoamento de grãos para o abastecimento internacional e aspectos humanitários (desminagem, troca de prisioneiros e proteção à população civil).

Já o encontro de líderes lançaria as bases políticas de um processo negociador mais robusto no futuro, na visão de Berna.

As tratativas para a organização da conferência de paz começaram há meses. O tema foi tratado em janeiro entre autoridades suíças e o assessor internacional de Lula, embaixador Celso Amorim, à margem da reunião de conselheiros de segurança nacional em Davos.

Amorim foi consultado ainda em uma carta, à qual respondeu ressaltando a posição brasileira de que o êxito de qualquer negociação depende de que a Rússia esteja sentada à mesa.

O receio de integrantes do governo Lula é que o processo seja uma repetição de outros esforços de negociação vistos como improdutivos tanto pelo Planalto como pelo Itamaraty.

Uma reunião sobre o tema no ano passado na Dinamarca, por exemplo, foi considerada infrutífera por ressaltar a visão de países do Ocidente e por desconsiderar posições de países com opiniões diferentes, como o Brasil.

Caso decida participar da cúpula em Lucerna, o presidente Lula voltará a se envolver com um tema de política externa que lhe gerou atritos com EUA e países da Europa no começo do seu mandato.

Nos primeiros meses de 2023, Lula defendeu em diferentes ocasiões que um grupo de países deveria se unir para discutir a paz na Ucrânia. No entanto, ele atribuía igual responsabilidade entre Putin e Zelenski pelo início da guerra e chegou a declarar que os EUA incentivavam o conflito.

Com o passar do tempo, o petista se distanciou do assunto e passou a abordar a guerra da Ucrânia com menos frequência em seus discursos.

Ricardo Della Coletta/Folhapress

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