Reforma tributária: governo livra alimento ultraprocessado, mas quer ‘imposto do pecado’ para carros

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) entregou à Câmara dos Deputados a primeira proposta de regulamentação da reforma tributária
Quatro meses após a promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária, o governo enviou ao Congresso Nacional o primeiro projeto de lei complementar de regulamentação dos novos impostos sobre o consumo. O texto, a que a reportagem teve acesso, prevê que o Imposto Seletivo, chamado de “imposto do pecado”, incida sobre veículo, embarcação e aeronave, cigarros, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas e bens minerais extraídos.

Ou seja: os alimentos ultraprocessados ficaram de fora da lista, apesar da recomendação do Ministério da Saúde e pressão de entidades da sociedade civil.

No total, o projeto tem 360 páginas e traz o coração do novo sistema, que inclui o funcionamento do Imposto sobre Valor Agregado (o IVA, que unificará 5 tributos) e do Imposto Seletivo, que tem como pressuposto a incidência sobre bens e serviços considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente (veja os itens abaixo).

Trata-se de uma nova – e, provavelmente, ainda mais dura – batalha a ser travada no Congresso, com uma miríade de detalhes que serão alvo de lobbies e interesses variados, tanto de setores como de entes da federação.

Não à toa, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi pessoalmente, acompanhado do seu número 2, Dario Durigan, e do secretário extraordinário Bernard Appy entregar o texto em mãos aos presidentes das duas Casas: o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Dentre os pontos mais controversos – que enfrentarão resistência na Câmara e no Senado – estão o próprio seletivo, a cesta básica e os regimes diferenciados. Além de todo o sistema de creditamento, uma vez que a reforma prevê a não cumulatividade plena, que acaba com a tributação em cascata e permite que as empresas se creditem dos impostos cobrados na etapa anterior da cadeia. Dessa forma, os tributos deixariam de incidir sobre outros tributos.

O desenho final dessa regulamentação terá efeito direto sobre a alíquota que será cobrada dos consumidores. O Ministério da Fazenda estima uma alíquota média de 26,5%, que poderá variar de 25,7% a 27,3%, a depender de fatores como sonegação, elisão fiscal (prática que aproveita brechas na lei para reduzir a tributação), disputas de empresas com o Fisco, que acabam em litígio judicial e, ainda, da inadimplência.

Veículos

Segundo o texto, a incidência do seletivo sobre a aquisição de veículos, aeronaves e embarcações justifica-se por “serem emissores de poluentes que causam danos ao meio ambiente e ao homem”.

A proposta é que as alíquotas incidam sobre veículos automotores classificados como automóveis e veículos comerciais leves e variem a partir de uma alíquota base, de acordo com os atributos de cada veículo.

No total, são seis atributos, em linha com o Programa Mobilidade Verde (Mover), de incentivo tributário ao setor automotivo com foco em transição energética: potência do veículo; eficiência energética; desempenho estrutural e tecnologias assistivas à direção; reciclabilidade de materiais; pegada de carbono; e densidade tecnológica. Portanto, a alíquota base de cada veículo poderá ser majorada ou decrescida de acordo com os critérios.

Os automóveis considerados como sustentáveis terão alíquota zero. Para ser caracterizado como tal, o veículo deverá se enquadrar nos índices de cada um dos seguintes critérios: emissão de dióxido de carbono (eficiência energético-ambiental), considerado o ciclo do poço à roda; reciclabilidade veicular; realização de etapas fabris no País; e categoria do veículo.

O projeto também prevê a redução a zero da alíquota do seletivo incidente sobre veículos vendidos a pessoas com deficiências ou a motoristas profissionais (taxistas), desde que benefício semelhante tenha sido reconhecido no âmbito do IBS (IVA estadual e municipal) e da CBS (IVA federal).

Mais álcool, mais imposto

Em relação às bebidas alcoólicas, a tributação será proporcional ao teor alcoólico, como recomendam organismo internacionais, como OCDE, OMS e Banco Mundial. Esse era um pleito da indústria da cerveja, que vem travando um duelo público com a indústria de bebidas destiladas.

Os produtores de cachaça, gim e vodca tinham o objetivo – que agora será levado ao Congresso Nacional – de evitar essa taxação gradativa, alegando que isso faria com que “iguais fossem tratados como desiguais”.

O Ministério da Fazenda alega, porém, no texto do PLP, que “o efeito negativo do álcool está relacionado à quantidade consumida” e, por isso, “propõe-se um modelo semelhante ao utilizado para os produtos do fumo, pelo qual a tributação se dará por meio de uma alíquota específica (por quantidade de álcool)”.

Devolução de crédito

O projeto de lei prevê que a devolução do crédito adquirido na cadeia ocorrerá em 60 dias – ou seja, dois meses. O prazo é maior do que defendiam entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) e Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) que pleiteavam 30 dias. Em alguns casos, diz o texto, o Comitê Gestor poderá autorizar um prazo mais rápido.

“Para os créditos relativos à aquisição de bens incorporados ao ativo imobilizado do contribuinte ou acumulados até o valor médio mensal de acúmulo do contribuinte, o prazo para ressarcimento é de 60 (sessenta) dias. Além disso, o Comitê Gestor do IBS e a RFB poderão autorizar o ressarcimento ainda mais célere para contribuintes elegíveis no âmbito de programas de conformidade”, diz o artigo 84 do projeto.

Por Bianca Lima/Mariana Carneiro/Alvaro Gribel/Estadão

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