Caixa colocou servidor com salário de R$ 45 mil para organizar fila em agência

Dezenas de funcionários da Caixa Econômica Federal que chegaram ao topo da carreira estão lotados em agências bancárias ou subaproveitados. Como resultado da distorção, a Folha encontrou ex-dirigentes com salários de até R$ 45 mil dividindo as mesmas funções com servidores recém-ingressados no banco que ganham cerca de R$ 3.000.

O caso está sendo investigado pelo MPT (Ministério Público do Trabalho). Em um documento enviado ao órgão, a Caixa afirma que, só em Brasília, 123 funcionários foram transferidos da matriz para agências bancárias em um intervalo de 90 dias entre o final de 2020 e o começo de 2021.

Entidades sindicais que representam os bancários contestam a empresa e dizem que o contingente de transferidos é maior. Em fevereiro, o inquérito foi prorrogado por mais um ano.

Como os servidores exerceram os cargos anteriores por mais de dez anos, eles incorporaram os salários mais altos, mesmo desempenhando agora outras Actividades. Em muitos casos, a Caixa também investiu na formação dos empregados hoje subaproveitados bancando cursos e certificações.

Os funcionários ouvidos reservadamente pela Folha afirmam que foram alvo de retaliação por terem ocupado altos cargos nos governos petistas ou por terem tido atritos com a gestão do ex-presidente da instituição Pedro Guimarães. Ele deixou o cargo em 29 de junho após acusações de assédio sexual.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro e a Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal apontaram ao MPT que as transferências foram feitas abruptamente, com “critérios discriminatórios” e falta de transparência.

As associações sindicais dizem ainda que, em alguns casos, as movimentações feitas pelo banco queriam forçar os funcionários mais antigos a deixar a empresa por meio do programa de desligamento voluntário.

Em nota, a Caixa disse que “realiza a movimentação interna de seus empregados conforme a legislação em vigor e observando as necessidades estratégicas do banco”. A empresa afirmou que é a maior instituição financeira do país em número de clientes e que os bons resultados são reflexo do trabalho dos 250 mil colaboradores, incluindo 87 mil empregados.

A empresa afirmou ainda que existem investigações internas em andamento, que o Conselho de Administração determinou a contratação de empresa externa e independente para verificar todos os casos e que o canal de denúncias é gerido por entidade externa, que se responsabiliza pela preservação da identidade dos denunciantes.

​Um funcionário que está na Caixa há mais de 30 anos e chegou ao cargo de diretor-executivo atua hoje em uma agência bancária no atendimento ao público —atividade que ele exercia em 1989, quando ingressou na empresa. Ele preferiu não se identificar por receio de retaliação. Mesmo no cargo mais baixo da agência, o funcionário ganha cerca de R$ 38 mil por mês.

Segundo ele, seu trabalho hoje é atender públicos como o do Auxílio Brasil e do FGTS, fazer senhas e cadastra o celular dos beneficiários. Ele afirma que são funções típicas do início da carreira e que seu atual trabalho não justifica o salário.

O servidor diz que fez diversos cursos e certificações pagos pela Caixa, além de uma pós-graduação na área em que atuava.

Ele diz ainda que, em governos anteriores, ex-dirigentes eram aproveitados em ministérios ou na própria Caixa em superintendências. Para ele, na gestão de Jair Bolsonaro, quem participou de outro governo está sendo humilhado.

A retaliação não se limita aos funcionários que chegaram aos cargos mais altos nos governos passados. A Folha também localizou um ex-superintendente nacional da Caixa que foi transferido para uma agência bancária após uma série de confrontos com Pedro Guimarães. Alocado no atendimento ao público, com jornada de seis horas por dia, o ex-dirigente recebe cerca de R$ 45 mil por mês.

Em manifestação enviada ao MPT em janeiro do ano passado, a Caixa alegou que a movimentação de empregados era “uma decisão estratégica” que tinha como “objetivo fortalecer as equipes e apoiar o atendimento na rede negocial.”

“A ação buscou como resultado: tornar a Caixa uma empresa ainda mais rentável, mais eficiente e mais estratégica; aumento da participação Caixa nos segmentos de varejo e atacado; apoio nas atividades negociais; áreas da matriz centradas na atuação de estratégias e diretrizes; racionalização de processos; maior agilidade”, diz trecho do ofício.

Outra funcionária que pediu para não ser identificada entrou no banco em 2000, foi gerente nacional e afirma que hoje está subaproveitada em uma função incompatível com seu salário atual, de aproximadamente R$ 30 mil. Mesmo com a experiência exigida nos processos seletivos internos, ela diz que, desde o início do governo Jair Bolsonaro (PL), nunca conseguiu se recolocar na empresa.

Segundo ela, a primeira reação foi começar a buscar uma série de processos seletivos internos e tentar se recolocar, disposta a morar em qualquer lugar do Brasil. Ela afirma que fez cursos e pós-graduação pagos pela Caixa no passado, e que nas tentativas recentes de reposicionamento pontuava bem ao longo do processo, mas era eliminada na fase de entrevistas.

REBAIXAMENTO É ILÓGICO, IRRACIONAL E ANTIMERITOCRÁTICO, DIZ PROFESSOR DA FGV

O professor e pesquisador da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Marco Tulio Zanini avalia que o rebaixamento é ilógico, irracional e antimeritocrático.

Para ele, a empresa desperdiça os recursos públicos investidos na formação do servidor e gera desmotivação entre todos os funcionários, o que se traduz em outros problemas, como perda de eficiência.

“É uma desqualificação muito grande de funcionários que certamente têm experiências e tiveram incentivos para estarem ocupando posições superiores. Existem perdas em duas dimensões. Primeiro, porque você está subutilizando um recurso humano e segundo porque isso gera insatisfação não só para ele, mas para todas as pessoas ao redor dele.”

Zanini afirma ainda que há uma diferença entre os cargos de confiança —que também existem na estrutura dos ministérios— e os cargos que estão dentro do plano de carreira de um banco.

“Se eu fiz e passei no concurso público da Caixa Econômica, eu tenho uma expectativa de onde posso estar daqui a 10, 15 anos. Existe um plano de carreira e existe uma coerência na progressão da carreira dos funcionários que estão no banco, independentemente da orientação política da presidência.”

Thaísa Oliveira e Fabio Serapião/Folhapress

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