Plano de governo de Lula exclui ruídos, cede a conservadores e sinaliza ao centro BRASIL

A nova versão das diretrizes do programa de governo da chapa Lula-Alckmin, divulgada nesta terça-feira (21), eliminou pontos que eram arestas para o diálogo com setores ao centro, como a revogação da reforma trabalhista, e sinalizou a conservadores ao excluir alusões a aborto e acenar a policiais.

A prévia do plano da chapa composta pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) é descrita por aliados como “um texto possível” a partir dos pontos de vista dos sete partidos que estão na coligação (PT, PSB, PSOL, Rede, PC do B, PV e Solidariedade).

A versão atual elevou o destaque a propostas para a Amazônia e a Petrobras, diante de dois temas que pressionam o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição e segundo colocado nas pesquisas: a disparada no desmatamento e nos preços dos combustíveis.

Nesta terça, Lula e Alckmin criticaram Bolsonaro, sem citá-lo diretamente, no ato de lançamento do documento, em São Paulo. O ex-presidente se referiu ao rival como “um cidadão desequilibrado”, “desumano” e “do mal”, além de “um presidente que não conversa com a sociedade brasileira”.

“Em um programa de governo, a gente não pode ser irresponsável de propor coisa que a gente já sabe que não vai executar”, disse o petista. “Porque, se você não fizer, você vai ser cobrado pela sua ineficiência, pela sua incompetência. Então, é importante que a gente coloque o menos para fazer o máximo”.

“Tudo isso que está aqui [no plano] é possível de ser cumprido”, afirmou, conclamando a sociedade a participar das decisões para resgatar a democracia e reconquistar a cidadania plena dos cidadãos. Ele disse que, ao questionar as urnas eletrônicas, Bolsonaro põe em suspeição os brasileiros.

Lula fez referências ao desafio de vencer as eleições, comparou as propostas do documento a tijolos e disse que já provou, quando governou país, que é possível combater a desigualdade e recuperar a economia. O petista colocou como prioridade o fim da fome e a melhora da renda da população.

“Este país precisa voltar a ser soberano. […] Um país será soberano quando o seu povo for respeitado, tiver emprego, tiver educação, tiver salário, comer, tiver saúde, tiver conquistado uma cidadania digna que todo ser humano tem direito, que está na nossa Constituição, na Declaração Universal de Direitos Humanos e que está na Bíblia”, disse Lula.

Alckmin, em sua fala, se referiu a Bolsonaro como “este triste presidente” e disse que o atual governo promoveu desmonte generalizado de políticas públicas, o que reforça a necessidade de um dos motes da campanha, a reconstrução do país.

“Não se faz um programa de governo democrático em cima de motociata e jet-ski, mas é ouvindo a população e trabalhando”, discursou Alckmin, provocando aplausos. “Este documento foi construído por muitos e muitas, e continuará sendo discutido de forma democrática”.

O candidato a vice enalteceu as políticas econômicas presentes no texto, um dos temas aos quais mais se dedicou durante as discussões. “A inflação não é socialmente neutra, atinge mais os mais pobres. A inflação é um dos mais perversos instrumentos de concentração de renda”, afirmou.

Ele também fez a defesa de um “crescimento que não destrua o meio ambiente”, chamando de “uma coisa inacreditável” o que se vê na Amazônia, com grilagem de terras e destruição. Alckmin frisou a defesa da democracia como uma das bandeiras da candidatura, emendando outra provocação a Bolsonaro.

O ato desta terça, em um hotel nos Jardins (região central), foi marcado pela invasão de bolsonaristas e também por uma queixa pública do vereador da capital Eduardo Suplicy (PT). O protesto dos simpatizantes do presidente deixou o clima tenso e abreviou a fala de Lula.

A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann, disse no evento que o documento é “uma síntese do que pensam todos que estão nesta caminhada”, ressaltando o que chamou de “grande unidade programática”, com colaboração de movimentos sociais e sindicais.

Centrais sindicais insistiram na manutenção do ponto sobre a reforma trabalhista, mas o termo “revogação”, que apareceu em versão anterior do texto, foi adaptado. Agora a proposta é revogar somente “os marcos regressivos da atual legislação trabalhista”.

Para Adilson Araújo, presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), não é possível discutir o tema de forma unilateral. “Foi um texto possível, discutindo dentro de um programa mais amplo”, afirma ele, que disse ver o resultado como dentro das expectativas.

Araújo diz que é preciso considerar a possibilidade de Lula, caso eleito, não ter maioria no Congresso, o que exigirá desde já abertura ao diálogo e à conciliação. “É um problema sério, que precisa ser levado em conta. Para nós, foi um avanço ter entrado a proposta das centrais sindicais sobre a reforma”.

Tirar pontos “que poderiam atrair mais problemas” foi benéfico, na opinião do presidente nacional do Solidariedade, Paulo Pereira da Silva. Para Paulinho da Força, que é deputado por São Paulo, o principal no momento é destacar a urgência da geração de empregos e do combate à inflação.

O presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, diz que o documento “traduz uma coalizão”, o que explica a necessidade de fazer concessões em alguns aspectos. O dirigente da sigla, que buscava puxar o programa à esquerda, considerou satisfatória a redação atual, após “mediações e diálogos”.

“Não é um programa que vai resolver de imediato todos os problemas do país, mas aponta as prioridades do governo, o que é fundamental, entre elas a revogação do teto de gastos, a revisão das medidas regressivas da reforma trabalhista e a defesa do desmatamento líquido zero”, diz Medeiros.

A pauta ambiental ganha ênfase no plano na esteira da repercussão da morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips no Amazonas. A campanha incorporou o combate ao desmatamento ilegal e a promoção do desmatamento líquido zero (com recomposição de áreas degradadas).

O viés sustentável também foi aplicado à questão da Petrobras, ao lado de dois pontos: a oposição clara à privatização da estatal, proposta apoiada pelo atual governo, e a defesa do fim da paridade internacional de preços, baseada no dólar. O documento fala em “abrasileirar o preço dos combustíveis”.

Discussões que provocaram ruídos e apareceram na versão preliminar apresentada pelo PT aos partidos aliados no dia 6 foram excluídas ou abrandadas. É o caso da defesa dos direitos sexuais e reprodutivos para mulheres. Lula foi alvo de críticas após dizer que o aborto deveria ser um “direito de todo mundo”.

Na redação atual, são oferecidas “políticas de saúde integral”, de forma a “fortalecer no SUS as condições para que todas as mulheres tenham acesso à prevenção de doenças e que sejam atendidas segundo as particularidades de cada fase de suas vidas”.

A relação da campanha com profissionais de segurança pública, que compõem a base eleitoral de Bolsonaro e estiveram no centro de outra polêmica envolvendo o petista depois que ele deu a entender que policiais não são gente, também mereceu um tópico no compilado.

“A valorização do profissional de segurança pública será um princípio orientador de todas as políticas públicas da área.” A promessa é a de implementar “canais de escuta e diálogo, programas de atenção biopsicossocial e ações de promoção e garantia do respeito das suas identidades e diversidades”.

Há ainda menções ao enfrentamento a crimes e violências cometidos contra mulheres, a juventude negra e a população LGBTQIA+. A campanha propõe direitos amplos e vê como inaceitável que brasileiros “sejam agredidos, moral e fisicamente, ou até mesmo mortos por conta de sua orientação sexual”.

Uma das novidades é a promessa de segurança para o livre exercício da atividade profissional do jornalismo e a retirada de alusão a interferência na mídia. O texto fala em respeitar a liberdade de imprensa e debater no Legislativo o “direito de acesso à informação e aos meios de comunicação”.

Aloizio Mercadante (PT), coordenador do programa de governo, chamou o documento com as diretrizes de “um pacto histórico” dos partidos contra a “tragédia histórica” representada por Bolsonaro.

“Estes são os eixos. As pessoas que quiserem contribuir a partir de agora vão ter um grande instrumento. As diretrizes são apenas o ponto de partida”, disse.

Durante o ato foi lançada também uma plataforma virtual para receber contribuições para o programa de governo. Segundo o ex-ministro, a página sofreu ataques de bolsonaristas assim que entrou no ar, o que poderia dificultar o acesso. “Mas nós vamos dar a resposta aos bolsonaristas no dia da eleição”.

Catia Seabra/Joelmir Tavares/Folhapress

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