Parlamentar equipara dom Pedro e Bolsonaro ao lançar frente pelo bicentenário

            Lançamento da Frente Parlamentar pelo Bicentenário da Independência do Brasil na Aler
Os deputados estaduais Filipe Soares (Democratas), Márcio Gualberto (PL) e Anderson Moraes (PL) lançaram, nesta segunda-feira (18), a Frente Parlamentar pelo Bicentenário da Independência do Brasil na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, a Alerj.

Em sua conta no Instagram, Soares, presidente da frente, justificou a iniciativa por estarmos “em épocas de relativismo cultural e esforços para destruir a memória do país”. Filho do missionário R.R Soares, o parlamentar é um apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL). Ao lado de Gualberto, policial civil católico que se define nas redes sociais como pró-armas e antimarxista, ele propôs no ano passado a lei 4.919/21, para proibir a discriminação de pessoas que se recusaram a tomar vacina contra a Covid-19.

Em discurso realizado no evento, Soares afirmou que a frente parlamentar busca promover a valorização da história do país, enaltecendo “nossas raízes”.

A ideia do resgate de uma verdadeira história nacional também transpareceu na fala de Gualberto. “Às vezes vemos muitas narrativas e os fatos são deixados de lado. Precisamos fazer esse debate sem amarras ideológicas e gramscistas”, disse ele.

Já Moraes enalteceu a figura de Bolsonaro, segundo ele um presidente que “joga nas quatro linhas”. “Sete de Setembro vem aí novamente e a população vai para as ruas gritar a sua liberdade. As meninas precisam ver nelas uma Maria Leopoldina. E cada menino tem que se ver como José Bonifácio. Para que todos nós possamos ajudar nosso dom Pedro”, disse.

Moraes é ainda mais próximo de Bolsonaro do que os outros dois deputados estaduais. Em 2019, ele nomeou a ex-mulher do presidente, Rogéria Bolsonaro, como sua assessora parlamentar. É do deputado estadual a autoria do projeto de lei 4.673/21, que visava extinguir a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a Uerj, por causa de seu custo e por ter “nítido aparelhamento socialista”.

O lançamento da frente parlamentar demonstra harmonia entre o trio e o tom utilizado pelo governo federal para comemorar o bicentenário da independência. Em fevereiro, a Secretaria Especial de Cultura lançou um portal reunindo textos sobre a data histórica. De tom ufanista, a campanha traz uma narrativa centrada na figura de dom Pedro 1º, retratado como herói. Foi criticada por diversos historiadores por reproduzir visões distorcidas do evento.

Antônio Carlos Jucá, diretor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, é um deles. “É uma idealização do passado, algo que agrada aos monarquistas. O material foca o Sete de Setembro, mas a independência foi um processo complexo, que envolveu uma série de revoltas no Nordeste, por exemplo”, ele afirma.

O bicentenário da Independência é um tema caro aos monarquistas apoiadores de Bolsonaro. Os próprios descendentes da família real têm interlocução direta com o governo e as Forças Armadas. Na primeira semana de abril, por exemplo, dom Bertrand de Orleans e Bragança foi a Brasília, onde se reuniu com o ex-ministro da Defesa, o general Walter Braga Netto —o ministério da Defesa oferece apoio logístico ao programa A Jornada dos Príncipes que, há cinco anos, promove palestras e conferências dos descendentes da família real em cidades do vale do Paraíba por onde dom Pedro 1º passou em 1822.

Faltando menos de seis meses para a data comemorativa, a Secretaria Especial de Cultura não anunciou uma programação oficial sobre o tema. Além da criação do portal, em seu site apenas divulga um edital, de agosto de 2021, no valor de R$ 30 milhões para obras audiovisuais sobre a efeméride. Destaca ainda a entrega da reforma do Museu do Ipiranga com verba do governo federal.

A reportagem questionou a secretaria sobre a programação de eventos, mas não obteve resposta.

A frente parlamentar também inicia os trabalhos em cima da efeméride, segundo Soares, porque os deputados só conseguiram fazê-la tramitar recentemente. A linha de atuação da iniciativa, porém, soa vaga. “A gente propõe coordenar ações estratégicas com a Marinha e a Biblioteca Nacional, além de propor seminários com o tema”, diz ele.

O novo presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Luiz Carlos Ramiro Júnior, compôs a mesa da cerimônia de lançamento da associação. Segundo ele, o convite ocorreu devido à proximidade com os deputados. Ele destaca que a Biblioteca Nacional se empenha neste ano na promoção de pesquisas, publicações e exposições sobre a data.

“Comemorar a independência é muito válido. Existe uma dissonância, mas muitas vezes ela vem de uma forma de descaracterizar a forma patriótica”, conta. “Claro que tem uma ligação com o movimento conservador, mas acho até que o governo é comedido em utilizar simbologias patrióticas. Compare com a década de 1970, por exemplo”, diz ele, em referência ao governo militar brasileiro.

Por ironia, o Museu Imperial, que fica em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, também não sabe como organizará exposições, ainda que tenha sido evocado na campanha do governo. “Não recebemos verba federal até agora e estamos procurando patrocinadores”, diz Claudia Maria Souza Costa, coordenadora técnica do museu.

Gustavo Zeitel/Folhapress

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