Ausência de Haddad expõe ‘climão’ e impasse em SP após aliança Lula-Alckmin

No dia em que a aliança entre o ex-presidente Lula (PT) e ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) ganhou corpo, as diferenças entre PT e PSB na disputa pelo Governo de São Paulo também ficaram evidentes.

Na reunião desta sexta-feira (8), em São Paulo, o PSB indicou Alckmin formalmente para a vice de Lula, mas o tema de São Paulo ficou fora da pauta para não estragar o ambiente festivo.

O PT vai lançar Fernando Haddad e espera o apoio do PSB. Do outro lado, o PSB insiste em Márcio França e também afirma esperar uma aliança com o PT.

O evento reuniu as cúpulas de PT e PSB, mas Haddad estava ausente. O ex-prefeito viajou para São José do Rio Preto (SP) para reuniões com estudantes, empresários e políticos. Sua agenda na região nos próximos dias, no entanto, foi cancelada, na noite desta sexta, para que Haddad estivesse na capital, neste sábado (9), para o velório de Dalmo de Abreu Dallari.

Nos bastidores, sua ausência foi encarada como uma forma de evitar um climão.

França foi à reunião e chegou a admitir que o cenário em que ambos concorram de forma paralela, com o apoio de Lula e Alckmin, é o mais provável hoje. Os dirigentes dos partidos, no entanto, ainda trabalham pela unificação.

“Eu sempre defendo a unidade desse campo. Vou trabalhar o que eu puder para que a gente saia unido aqui em São Paulo. Acho muito importante, porque isso fortalece. […] A gente tem condição de ganhar a eleição aqui, não tenho dúvida”, disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

Ela afirmou que o imbróglio deve ser tratado em reuniões com o PSB na próxima semana.

Já o presidente do PSB, Carlos Siqueira, disse que o ideal é a unidade, mas já admite a possibilidade de que França e Haddad disputem votos no primeiro turno.

“A chance [de dois palanques] é alta. Pode acontecer. O ideal é que não aconteça, estamos fazendo esforço para que não ocorra, mas se tiver que ocorrer não há nada de anormal nisso. […] Os partidos políticos têm sua autonomia, cada um tem seus candidatos. Quando é possível ter uma candidatura unificada, ótimo, como é o caso de alguns estados”, disse.

No caso de São Paulo, Siqueira afirmou que o PSB espera apoio do PT. “Não sei se terá, mas estamos esperando. Temos um bom candidato, que aparece cada dia melhor nas pesquisas. Ele tem uma taxa de rejeição muito baixa, enquanto seu concorrente [Haddad] tem uma taxa bem mais alta.”

O dirigente ainda alfinetou o ex-prefeito ao ser questionado sobre a ausência do petista na reunião. “Nem percebi”, respondeu.

Presente na reunião, o deputado José Guimarães (PT-CE) afirmou que “o ideal é juntar Haddad, França, [Guilherme] Boulos e Alckmin no mesmo palanque”. Boulos (PSOL) desistiu recentemente da sua candidatura ao Governo de São Paulo em nome da unidade.

Questionado sobre a falta de Haddad, Guimarães desconversou e não citou o ex-prefeito. “O evento foi tão belo e singelo que qualquer outro fato poderia tirar o brilho”, disse.

França afirmou que Haddad é um nome competitivo para o Senado ​—enquanto o PT já reservou a vaga do candidato ao Senado para França.

Como mostrou a Folha, a hipótese de que ambos concorram teria vantagens aos olhos do PT e do PSB, já que França poderia estancar votos de Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Rodrigo Garcia (PSDB).

O fato de ter eleitores no campo da direita é o argumento usado por França para declarar sua candidatura mais competitiva e mais ampla que a de Haddad, embora o pessebista esteja atrás nas pesquisas.

A pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta-feira (7) mostra Haddad com 29%, França com 20%, Tarcísio com 10% e Rodrigo com 6%. No cenário sem França, o petista vai a 35%, e Tarcísio e Rodrigo empatam com 11%.

Haddad é conhecido por 94% dos eleitores, enquanto França é conhecido por 74%. O petista é o mais rejeitado entre os eleitores, com 34%. Já França tem 20% de rejeição.

França afirmou a jornalistas que ainda busca a unidade com Haddad. “Claro que temos eleitores diferentes, o que é bom. Vamos tentando, temos algum tempo para isso. […] A chance maior é cada um ter sua candidatura. Mas vamos fazer um esforço até o final porque quem sabe uma luz ilumina”, disse.

O ex-governador ponderou que sua proposta de que um dos dois seja escolhido por meio de pesquisas em meados de maio ou junho segue de pé, mas os critérios precisariam ser definidos. França quer levar em conta cenários de segundo turno e rejeição, enquanto petistas argumentam que Haddad lidera em intenções de votos.

França afirmou ainda que Lula e Gleisi foram favoráveis à sua ideia. “Agora temos que convencer o PT de São Paulo, que também, entendo, tem todo direito de falar: não, mas eu não quero pesquisa com Márcio França porque de repente ele ganha. De repente eu ganho, faz parte.”

Ele disse ainda que as candidaturas baseadas apenas em padrinhos são mais frágeis. “Haddad é Lula. Tarcísio é [Jair] Bolsonaro. Rodrigo é [João] Doria. E o Márcio França é quem? É alguém que não se sente apadrinhado por ninguém, mas é competitivo”, disse.

França afirmou que será bom ter o apoio de Alckmin, mas que ele seria o padrinho do ex-governador, já que foi um dos articuladores da chapa Lula-Alckmin, e não o contrário.​

Em meio às divergências a respeito de São Paulo, Lula e Alckmin trocaram afagos e posaram para fotos na reunião.

Formalizada a indicação do PSB, o diretório nacional do PT deve se reunir no próximo dia 13 para indicar a chapa para aprovação durante o encontro nacional do partido, em 4 e 5 de junho. Em 30 de abril, está previsto um ato público com a participação de Lula e Alckmin. ​

“Estamos dando uma demonstração muito forte ao Brasil”, disse Lula, referindo-se à aliança entre antigos rivais. O movimento foi defendido como necessário para superar Jair Bolsonaro (PL).

“Este dia para mim é importante. Alckmin, eu tenho certeza que o Partido dos Trabalhadores irá aprovar o seu nome como candidato a vice”, afirmou o ex-presidente. “Você será recebido como um velho companheiro dentro do nosso querido Partido dos Trabalhadores.”

Em seu discurso, Alckmin falou em grandeza política e desprendimento. “A política não é uma arte solitária. A força da política é centrípeta. Nós vamos somar esforços para a reconstrução do nosso país”, disse o ex-governador. ​
Catia Seabra e Carolina Linhares / Folha de São Paulo

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