Três episódios e um discurso que opuseram Rui e Wagner e podem ter levado ao desfecho ‘com Jerônimo sem PP’


 
Em pelo menos três episódios desde o ano passado, o senador Jaques Wagner e o governador Rui Costa se enfrentaram severamente, o que levou o principal líder petista na Bahia a avaliar várias vezes que sua eventual candidatura ao governo não seria de todo interessante para o sucessor, esfriando-lhe o ânimo com a eleição.

Os conflitos teriam tido sua parcela de contribuição na surpreendente decisão de Wagner de desistir de concorrer ao governo, abrindo a crise que levou o PP a romper com o PT e, na sequência, apoiar o candidato adversário, ACM Neto (DEM), ao governo.

O primeiro enfrentamento sério entre os dois ocorreu quando Rui fechou, sozinho, no início do ano passado, uma negociação com o PP para que o vice-governador João Leão assumisse a Casa Civil. Ali, naquele momento, nos bastidores, ele já lançava o plano para disputar o Senado e preparar o vice para assumir o governo em seu lugar.

Percebendo a intenção do governador, de que no PT todos sabiam que ele discordava, Wagner peitou Rui e impediu que o acordo se concretizasse. Para evitar um conflito maior, o mandatário assumiu a responsabilidade pelo recuo e entregou a Leão a pasta do Planejamento, aumentando de duas para três o número de secretarias do PP no governo.

No princípio do ano, no episódio de exoneração do secretário de Administração Penitenciária do governo, Nestor Duarte Neto, Wagner também forçou Rui a promover o desligamento do auxiliar. O senador petista andava irritadíssimo com o deputado federal Marcelo Nilo (sem partido), que, 11 anos antes, bancara a nomeação de Nestor.

Na noite de Reveillon, Wagner, de casa, passou a mão no telefone e ligou para o secretário, que, ao identificá-lo, imaginou que receberia uma manifestação de Boas Festas. Mas Wagner começou a atacar Nilo, dizendo que o deputado tinha passado de todos os limites com suas críticas constantes a ele, a Rui e ao governo.

Em seguida, afirmou que a briga ‘sobraria’ para o secretário, uma gíria para dizer que ele poderia ser demitido, e, aparentando ainda muita irritação, encerrou a ligação. Dias depois, Nestor seria exonerado, ao que se comenta, também contra a vontade de Rui.

Mas o episódio que aprofundou a discórdia entre os dois petistas ocorreu ainda em novembro do ano passado, quando Wagner, muito pressionado por aliados queixosos de um alegado baixo interesse seu na campanha, resolveu que era hora de sacodir a poeira e iniciar pessoalmente as negociações para disputar o governo.

Numa reunião, ele fechou o apoio do MDB à sua campanha. Em troca, o partido, hoje na base de Neto, indicaria, por meio do ex-secretário Fábio Villas Boas, na época em processo de negociação para filiar-se à legenda, o novo titular da secretaria da Saúde.

Em outra frente, Wagner encaminhava as tratativas para obter o apoio do Solidariedade, cuja contrapartida seria também ocupar uma posição no governo. Mas Rui desconsiderou a indicação do MDB, movendo repentinamente para o lugar de Villas Boas, que estava vago há meses, a secretária de Ciência e Tecnologia, Adelia Pinheiro.

Em seguida, engavetou o pedido do outro partido. Assim, deu as costas para o fato de que a situação desmoralizaria Wagner, enfraquecendo seu projeto eleitoral.

Naquele momento, se diz no comando do PT, o senador teve a primeira certeza de que não teria condições de enfrentar uma campanha com um governador que, ao que parecia, não se manifestava mais como um aliado fechado com seus planos, mas como um correligionário com outras intenções, no qual sua confiança se esvaíra.

Como era esperado, representantes dos dois partidos que tinham participado das conversas acabaram concluindo que Wagner não mandava em nada, muito menos na articulação política de sua pré-campanha, decidindo que prosseguir as discussões com ele poderia ser arriscado por causa, inclusive, do relacionamento que já possuíam com o candidato adversário, ACM Neto (DEM), com quem o Solidariedade acabou fechando e o MDB ainda negocia.

Para emoldurar o cenário de afastamento entre Wagner e Rui em que a escolha do cabeça da chapa governista, o petista Jerônimo Rodrigues, se daria, um acontecimento meses antes, num evento no interior, passara a consumir a cabeça de Wagner com as suspeitas de que o exercício do poder alterara a percepção que Rui fazia do seu papel no grupo político.

Na inauguração de uma policlínica em Itaberaba, ao discursar e pretensamente com o objetivo de elogiar o desprendimento do antecessor, Rui lembrou que Wagner, durante todo o seu governo, jamais lhe havia feito um pedido, deixando-o atuar com absoluta liberdade.

E a pretexto de enfatizar a postura republicana do senador, soltou uma pérola: “A única coisa que Wagner me pediu foi que fosse um governador melhor do que ele. E eu fui”.

A plateia aplaudiu, pelo visto sem atentar exatamente para o conteúdo da mensagem, mas ela atingiu em cheio o coração do senador. Desapontado, Wagner fechou a cara, desceu do palanque, entrou num boteco e pediu uma cerveja gelada, que sorveu sozinho.

Amigos de Wagner contam que não foram duas nem três vezes apenas em que, antes de assumir o controle do PT, em 2019, o senador teria alertado Rui expressamente para a necessidade de preparar a própria sucessão. Os apelos teriam sido feitos pelo menos durante três anos em todos os eventos mais fechados de que participavam, sempre com a presença de testemunhas próximas dos dois lados.

Foi ao perceber que o assunto não fazia parte das preocupações de Rui que Wagner tomou a iniciativa, inédita para seus padrões, de organizar a disputa pelo controle do partido, elegendo um assessor para a direção da sigla. Era um esforço também para mostrar a Rui quem ia mandar no pedaço a partir daquele momento e ao mesmo tempo, no caso de se sentir obrigado a disputar de novo o governo para impedir a implosão do grupo, poder planejar a campanha sem contratempos.

Entretanto, a insistência do governador em concorrer ao Senado e entregar o governo a Leão teria levado Wagner a desistir de concorrer, empurrando o senador Otto Alencar (PSD) para a disputa, na expectativa de que Leão se contentasse em disputar o Senado e o PT escolhesse o vice. Mas a saída não convenceu, Otto não topou o desafio, o jogo foi integralmente desarrumado e ele foi obrigado a dar um freio de arrumação, chamando para si o PT ao dizer que Rui ficaria no governo até o fim e o partido apresentaria o candidato a governador.

Política Livre

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