Grupos paralelos a partidos ajustam foco nas eleições para impulsionar candidatos

Foto: Pedro França/Arquivo/Agência Senado

Incorporados à dinâmica eleitoral, movimentos engajados no mapeamento de líderes políticos e no impulsionamento de campanhas ajustaram o foco para sua atuação no pleito de 2022 e serão forças paralelas aos partidos na tarefa de eleger novos nomes para o Legislativo.

Grupos organizados pela sociedade civil reciclaram a bandeira da renovação política por si só, que teve o auge entre 2016 e 2018, e passaram a apostar com mais ênfase em candidaturas com pautas e posicionamentos bem definidos ou representativas de segmentos específicos.

Embora iniciativas que se declarem sem agenda própria ainda tenham espaço, o novo perfil é predominante nesse ecossistema, que enfrenta tensões na inevitável convivência com os partidos, mas vê avanços na relação e se firma como um eixo do sistema político-eleitoral.

Se o objetivo final de todos é um só —levar postulantes à vitória—, o mesmo não se pode dizer do universo de organizações, bastante heterogêneo. São grupos que se diferenciam entre si em bases ideológicas, alcance territorial, capacidade de financiamento e de mobilização, origem e histórico.

Na lista estão, por exemplo: a escola de políticos RenovaBR, os movimentos Acredito, Livres e MBL (Movimento Brasil Livre) e coletivos como Vote Nelas e Vamos Juntas (feministas), Coalizão Negra por Direitos e Mulheres Negras Decidem (antirracistas) e VoteLGBT (da causa LGBTQIA+).

Há ainda setores à esquerda, estabelecidos na chamada luta popular, que pretendem fortalecer bancadas suas no Congresso e nas Assembleias Legislativas, casos do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).

Além dos blocos que participaram de eleições recentes, farão sua estreia em 2022 propostas novas, como o movimento Grita!, com a ambição de eleger 150 deputados federais e 35 senadores de ficha limpa e favoráveis ao fim do foro especial e da extinção dos fundos partidário e eleitoral.

Calculados com base no número de votos e de parlamentares que cada legenda conquista, os fundos se tornaram cruciais para a sobrevivência das agremiações. É de olho nesses fatores que siglas têm se aberto para receber nos quadros apadrinhados das redes independentes.

A competição por cadeiras nas casas legislativas será ainda afetada pela proibição de coligações, que começou a valer em 2020, e pela formação de confederações partidárias, em que as siglas se unem para disputar o pleito, mas têm que ser manter alinhadas por mais quatro anos.

Doutora em ciência política pela Universidade de Oxford, Malu Gatto diz que um estudo sobre representação de grupos marginalizados, coordenado por ela e recém-divulgado pelo Instituto Update, mapeou mais de cem iniciativas no Brasil voltadas à inclusão de mulheres na política.

“O número é muito maior se considerarmos outros segmentos, que estamos acompanhando para a continuidade da pesquisa”, afirma a professora da University College London.

Segundo Malu, trata-se de “um novo ator eleitoral” que assumiu papel complementar ao dos partidos, os únicos que, por lei, podem lançar e registrar candidatos. A legislação também proíbe doações de pessoas jurídicas (o que inclui empresas e associações), mas repasses individuais são permitidos.

“Há um maior entendimento sobre essas organizações e a interação delas com os partidos. Pode existir uma relação de benefício mútuo, principalmente com aquelas iniciativas que estimulam a diversidade”, analisa a docente, em referência a embates ocorridos entre as partes em tempos recentes.

Atritos entre movimentos e legendas eclodiram em episódios como o pedido de desfiliação da deputada federal Tabata Amaral (SP) do PDT. Hoje no PSB, pediu desfiliação do PDT depois que ela, cofundadora do Acredito, descumpriu a determinação partidária de votar contra a reforma da Previdência, em 2019.

Na esteira da crise, siglas como PDT e Novo chegaram a proibir a atuação de filiados nas redes independentes, sob o temor de que integrantes pusessem o comprometimento com as entidades acima da obediência às regras estatutárias. O quadro hoje parece menos conflagrado.

O Acredito, que apoiou nomes em 2018 e também atuará em 2022, diz que “ainda não definiu se e como manterá” o mecanismo das cartas-compromisso com os partidos. A questão esteve na raiz da batalha judicial pelo direito de se desfiliar sem perder o mandato travada por Tabata.

No acordo, a antiga legenda de Tabata prometia resguardar “as autonomias política e de funcionamento” do Acredito, bem como “a identidade do movimento e de seus representantes”. O documento assinado pelo PDT foi determinante na vitória obtida por ela em maio no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

A presença dos organismos suprapartidários se tornou algo incontornável, na avaliação do cientista político e ativista Leandro Machado, que em entrevista à Folha no início de dezembro sentenciou o fim da renovação política como mote eleitoral, depois do auge visto em 2018.

“É possível que o ciclo da renovação pura e simples esteja sendo substituído por uma renovação mais identitária ou segmentada, que é fruto de uma sociedade mais atenta à causa da diversidade, mas também dialoga com a cultura digital, que nos ‘hipernichou'”, afirma.

O Agora!, entidade que tem Machado entre os cofundadores, chegou a ter 18 candidaturas quatro anos atrás, apesar de sua missão principal ser a de debater políticas públicas. Em fase de redefinições internas, o grupo não faz planos de empurrar nomes no pleito do ano que vem.

Movimentos como Bancada Ativista e Ocupa Política, que em anos recentes se destacaram no chamado campo progressista, também estão sem planos estruturados. O primeiro se desarticulou após a crise no mandato coletivo que elegeu para a Assembleia de São Paulo, com Monica Seixas (PSOL) à frente.

Apesar disso, outras turmas abraçaram causas que estão em efervescência, como o estímulo a mulheres e a pessoas negras, hoje também estipulado em leis e resoluções do TSE que tentam reduzir o enorme descompasso entre o tamanho dessas fatias populacionais e os índices de porta-vozes delas no poder.

“Os partidos querem mulheres porque têm cotas a cumprir, mas nem sempre dão o apoio necessário a elas”, diz a ativista Gisele Agnelli, cofundadora do Vote Nelas, que auxiliará candidatas com treinamentos, divulgação e auxílio psicológico, por causa da violência política de gênero.

“Fazer parte do Vote Nelas é como um selo que ajuda na campanha de cada uma e, acima de tudo, difunde a ideia de que o voto em mulher importa. Nossa tese é a de que o gênero da candidata é um critério de escolha importante e que ter as nossas lá só melhora a democracia”, completa.

Lógica parecida move a Coalizão Negra por Direitos, só que pelo viés racial. “Nossa missão é eleger um quilombo, uma bancada no Congresso e nas Assembleias”, resume Douglas Belchior, cofundador da aliança e cotado para concorrer a deputado federal pelo PT em São Paulo.

Segundo ele, o número de candidatos ainda não está fechado, mas deve ser de dezenas. A interlocução maior é com legendas à esquerda. “Óbvio que há desconforto nas estruturas partidárias, mas elas estão mais abertas, até porque a militância está cobrando essa participação”, afirma.

Para a coalizão, de acordo com Belchior, o que está em jogo não é simplesmente a renovação ou a ampliação do número de negros em postos decisórios. “Abominamos agenda de representação vazia. Nossa luta é pela eleição de líderes vinculados às pautas do povo negro.”

A adesão a causas determinadas é também condição para receber o apoio do Grita!, “movimento de cidadania fundado a partir da indignação de quatro engenheiros formados” em 1964 no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e que prega combate a privilégios e prisão após condenação em segunda instância.

“Não nos consideramos [de direita]. O grupo é amplo. A prioridade são os valores éticos”, diz Luiz Esmanhoto, um dos engenheiros do ITA, hoje aposentado. A entidade, com 50 associados, recebe doações para criar um cadastro que conectará postulantes identificados com os temas e eleitores.

O Grita! conversa com pré-candidatos do Podemos, do Novo e do Cidadania. Esmanhoto nega que o objetivo seja alavancar uma bancada simpática ao pré-candidato à Presidência Sergio Moro (Podemos), cujo discurso contrário à corrupção guarda semelhanças com o encampado pelo movimento.

Grupos com atuação à direita e próximos de Moro, o MBL e o VPR (Vem Pra Rua) endossarão candidaturas legislativas. “A renovação com qualidade do Congresso Nacional também é prioridade nas eleições de 2022”, diz Luciana Alberto, porta-voz do VPR.

“Daremos visibilidade a candidatos alinhados com as pautas do VPR, como fim do foro privilegiado, prisão em segunda instância, combate perene à corrupção, avanço das reformas necessárias e Estado mais eficiente, menos inchado”, enumera. Detalhes ainda serão discutidos.

A maioria dos grupos ainda não definiu o número de candidatos, os partidos que os abrigarão e os cargos que serão disputados. As conversas devem avançar após abril, quando termina o prazo de filiação para quem quiser concorrer em 2022.

Para Malu Gatto, “o monopólio dos partidos, de certa forma, foi quebrado por essas iniciativas”, que adquiriram protagonismo em recrutamento e projeção de líderes. “Elas crescem em meio à baixa confiança do eleitorado nos partidos e nas elites políticas tradicionais”, diz a cientista política.

Na análise de Leandro Machado, as legendas “aprenderam a conviver com os movimentos” e já afastaram a hipótese de canibalização. “Inclusive, poderiam usar essas experiências que floresceram na sociedade como exemplo, mas pouquíssimos partidos fizeram isso, de fato, até hoje.”

“É fato que os partidos precisam se aprimorar”, diz a cientista política Mônica Sodré, diretora-executiva da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade). “Muitas organizações surgiram desde 2012, quando a Raps foi criada, e a sociedade civil entendeu que precisa se apropriar do espaço institucional.”

INICIATIVAS QUEREM ABRIGAR CANDIDATURAS EM PARTIDOS EM 2022
Acredito – Movimento, que se define como de renovação política, suprapartidário e progressista, diz que lançará candidatos que tenham justiça social e responsabilidade fiscal. Prega oposição a Jair Bolsonaro (PL)
Coalizão Negra por Direitos – Rede de entidades do movimento negro apoiará candidaturas comprometidas com a bandeira antirracista e demandas da periferia. Alinhamento maior é com partidos de esquerda
Grita! – Movimento de ex-alunos do ITA quer apoiar candidatos ao Congresso que tenham ficha limpa e apoiem, por exemplo, fim do foro especial e prisão após a 2ª instância. Dialoga com nomes de siglas como Podemos e Novo
Livres – Movimento de defesa do liberalismo deverá apoiar membros que já ocupam cargos e tentarão a reeleição, além de novos integrantes que se candidatarem. Grupo tem associados em partidos como Cidadania, Novo e PSDB
MBL (Movimento Brasil Livre) – Buscará a reeleição de cabeças como o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) e lançará outros membros em nível federal e estadual, em São Paulo. Aposta em campanha nas redes sociais
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) – Fará trabalho concentrado para incluir nas urnas nomes de militantes da reforma agrária. Há candidaturas previstas em ao menos 17 estados, por siglas como PT, PC do B e PSB
MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) – Com braços dentro do PSOL, o grupo de Guilherme Boulos deve lançar ou apoiar candidatos a deputado em São Paulo, Pernambuco e Ceará ligados a periferia e a habitação
Mulheres Negras Decidem – Presente em 19 estados e com mais de 200 articuladoras, o movimento quer, em parceria com o Instituto Marielle Franco, fortalecer candidaturas de mulheres negras. Conversa com siglas de esquerda
Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade) – Criou um programa com foco em auxiliar 80 postulantes envolvidos com a causa da sustentabilidade, mas deve ter no total até 200 candidatos. Possui membros em 29 partidos
RenovaBR – Selecionou 150 alunos de todo o país para sua turma de 2021, que teve aulas sobre gestão pública e campanha. Escola, que já atuou em 2018 e 2020, se diz suprapartidária e sem agenda ideológica
Vamos Juntas – Fundado pela deputada Tabata Amaral (PSB-SP), projeto suprapartidário acompanhará 200 mulheres com serviços como mentoria política, apoio contábil e jurídico, suporte psicológico e formação para equipes
Vem Pra Rua – Movimento de rua decidiu apoiar abertamente candidatos ao Congresso em 2022 que defendam suas pautas, como combate à corrupção e reformas estruturantes. Diz que está estudando como será o trabalho
VoteLGBT – Além de pesquisa sobre candidaturas de pessoas LGBTQIA+ e de apoiadores da causa, o grupo oferece capacitação para interessados em disputar eleições, ligados principalmente à esquerda e à centro-esquerda
Vote Nelas – Com representantes nas cinco regiões do país, o movimento suprapartidário estimula a participação feminina na política e oferece, com a ajuda de parceiras, apoio para as campanhas e auxílio psicológico
Joelmir Tavares/Folhapress

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