Uso de vacina Coronavac no Brasil despenca para menos de 10%

Foto: Danilo Verpa/Folhapress/Arquivo

 A vacina que deu início à imunização contra Covid-19 no Brasil e chegou a 85% das doses aplicadas em março, agora tem menos de 10% das aplicações —e não deve ser comprada pelo governo federal no próximo ano. A Coronavac alcançou o braço dos brasileiros em janeiro. Foi o imunizante mais ministrado até abril contra Covid-19, com quase 40 milhões de doses aplicadas nesse período.

Isso significa que idosos, profissionais de saúde, indígenas e outros grupos prioritários foram os principais vacinados com o imunizante produzido pelo Instituto Butantan por meio de um acordo com a farmacêutica chinesa Sinovac. A partir de maio, no entanto, a Coronavac começou a perder participação nas vacinas aplicadas no país contra a doença causada pelo coronavírus.

Agora, de acordo com o Ministério da Saúde, os imunizantes eleitos para combater a pandemia em 2022 são Pfizer e AstraZeneca —e nada de Coronavac. “As duas vacinas foram escolhidas por terem o registro definitivo na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e a aprovação por parte da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS)”, diz a pasta federal em nota.

Trocando em miúdos: o governo federal não pretende comprar Coronavac para aplicação no ano que vem —o que tem preocupado especialistas. A principal questão é que a vacina do Butantan pode ser uma opção para a imunização de crianças abaixo de 12 anos, que deve ter início no ano que vem após aprovação da Anvisa. “Se a Coronavac licenciar para crianças, o governo federal vai deixar de comprar?”, questiona o virologista Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto.

Por enquanto, apenas a vacina da Pfizer foi aprovada pela Anvisa para crianças acima de cinco anos, na última quinta (16). A dosagem será menor do que aquela já utilizada para maiores de doze anos. A vacina terá frascos diferenciados pela cor. Só que as doses infantis ainda não foram compradas pela gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL). Na sexta (17) o governo paulista chegou a encaminhar um ofício à Pfizer comunicando o interesse na compra das vacinas, mas a empresa disse que só negocia com o governo federal.

Já a Coronavac está em avaliação pela Anvisa para aplicação na faixa etária de três a 17 anos. O Butantan entregou uma nova solicitação à agência na quarta (15). A agência tem o prazo de 30 dias para avaliar a solicitação. O pedido anterior, feito em julho, ficou emperrado por falta de dados. Países como China, Chile, Equador e Indonésia usam a Coronavac para crianças e adolescentes. Para o imunologista Gustavo Cabral, pesquisador da USP com investigações no desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19, não podemos “aposentar” a Coronavac justamente por causa da demanda de imunização de crianças e de adolescentes.

“Na luta contra a pandemia, quanto mais somarmos, melhor será o resultado”, diz. “A Pfizer é uma ótima vacina, mas nunca é bom depender de uma única arma, se podemos ter várias que se completam.”
Além de não comprar mais Coronavac para o ano que vem, o Ministério da Saúde recusou recentemente 15 milhões de doses, que estão paradas na fábrica do Instituto Butantan. Depois da negativa federal, o governo de São Paulo anunciou que iria reservar parte dessa sobra para aplicação em crianças e adolescentes —quando isso for aprovado.

De acordo com o Ministério da Saúde, o Instituto Butantan já cumpriu a entrega contratual de 100 milhões de doses da vacina Coronavac. Até o final de novembro, 82,4 milhões de doses da Coronavac tinham sido aplicadas no Brasil na população acima de 18 anos. Isso significa 28,63% de todas as doses —primeira, segunda e doses únicas —ministradas desde janeiro. Em maio, a Coronavac foi ultrapassada pela Astrazeneca, que chegou a 70% das imunizações naquele mês. Depois, perdeu também para Pfizer, que se tornou o principal imunizante contra Covid-19 a partir de agosto.

Para se ter uma ideia, em novembro, 8 em cada 10 doses contra Covid-19 aplicadas no Brasil foram da Pfizer (considerando primeira e segunda doses, além de dose única). Já a Janssen, que começou a ser aplicada em junho com dose única no país —e teve um pico de doses no mês seguinte—, não chega a 2% de todas aplicadas contra Covid-19 até o final de novembro. Em nota à Folha, o governo do estado de São Paulo diz que a “Coronavac é uma vacina segura e eficaz e integra um grupo de imunizantes fundamental para salvar vidas”, mas não se pronunciou especificamente sobre o anúncio de que a vacina não será adquirida pela pasta federal em 2022.

Afirma ainda que “diante da inércia do governo federal, mobilizou estratégias junto ao Butantan para garantir imunizantes e a imunização dos brasileiros. Também de forma pioneira ocorreu o início da vacinação de grupos prioritários no Brasil ainda em janeiro, que só foi possível por esforço do Governo de São Paulo imediatamente após a aprovação da Anvisa para o uso emergencial da Coronavac.” De todos os estados, São Paulo teve a maior participação da Coronavac de janeiro até o final de novembro: a vacina representou 34,1% das doses aplicadas.

Já o Butantan disse, em nota à Folha, que “a produção de vacinas seguirá um planejamento que será acordado com o Ministério da Saúde de acordo com as demandas do país”.

Também reforçou anúncio feito na última terça (7), em evento internacional com a Sinovac, de que a Coronavac será atualizada contra a variante ômicron. A ideia é que a nova versão da vacina esteja disponível em três meses. O retrato da distribuição da vacinação contra Covid-19 por fabricante foi tabulado pela Folha diretamente no DataSUS (sistema de informações do Ministério da Saúde). Isso foi feito antes de o sistema sair do ar nesta sexta (10) por causa de um ataque hacker.

O DataSUS identifica todas as pessoas imunizadas com um código individual, acompanhado de informações sobre idade, grupo prioritário de vacinação, data da imunização e lote da vacina recebida. Foram tabuladas todas as primeiras e segundas doses e doses únicas aplicadas desde o início da campanha vacinal no país, em janeiro, até o último dia de novembro.
Estêvão Gamba e Sabine Righetti, Folhapress

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