Comunidade questiona Réveillon em área de desova de tartarugas na Bahia

Foto: Divulgação/
Festa para 600 pessoas será dentro de área de proteção ambiental em Santo André, distrito de Santa Cruz Cabrália (B
Festas privadas de Réveillon que devem acontecer em balneários do sul e extremo-sul da Bahia viraram alvo de críticas e protestos de comunidades locais e devem ganhar a esfera judicial nos próximos dias. Moradores relatam preocupações com o impacto sanitário das festas, que acontecem em meio ao avanço da variante ômicron da Covid-19 e do surto de gripe que atinge a Bahia, e com as implicações ambientais de eventos com que serão realizados em áreas de proteção.

Na praia de Santo André, distrito de Santa Cruz Cabrália (690 km de Salvador), um grupo de moradores se mobiliza pelo segundo ano consecutivo contra a realização do Réveillon da Vila, evento privado que prevê quatro dias de festa com um público diário de 600 pessoas. O distrito tem uma população de cerca de 800 pessoas. Parte delas busca um turismo sustentável e tem postura crítica a festas organizadas por empresas sem relação com a comunidade local.

Além da preocupação quanto à questão sanitária, que levou associações locais a cancelarem a própria festa de Réveillon organizada pela comunidade e aberta ao público, também há críticas quanto ao possível impacto ambiental da festa privada que será realizada em Santo André. O Réveillon da Vila será realizado na praia das Tartarugas, conhecida por ser uma das principais áreas de desova destes animais e que fica dentro da Área de Proteção Ambiental de Santo Antônio. A região é local de nascimento de cerca de 4.000 tartarugas marinhas por ano.

A realização da festa dentro da área de proteção ambiental foi alvo de manifestações da comunidade, que realizou uma passeata e organizou um abaixo-assinado que coletou cerca de 2.000 assinaturas. Entidades que atuam em defesa do meio ambiente, além da Associação de Moradores de Santo André, fizeram uma série de questionamentos extrajudiciais à prefeitura de Santa Cruz Cabrália, mas não obtiveram retorno. As entidades devem mover uma ação civil pública visando o cancelamento da festa: “Nos causou espanto que a prefeitura tenha autorizado o licenciamento do evento em uma área onde há desova de tartarugas”, afirma a advogada Marcela Browne, que representa as entidades.

Coordenadora do Projeto Maré do Instituto Gea Ética e Meio Ambiente, que atua na proteção das tartarugas marinhas em Santo André, Monica Paoletti afirma que a realização de uma festa em uma região que é praticamente intocada pode trazer consequências irreversíveis o ecossistema local. Ela diz que alteração da vegetação nativa de restinga, além da emissão de luz e de som, não só coloca em risco a desova das tartarugas, mas impacta toda a fauna e flora da região. “A gente também não quer que isso seja uma abertura de portas para que eventos desse mesmo porte ou maiores comecem a se instalar em um local que não tem estrutura e que não precisa disso para sua sobrevivência”, afirma Paoletti.

Presidente da Associação de Moradores da vila de Santo André, Jânio Alcântara também critica os impactos ambientais da festa: “É uma área de extrema importância para a nossa biodiversidade. É um corredor ecológico”, afirma Edimar Soares Oliveira, 46, da Associação de Barraqueiros de Santo André, diz que a comunidade também teme pelas possíveis consequências sanitárias de um evento que deve aumentar vertiginosamente a circulação de pessoas dentro do distrito de Santo André. “Aglomeração não é boa para ninguém. Entendo que esse ainda não é o momento de fazer festa. É o momento de se precaver e aproveitar o verão, mas não com uma multidão de pessoas”, diz, Oliveira, lembrando que a vila tem uma população pequena e com muitos idosos.

Procurado, o secretário de Meio Ambiente de Santa Cruz Cabrália, Fernando Ricaldi, informou que a festa acontecerá em uma área particular e que a prefeitura impôs condicionantes ambientais para autorizá-la. “Haverá uma série de restrições em relação à área de preservação de tartarugas e às áreas de vegetação de restinga”, afirma o secretário, destacando que fiscais da prefeitura vão atuar durante a festa. Em nota, a organização do Réveillon da Vila informou que a festa tem alvará e licença ambiental concedidas pela prefeitura e que todas as ações são pensadas levando em conta os possíveis impactos ao meio ambiente.

Diz ainda que, para a realização da festa, foi necessária a supressão e replantio de sete árvores, o que ocorreu com autorização da prefeitura. “Todas as sinalizações ambientais da restinga e das tartarugas serão mantidas, seguindo o protocolo da licença ambiental. Toda a sonorização e iluminação serão voltadas para a estrada e não para o mar, minimizando os impactos de poluição sonora”, afirmou. A empresa também destacou que trabalha com dezenas de moradores locais que apoiam a realização do Réveillon da Vila: “Infelizmente, o Réveillon da Vila vem sendo denunciado falsamente por diversos aspectos ambientais e sociais. Porém, todas essas denúncias são falsas, visto que a organização está seguindo todos os protocolos ambientais e sociais impostos pela prefeitura”.

Além de Santo André, também houve questionamentos da realização de festas de maior porte em balneários como Boipeba, município de Cairu, e Caraíva, que fica no litoral sul de Porto Seguro. Depois do registro de eventos clandestinos no ano passado, a prefeitura de Cairu autorizou a realização de dois eventos na virada do ano —a festa Amaré, em Morro de São Paulo, e a festa Réveillon Boipeba 2022, na vila de Boipeba. As festas foram proibidas pela Justiça em 2020, que acatou o argumento da Promotoria de que o evento traria riscos para a comunidade por gerar prováveis aglomerações em meio à pandemia.

Este ano, a prefeitura não deferiu o pedido de licenciamento de outras festas que aconteciam na cidade, caso da Mareh NYE. Após um imbróglio judicial com a prefeitura de Cairu, a produtora decidiu realizar a festa na cidade vizinha de Nilo Peçanha. Em Caraíva, a pressão da comunidade fez com que a prefeitura revisse regras para a realização de festas. A vila enfrentou momentos difíceis durante o Réveillon do ano passado, quando ficou apinhada de visitantes, parte deles descumprindo regras sanitárias. O cenário de aglomeração gerou reações, incluindo uma carta aberta enviada à prefeitura de Porto Seguro pela Associação dos Nativos de Caraíva.

Após pressão da comunidade, a prefeitura limitou as festas de fim de ano a um público de 850 pessoas, a despeito do decreto estadual da pandemia em vigor permitir eventos com até 5.000 pessoas.
João Pedro Pitombo / Folha de São Paulo

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