‘As federações são uma burla à cláusula de barreiras’, diz Ademir Ismerim

Foto: Divulgação/Advogado Ademir Ismerim, especialista em Direito Eleitoral
O advogado Ademir Ismerim, especialista em direito eleitoral, avalia que a permissão para a formação das federações partidárias representa uma burla à lei da cláusula de barreiras [norma que impede ou restringe o funcionamento parlamentar ao partido que não alcançar determinado percentual de votos]. Neste final de ano, PT, PCdoB e PSB estudam a formação de uma federação, o que garantiria principalmente a socialistas e comunistas sobrevivência política após as eleições de 2022.

Ismerim aponta ainda que as federações também prejudicam os partidos grandes, pois podem ver na união de siglas menores a formação artificial de partidos maiores. “Eu não vejo uma coisa salutar, porque isso é uma situação que é artificial”, sustenta o especialista em direito eleitoral nesta entrevista exclusiva a este Política Livre.

O advogado também critica a constante judicialização da política, em que vê aqueles que são derrotados no jogo político buscarem a Judiciário para barrar decisões tomadas pela maioria do Parlamento. “Muitas vezes até uma opinião do presidente é questionada da justiça”, critica. Ismerim também fala da possibilidade de doação para campanhas via Pix e ainda critica a falta da verticalização na formação de coligações para as eleições majoritárias, o que permite anomalias como o apoio de um mesmo partido a distintos candidatos à Presidência da República a depender dos Estados.

Confira os principais trechos da entrevista:

Política Livre – Foram aprovadas as federações partidárias e alguns partidos caminham para formá-las. O senhor vê esse modelo como melhor do que o anterior das coligações?

Ademir Ismerim – A formação das federações na verdade é um burla ao que já havia sido proibido anteriormente com a proibição das coligações. É uma burla à lei que instituiu a cláusula de barreira porque muitos partidos que vão poder participar de federações, provavelmente, não venceriam a cláusula de barreira.

Mas esse fim das coligações também traz dificuldades até para alguns partidos grandes. A maioria não possui militância e sequer possuem puxadores de votos em quantidade de forma a garantir a reeleição das bancadas atuais.

A federação prejudica inclusive os grandes partidos. Se você juntar três, quatro, cinco partidos para fazer uma federação, ela vai ficar maior que um partido grande. Então eu não vejo uma coisa salutar, porque isso é uma situação que é artificial: quando você coloca os partidos menores e, em uma federação, eles podem se tornar até mais do que um partido grande.

Então aquilo que foi feito, pelo menos de acordo com o transmitido à opinião pública, para sanar um problema foi, na verdade, mais uma distorção do sistema?

Exatamente. A cláusula de barreira na eleição passada, há quatro anos, era de 1,5%, e alguns não conseguiram, a exemplo do PCdoB, e tiveram que se incorporar a outros. A cláusula de barreira dessa eleição que vem é 2%. E então provavelmente outros partidos não alcançaria esse percentual e as federações viabilizam isso, que alcancem essa cláusula de barreira e se tornem grandes artificialmente.

Também foi alterada a divisão do tempo da propaganda partidária. Antes um terço era destinado igualmente aos partidos e agora isso foi reduzido para 10%. Isso não amplia o privilégio dos partidos com as maiores bancadas?

Os partidos maiores têm direito a mais tempo justamente pelo fato de serem maiores; eles têm a maior bancada. Como é feita a divisão? Você divide o tempo de televisão pelos 513 deputados e depois multiplica por cada bancada [para definir o tempo de cada partido]. Esse é um critério justo. Há um tempo igualitário – tudo bem – mas para viabilizar qualquer partido de participar da propaganda, mas não pode dar a um partido que tem cinco deputados o mesmo tempo de outro que tem 50. É uma norma já muito antiga, mas que atende às expectativas.

Sem a verticalização, o que vai continuar a ser observado nessas próximas eleições é aa situação de partidos que nacionalmente apoiam um candidato a presidente, mas nos estados apoiam até opositores? O senhor entende que isso é uma característica da política brasileira que não tem como mudar?

Isso na verdade é causado pela falta de identidade dos partidos. Muitas vezes o partido tem um cidadão em grupo A em um estado e em um grupo B em outro, com posições ideológicas diferentes, com interesses políticos diferentes. A legislação não adotou a chamada verticalização, quando os partidos seriam obrigados nos estados a repetir as coligações [nacionais]. Então fica essa coisa nublada, onde você pode ter um partido em cada estado apoiando candidatos até adversários. Imagine, por exemplo, algum partido apoiar um candidato a presidente lá no Maranhão e, de repente, apoiar outro candidato a presidente na Bahia. É realmente um negócio absurdo, mas essa é o ‘jeitinho brasileiro’.

O senhor vê possibilidade de isso mudar, uma vez que o chamado “centro democrático”, ou Centrão, é que define estas mudanças na legislação eleitoral?

Eu não vejo perspectiva de mudança porque não tem interesse político. O interesse político deles é justamente que eles possam negociar da melhor forma possível, para eles. Independente da questão ideológica.

Há uma série de ações contra o presidente Jair Bolsonaro. Uma delas, de autoria da Rede, quer responsabilizar o presidente pelas agressões à imprensa. O senhor acha que isso pode causar inelegibilidade do presidente em caso de condenação? Vê tempo hábil pra que isso aconteça?

Eu acho que infelizmente o processo [político] brasileiro, não só o eleitoral, está muito judicializado. Muitas vezes até uma opinião do presidente é questionada da justiça. Há anos atrás a gente sabia de cor os onze jogadores da seleção brasileira. Hoje você não sabe, mas sabe qual o nome dos onze ministros do Supremo porque todo dia tem questionamento. Agora, a culpa disso não é do judiciário, mas dos próprios congressistas – há certas coisas que os partidos não estão satisfeitos, mas têm que propor [ações] no ambiente próprio, no legislativo. Agora, os partidos pequenos que perdem suas batalhas no legislativo e depois vão para o judiciário.

E a questão da inelegibilidade de Bolsonaro?

Do ponto de vista da inelegibilidade de Bolsonaro, eu acho que não temos elementos. Nós temos alguns caminhos pra levar à inelegibilidade: tem um abuso de poder político, quando você tem alguém no cargo que pratica o abuso, que muitas vezes está muito escancarado. Por exemplo: prefeitos que são cassados quando dão determinadas coisas ao eleitor. E aí você ouve falar que está sendo dada ajuda emergencial com objetivo eleitoral: isso aí não poderia, mas, na verdade, a lei faculta que o gestor dê essas ajudas, esses programas sociais. O que tem que fazer é a apuração daquilo que foi passado para a sociedade. Mas o artigo 73 da lei 9504 apresenta algumas permissões e proibições. Então, dentro daquilo que é permitido, não vejo hipótese de tornar o candidato inelegível. Há também o abuso de poder econômico, que pode ser praticado por qualquer um, que consiste em utilizar recursos de forma irregular, fora do que lei eleitoral prevê.

Falando até dessa questão de abuso de poder econômico, a gente vê muitos deputados e senadores da base do presidente sendo beneficiados com emendas do chamado ‘orçamento secreto’ que são muito maiores que aquelas legais, impositivas. Isso não seria uma forma de abuso de poder econômico e político que pode desequilibrar as eleições?

Eu acho que não porque, em que pese algumas coisas serem absurdas, tem previsão legal. Uma revisão legal. Agora como é que é distribuído isso é que nem eu nem você sabemos.

O senhor presidiu a comissão eleitoral das eleições agora da OAB-BA que resultaram na manutenção do comando da Ordem aqui na Bahia no no grupo Luiz Viana. Como o senhor avalia o papel da Ordem no estado?

A Ordem dos Advogados tem cumprido o seu papel, inclusive nesse período de pandemia, lutando para que os tribunais funcionem, pra que se nomeiem mais juízes, sempre em acordo com o Tribunal de Justiça da Bahia. E se um grupo ganhou é porque ele tá sendo aprovado, e dentro do seu poder, da sua capacidade, elegeram uma candidata do mesmo grupo. Foi uma disputa bem acirrada, inclusive teve com diminuição da diferença de votos; na outra eleição avança, foi muito maior essa diferença. Isso demonstra que houve debates, discussões, acirramento de campanha. Aliás como ocorreu em campanha normal: não é porque são advogados que vai mudar o quadro.

Voltando à questão das eleições, como o senhor vê essa possibilidade de doação para campanha via Pix?

Olha, é bom porque você tem uma facilidade da fiscalização. A justiça eleitoral tem que ter acesso a uma série de dados, então o próprio eleitor facilita [doando via Pix]. Agora é evidente que os partidos vão ter que se organizar para poder ter um um setor de contabilidade bom, ágil e dar assessoria aos candidatos, porque essa essa doação por Pix pode ser feita de qualquer lugar. Por exemplo, imagine que o Pix é de alguém que é proibido doar; se não houver uma fiscalização, acaba o candidato respondendo. Por isso que tem que ter uma organização.

Também houve mudança sobre a questão dos disparos em massa de propaganda eleitoral.

Sim. Essa é outra novidade. Os disparos em massa foram proibidos agora pelo TSE, que endureceu, e agora não se pode mais utilizar os robôs.

Mas isso é bem complicado controlar, não?

É complicado controlar, mas os partidos vão ter que ter organização, na parte jurídica, para fiscalizar isso. Na verdade é difícil controlar se a justiça eleitoral estiver sozinha. Só que a justiça eleitoral recebe sempre ajuda dos partidos, porque um fiscaliza o outro, um denuncia o outro. O importante é saber que esses disparos em massa, que foram inclusive muito utilizados na eleição passada, eles estão proibidos. Aí a forma de fiscalização e de que pena que pode ser aplicado, com o decorrer do tempo a gente vai saber como é que funciona.
Davi Lemos

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