Países que acreditavam ter superado pior fase da Covid vivem pesadelo

Foto: AFP/Folhapress/
Coveiros carregam caixão de vítima da Covid-19 em cemitério de Bekasi, na Indonésia

Na Indonésia, coveiros trabalham até de noite, e os estoques de oxigênio e de vacinas estão muito baixos. Na Europa, países fecham as portas de novo, impõem quarentenas e proíbem algumas viagens. Em Bangladesh, trabalhadores de confecções que fugiram de um lockdown iminente quase certamente estão semeando mais um surto de coronavírus em suas aldeias pobres.

E em países como Coreia do Sul e Israel, que pareciam ter amplamente vencido o vírus, novos núcleos da doença proliferaram. As autoridades de saúde chinesas anunciaram na segunda-feira (28) que construirão um centro de quarentena gigante, com até 5.000 quartos, para abrigar viajantes internacionais. A Austrália ordenou que milhões de pessoas fiquem em casa.

Um ano e meio desde que começou a percorrer o mundo com eficácia cada vez maior, a pandemia está aumentando de novo em vastas áreas do mundo, impelida sobretudo por novas variantes, especialmente a muito contagiosa variante delta, identificada primeiro na Índia.

Da África à Ásia, países sofrem com números recordes de novos casos e mortes por Covid-19, enquanto países mais ricos, com altos índices de vacinação, baixaram a guarda, dispensando o uso obrigatório de máscaras e desfrutando uma vida próxima da normalidade.

Cientistas dizem acreditar que a variante delta pode ser duas vezes mais transmissível que o coronavírus original, e seu potencial de infectar algumas pessoas parcialmente vacinadas alarmou as autoridades de saúde pública. Populações não vacinadas, seja na Índia ou em Indiana, podem servir como incubadoras de novas variantes que podem evoluir de maneiras surpreendentes e perigosas, como a delta, que originou o que pesquisadores indianos estão chamando de delta plus. Há também as variantes gama e lambda.

“Estamos em uma corrida contra a disseminação das variantes do vírus”, disse o professor Kim Woo-joo, especialista em doenças infecciosas na Universidade Hospital Guro em Seul, na Coreia do Sul.

As discussões políticas que se travam da Malásia às Ilhas Seychelles —se é necessário impor lockdowns e o uso de máscaras— começam a ecoar em países com muito mais recursos, incluindo grande número de vacinas. Na segunda, autoridades de Los Angeles, onde as infecções pela variante delta estão crescendo, pediram aos residentes, mesmo os já vacinados, que usem máscaras em ambientes fechados. (Muitos cientistas, porém, disseram que elas não são necessárias em áreas onde o vírus não está disseminado.)

Enquanto novas imagens do Nepal ou do Quênia de UTIs lotadas e médicos morrendo trazem memórias terríveis para o Ocidente, não está claro se também oferecem uma percepção do futuro.

A maioria das vacinas existentes parece ser eficaz contra a variante delta, e pesquisas iniciais indicam que os infectados provavelmente desenvolverão formas brandas ou assintomáticas da doença. Mas mesmo nos países mais ricos —exceto em um punhado deles com populações pequenas—, menos da metade das pessoas está totalmente imunizada. Especialistas dizem que com as variantes se espalhando são necessários índices de vacinação muito maiores e precauções continuadas para controlar a crise.

A fumaça que voltou a se erguer dos crematórios em países menos ricos salientou o abismo entre os que têm e os que não têm. Vastas desigualdades em desenvolvimento econômico, sistemas de saúde e —apesar das promessas de líderes mundiais— acesso às vacinas tornaram o último surto muito maior e mais mortífero. “Os países desenvolvidos usaram os recursos disponíveis porque eles possuem os recursos e querem proteger suas populações primeiro”, disse Dono Widiatmoko, palestrante em saúde e assistência social na Universidade de Derby e membro da Associação de Saúde Pública da Indonésia. “É natural, mas, se olharmos de um ponto de vista de direitos humanos, toda vida tem o mesmo valor.”

E, como as autoridades de saúde pública continuam repetindo e a pandemia continua provando, enquanto uma região estiver afetada, nenhuma parte do mundo estará segura.

Enquanto a variante delta provocou o caos na Índia, quando a pandemia matou mais de 200 mil pessoas —contagem oficial que é amplamente considerada abaixo da realidade— e paralisou a economia, também saltou fronteiras nacionais, infectando escaladores no monte Everest, manifestantes pró-democracia em Mianmar e viajantes que chegaram ao aeroporto internacional de Londres. Hoje, ela foi detectada em ao menos 85 países e é a variante que predomina em partes da Europa, da Ásia e da África.

A transmissibilidade feroz da variante ficou totalmente evidente na Indonésia, o quarto país mais populoso do mundo. Em maio, as infecções lá estavam em seu nível mais baixo desde que o país foi atacado pela pandemia no ano passado. No final de junho, a Indonésia sofria um número recorde de casos, porque a variante delta predominou depois de um feriado religioso que espalhou viajantes pelo arquipélago. Na terça-feira (29), o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho advertiu que o país está “à beira da catástrofe”.

Menos de 5% dos indonésios foram totalmente vacinados, e profissionais médicos da linha de frente foram imunizados com a Coronavac, fabricada pela Sinovac, vacina chinesa que pode ser menos eficaz que outras. Pelo menos 20 médicos indonésios que receberam as duas doses da Sinovac morreram. Mas, com os países ocidentais acumulando vacinas que parecem ser mais potentes, países como Indonésia e Mongólia não tiveram opção além das abundantes alternativas chinesas.

Na semana passada, as autoridades de Hong Kong suspenderam voos de passageiros da Indonésia, e estão fazendo o mesmo com viagens originárias do Reino Unido desde quinta-feira (1º).

Em maio, Portugal tentou ressuscitar sua indústria de turismo, recebendo novamente os turistas britânicos, ávidos por sol, apesar de registros da disseminação da variante delta no país. Algumas semanas depois, o governo britânico instituiu a quarentena para viajantes que chegavam de Portugal, incluindo os britânicos que voltavam de férias.

Com os casos da variante delta aumentando acentuadamente, Lisboa entrou em lockdown de fim de semana, e a Alemanha considerou Portugal uma “zona de variante de vírus”. Agora Portugal recuou em suas boas-vindas aos turistas e está exigindo que britânicos não vacinados fiquem em quarentena.

Em Bangladesh, cientistas descobriram que quase 70% das amostras de coronavírus na capital, Daca, colhidas entre 25 de maio e 7 de junho, eram da variante delta. Os índices de positividade dos testes de coronavírus nesta semana ficaram em torno de 25%, comparados com 2% nos Estados Unidos.

Na quarta, Bangladesh registrou sua mais alta contagem diária de casos. Os números parecem destinados a subir mais, pois trabalhadores migrantes retornaram a suas aldeias antes do lockdown nacional em 1º de julho, potencialmente expondo essas comunidades ao vírus.

Folhapress

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