Tensão com Bolsonaro leva STF a fazer acenos e buscar apoio do Congresso

Foto: Gervásio Baptista/STF

O STF (Supremo Tribunal Federal) tem dado sinalizações em direção ao Congresso Nacional e à classe política em busca de respaldo à sua atuação diante de brigas recorrentes com o presidente Jair Bolsonaro.

A avaliação de ministros da corte é que este não é o momento de entrar em disputas com o Legislativo e que é importante manter uma boa relação com o Congresso, que pode ser o fiel da balança caso a tensão entre Executivo e Judiciário aumente.

Alguns gestos foram feitos nos últimos dias nesse sentido. Em 10 de maio, o Supremo ampliou o foro especial de senadores e deputados nos chamados mandatos cruzados.

O tribunal definiu que, nos casos em que senadores e deputados trocam de uma Casa Legislativa para outra, não há mais perda do benefício.

Entendimento oposto a esse já havia sido adotado diversas vezes, como no envio de uma investigação contra o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) à primeira instância porque o caso se referia a condutas dele quando era senador.

Se a situação do congressista chegasse hoje à corte, a jurisprudência determinaria a manutenção do caso no Supremo.

Em outro movimento para prestigiar o Congresso, o STF esfriou a discussão interna sobre a Lei de Segurança Nacional e tem preferido evitar o julgamento do assunto para dar protagonismo ao Congresso nesse debate.

Na corte, há consenso sobre a inconstitucionalidade de alguns trechos da legislação de 1983, época em que ainda vigorava a ditadura militar. No entanto, como o tema voltou ao foco do Legislativo, a ideia no Supremo é aguardar os debates no Parlamento.

Os arquivamentos de inquéritos e as decisões contrárias à Lava Jato também têm agradado a classe política.

Em março, a Segunda Turma do STF arquivou o inquérito do “Quadrilhão do PP”, que apurava esquemas de desvios de recursos da Petrobras.

Com isso, integrantes da cúpula do centrão, grupo que dita o ritmo do Congresso, deixaram de ser investigados.

Foram beneficiados da decisão o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), os deputados Eduardo da Fonte (PP-PE) e Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e o senador Ciro Nogueira (PP-PI).

Em outro movimento para agradar a cúpula do Legislativo, o ministro Dias Toffoli tem evitado a abertura de uma ação penal contra Lira por causa de um pedido de vista feito em um julgamento em novembro de 2020.

Quando o ministro interrompeu a análise do caso, a Primeira Turma já tinha maioria para aceitar uma denúncia contra o deputado sob acusação de corrupção passiva em um processo que investiga se ele recebeu R$ 106 mil em propina.

Mais de seis meses depois, Toffoli ainda não liberou o inquérito para conclusão do julgamento, o que tem postergado a abertura da ação penal.

Até a decisão do STF que obrigou o Senado a instalar a CPI da Covid, que inicialmente foi vista por uma parcela do Legislativo como uma intromissão do Supremo, hoje é interpretada de forma diversa.

Na visão da maioria do Congresso, o Supremo fortaleceu o Legislativo na relação com o Palácio do Planalto, que, diante do desgaste gerado pela comissão, tem se visto obrigado a intensificar as negociações com o Senado.

Na visão de congressistas, até mesmo a prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), ordenada pelo ministro Alexandre de Moraes e depois confirmada por unanimidade pelo plenário da corte, foi calculada pelo Supremo.

Primeiro, porque atingiu mais a militância bolsonarista do que o Congresso em si. Segundo, por se tratar de um deputado sem relevância no cotidiano da relação entre os Poderes.

Isso ficou claro, inclusive, no julgamento do caso no plenário da corte, quando o presidente do tribunal, ministro Luiz Fux, chegou a esquecer o nome do deputado.

Além dos julgamentos, também houve uma aproximação do STF com os atores que têm influência no Congresso nos bastidores após o julgamento do fim de 2020 que vetou a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara e de Davi Alcolumbre (DEM-AP) no comando do Senado.

Os ministros da corte simpatizavam com a gestão de ambos, principalmente de Maia, que se contrapunha abertamente a Bolsonaro nos momentos em que o presidente fazia ofensivas contra o STF.

O julgamento ficou 7 a 4 contra a recondução de Maia e 6 a 5 contra Alcolumbre.

Após o veto à possibilidade de ambos disputarem a reeleição, integrantes do STF se aproximaram da composição da nova Mesa Diretora do Congresso.

Quando o ministro Luís Roberto Barroso determinou a instalação da CPI da Covid —o que foi referendado pelo plenário depois—, por exemplo, o chefe do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) fez questão de afirmar de prontidão que cumpriria a ordem do magistrado.

Lira também procura não desagradar o STF, mas, por ter uma base de apoio na Câmara mais vinculada ao governo, em alguns momentos não consegue evitar reveses à corte na Casa.

Isso ocorreu, por exemplo, quando ministros do STF pressionaram a Câmara para que a deputada Bia Kicis (PSL-DF), apoiadora de Bolsonaro, não fosse eleita presidente da CCJ (Comissão de Constituição de Justiça).

Em momentos mais importante, porém, a vontade de Lira prevaleceu, como na votação da Câmara pela manutenção ou não da prisão de Silveira.

Formado em direito e doutor em ciência política, Christian Lynch afirma que o Congresso se tornou o campo de disputa entre Bolsonaro e o STF e que ambos fazem movimentos na tentativa de conquistar o apoio do Legislativo.

Segundo Lynch, o chefe do Executivo, para “evitar o impeachment e se aguentar no poder e quem sabe se reeleger”, buscou apoio do Congresso e passou a oferecer “o oposto que propôs na campanha, a impunidade”.

“E o Supremo não pode ficar para trás, então o que ele faz: começa a correr devagar todos os processos de personagens importantes, muda jurisprudências, acaba de enterrar a Lava Jato. Eles também negociam”, diz.

Na visão dele, quem ganha são os congressistas, que conseguem o que querem, “impunidade e verba”.
Folhapress

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