STF deve parar de governar e deixar política para políticos, diz ex-presidente do TJ-SP apoiador de Bolsonaro

Foto: Dvulgação/Folha-UOL
Apoiador de Jair Bolsonaro, o desembargador aposentado Ivan Sartori, 64, endossa o discurso do presidente contra o STF (Supremo Tribunal Federal) e diz que a corte pratica ativismo político. O ex-presidente do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) já foi cotado para ministro do tribunal.

“O STF deveria retornar para as suas atribuições constitucionais e deixar que os políticos resolvam a questão política e os destinos do Brasil”, afirma à Folha. O ex-magistrado foi candidato a prefeito de Santos pelo PSD em 2020, com o apoio do presidente, e terminou em segundo lugar.

Sartori defende que Bolsonaro indique para o STF um juiz de carreira, como ele, mas nega estar em campanha por uma vaga. A próxima substituição será a de Marco Aurélio Mello, que se aposentará em julho. O presidente afirmou querer nomear um ministro “terrivelmente evangélico”.

Sartori, que é católico, diz que “a Constituição não menciona absolutamente nada” sobre religião do escolhido, mas que a definição cabe ao titular do Planalto e deve ser respeitada.

O ex-chefe do TJ-SP afirma ainda que Bolsonaro “fez tudo o que pôde” para combater a pandemia da Covid-19. Para ele, o presidente não pode ser responsabilizado porque “foi alijado pelo STF” da gestão da crise, ecoando a tese bolsonarista de que a corte transferiu a tarefa para estados e municípios.

Por que, na sua visão, a maioria dos candidatos apoiados por Bolsonaro em 2020 não foi eleita? O apoio dele me ajudou, contribuiu para o meu número de votos. Estamos vendo hoje que o presidente está com uma grande popularidade, mas ele não se envolveu a fundo nas campanhas. Foi uma ajuda bem discreta.

Cogita migrar para o partido ao qual o presidente vai se filiar e se candidatar em 2022? Estou analisando a situação ainda. Nem sei se continuo na política. Tenho de conversar com o presidente do meu partido [Gilberto Kassab], que foi bastante atencioso comigo.

Concorda com a previsão de Kassab de que a atuação de Bolsonaro na pandemia pode tirá-lo do segundo turno? Acho que o presidente em 2022 vai vencer a eleição. Está com uma popularidade altíssima. Com todo respeito à opinião e à experiência do Gilberto Kassab, penso que nessa afirmação ele está enganado.

As pesquisas mostram, na verdade, que o presidente sofre de impopularidade. O sr. diz que ele está popular com base em quê? Digo com base nos movimentos de rua que nós vimos aí. E as pesquisas, a gente tem que ver também… Vi aqui muitas pesquisas que colocavam candidatos na minha frente e que, na verdade, não estavam. Mas, pelo que a gente vive no dia a dia, o presidente continua bastante popular. É o que eu sinto, né?

O resultado da CPI da Covid até aqui tem sido negativo para o governo. Como avalia o desempenho de Bolsonaro na crise? O presidente foi completamente alijado da gestão dessa crise e não pode ser responsabilizado por nada. O Supremo simplesmente transferiu para os estados e municípios isso tudo.

Além disso, os recursos que ele enviou já mostraram bem que o presidente estava preocupado com a situação e querendo resolver a crise. Na questão das vacinas, quando o presidente tomou conhecimento da possibilidade de liberação, e ainda com risco, ele as liberou.

Essa CPI, a gente sabe que é política. Os integrantes são [em parte] contrários ao governo e já manifestaram entendimento parcial. Querem que a coisa seja negativa para o governo. Precisaria ser uma CPI ampla, que investigasse como estados e municípios estão aplicando os recursos.

O Supremo declarou competências concorrentes (equivalentes), o que não necessariamente eximia o governo federal de atuar. O sr. vê o contrário? Na verdade, a competência concorrente dos estados e municípios, pela Constituição, é uma competência suplementar. Do jeito que ficou, o Supremo praticamente transformou a Federação em uma confederação. O presidente não pôde exercer nenhum poder sobre a gestão. Tanto que era contrário a medidas como lockdown e não pôde fazer nada.

A bem da verdade, se ele estivesse errando, eu falaria. Mas ele mandou os recursos necessários, fez de tudo para que os estados e municípios se aparelhassem na área da saúde. E no final de tudo nós vimos esses desmandos que aconteceram aí: hospitais de campanha sendo montados e desmontados.

A única coisa que alguém pode falar alguma coisa do presidente é a questão da máscara. Ele poderia ter usado. Agora, minimizar a pandemia, isso não foi só ele. Foi a [TV] Globo, o [governador João] Doria, o [médico] Drauzio Varella. Todo o mundo minimizou. Inclusive, houve o Carnaval. O presidente já havia decretado estado de emergência, e os políticos não observaram.

O sr. pretende tomar a vacina? Vou tomar sim, preciso tomar. Eu estava em viagem, em trânsito. Minha obrigação como cidadão é tomar a vacina.

Bolsonaro interferiu indevidamente em outro Poder ao, em telefonema com o senador Kajuru, aconselhá-lo a pedir impeachment de ministros do STF como resposta à CPI contra o governo? Acho que não. Conversar com um senador e querer convencê-lo a ir para uma determinada posição é um trabalho político. O senador vai para a posição que ele achar. Interferir é bem diferente.

Alguns dos pedidos de impeachment de Bolsonaro têm como base interferências. Vê chance de algum deles prosperar? Não vejo seriedade em nenhum. A Dilma e o Lula foram alvo de uma série de pedidos de impeachment. Isso é fruto da oposição, é política, é natural.

O STF atua como anteparo constitucional, como defende a oposição, ou tem sido um agente político, como diz o governo? Acho que o STF está, sim, se desviando um pouco das suas atribuições constitucionais. Com o ativismo, está mais para o lado político. O STF deveria retornar para as suas atribuições e deixar que os políticos resolvam a questão política e os destinos do Brasil. Embora o STF também seja órgão de direção nacional, ele o é de forma complementar, na retaguarda. E me parece que o STF está governando o país. Praticamente dita o que o presidente, a administração, deve ou não fazer.

Concorda com as críticas do presidente e de outros membros do governo ao STF, pedindo inclusive impeachment de ministros? Esse é o caminho? Não, não. Não posso analisar a coisa dessa forma. Isso é uma questão que precisa se resolver pelo lado político. Os ministros foram nomeados regularmente e não tem por que se falar nisso agora. Agora, se há pedidos de impeachment lá no Congresso, precisam ser pelo menos analisados. Já seria uma satisfação para o povo.

O presidente, em recado ao STF, disse que nenhum Poder deveria ousar contestar medidas que ele eventualmente tome. É correto agir dessa maneira? Olha, o que eu acho é que o presidente está fazendo uma boa administração. Agora, se ele extrapola no discurso, isso é uma questão pessoal dele, e o povo que analise. É lógico que excesso de linguagem prejudica um pouco o relacionamento entre os Poderes, mas o presidente tem o jeito dele e foi eleito por causa desse jeito. Agora, de ataques pessoais a ministros eu não me lembro. Pode ter falado uma coisa ou outra, mas não foi ofensa pessoal.

O sr., que já foi recebido pelo presidente no Planalto, fala com ele sobre o quê? É uma conversa amena, coloquial. Simplesmente existe ali uma simpatia mútua.

Já teve alguma conversa com ele sobre ser indicado para o STF? Por enquanto nós não tivemos nenhum tema concreto a respeito desse assunto. Não houve nenhuma definição, promessa, absolutamente nada.

E gostaria de ser indicado? Sim, lógico. Todo juiz de carreira gostaria de um dia chegar à corte máxima. Isso para mim, evidentemente, seria o ápice. A gente sempre aspira.

O sr. é católico, mas o presidente diz querer um ministro “terrivelmente evangélico”. Penso que as nomeações para o Supremo têm que ser de acordo com a Constituição, [que prevê] reputação ilibada, notável saber jurídico. Acho que seria interessante agora um juiz de carreira no Supremo. Nós só temos dois lá, o Luiz Fux e a Rosa Weber.

Por quê? Porque um juiz já está acostumado com as lides, as demandas do dia a dia. É técnico, extremamente técnico. Isso pode contribuir para que o Supremo volte mais para as suas atribuições constitucionais.

Juiz de carreira lida melhor com pressões externas? O sr. foi criticado no julgamento do massacre do Carandiru [ao votar, em 2016, pela absolvição dos 74 PMs, invocando a tese de legítima defesa]. Minha posição foi técnica. Proferi um voto de cem laudas e agi de acordo com as provas nos autos. Como juiz, sempre primei por minha independência e lutei para que a autonomia dos juízes fosse respeitada.

A religião deveria ser levada em conta na escolha para o STF? O que penso é que deve ser observada a Constituição. Agora, se for evangélico, se for católico, ou de qualquer outra religião, isso a Constituição não menciona absolutamente nada. É escolha do presidente, e a gente tem que respeitar.

O sr. se declara bolsonarista? Eu não sou bolsonarista. Respeito aquele que foi eleito pelo povo, por expressiva maioria. Que exerça o poder até o final, como os outros presidentes que não foram “impeachmados” exerceram. Que se respeite a vontade popular, é só isso que eu penso.

Em 2018, ainda na ativa, o sr. postou o slogan de campanha de Bolsonaro, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) abriu um procedimento que acabou arquivado. Qual foi a sua justificativa? Antes de ser magistrado, sou também cidadão. Eu tinha o direito de escolher o destino da minha nação. O governo passado havia espoliado completamente o Estado, os cofres públicos, e eu queria mudança. Já que surgiu um nome forte, que sempre se mostrou honesto, o presidente Bolsonaro, eu achei que teria uma mudança interessante, como estou vendo que está tendo.

RAIO-X

Ivan Sartori, 64

Formou-se pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie em 1979. Tornou-se juiz em 1980 e desembargador em 2005. Foi presidente do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) entre 2012 e 2013 e se aposentou em dezembro de 2019. Candidato a prefeito de Santos pelo PSD em 2020, com o apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), terminou em segundo lugar, com 18,6% dos votos válidos.​

Joelmir Tavares, Folhapress


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