Na Venezuela, 9 em cada 10 famílias saíram da classe média nos últimos anos

Foto: Carlos Garcia Rawlins/
País é formado por maioria que se encontra em extrema pobreza que, segundo vários estudos, atinge 80% da população, e um pequeno grupo que pode ter acesso a determinados 'privilégios'

 Do ponto de vista político, econômico e social, a Venezuela é hoje uma nação dividida em duas partes muito distintas. O país sul-americano está politicamente polarizado há quase 20 anos e a desigualdade socioeconômica é cada vez mais acentuada.

Já não se trata apenas de adversários e chavistas, mas a realidade mais palpável é a das classes sociais. Uma maioria que se encontra em extrema pobreza que, segundo vários estudos, atinge 80% da população, e um pequeno grupo que pode ter acesso a determinados “privilégios”.

“E hoje, cerca de 9 em cada 10 famílias consideradas de classe média no início da década não são mais”, acrescenta o documento da empresa que usa vários conceitos para defini-lo, incluindo um estudo do Banco Mundial de 2011 que considera este setor como o que possui renda que lhe permite se proteger de eventos negativos e com certo grau de estabilidade econômica.

Alguns economistas e políticos veem este último setor como um grupo de “elite” que se enriqueceu, enquanto que para outros é o restante de uma classe média que, dizem, está prestes a desaparecer e para a qual não existem dados oficiais, nem existe uma definição adequada.

De acordo com o mais recente estudo sobre a classe média venezuelana, publicado em fevereiro passado pela consultoria Anova Policy Research, a renda média real desse setor da sociedade, “independentemente” da definição do conceito utilizado, caiu mais de 70% desde 2010.

Essa teoria define o limite de renda inferior em US$ 10 per capita por dia e o mais alto em US$ 50, ajustado pela paridade do poder de compra. Segundo esse e os dados da empresa, o porcentual da população que vivia com essa faixa de renda passou de 62% em 2010 para 15,5% em 2020.

A consultoria esclarece que para chegar à conclusão da queda “abrupta e sustentada” da classe média fez uma fusão de várias teorias e pesquisas de ONGs na Venezuela sobre as famílias e observa que a erosão para esse setor começou em 2013 com o “choque de renda”.

Desde aquele ano, a Venezuela vem enfrentando uma forte contração econômica que especialistas da área ligam às políticas implementadas pelo governo do presidente Hugo Chávez (morto em 2013) e continuou com seu sucessor Nicolás Maduro.

O economista e ex-deputado Ángel Alvarado sintetiza essas políticas em três: a destruição dos direitos econômicos (a queda do salário mínimo, que hoje é de menos de US$ 1, a expropriação de empresas e, com ela, o desaparecimento de empregos), o grande endividamento do país e a destruição da indústria petroleira.

“A classe média basicamente é destruída quando empregos são destruídos e empregos são destruídos quando a economia entra em contração econômica”, disse Alvarado, que argumenta que esse setor “desapareceu” na Venezuela.

A disparidade

No país caribenho, há setores nas grandes cidades em que a crise parece inexistente. A ascensão de pequenas novas empresas, a venda de produtos importados e os veículos que acabaram de ser lançados – uma indústria paralisada há anos – são uma amostra desse setor da sociedade que possui certos privilégios.

São pessoas que também têm acesso a serviços de melhor qualidade, embora eles falhem no restante do país. Seu poder aquisitivo permite combater a falta de energia com usinas, pagar um caminhão-pipa para fazer frente à falta desse recurso ou um serviço de internet mais estável do que o oferecido pelo Estado.

Mas apesar de terem poder aquisitivo para combater os estragos da crise, suas condições de qualidade de vida também são afetadas, pois há situações inevitáveis mesmo com dinheiro.

O outro grande setor dificilmente pode acessar qualquer um desses “privilégios”. Segundo dados da Pesquisa de Condições de Vida (Encovi), realizada por universidades do país, 80% da população está em extrema pobreza.

O estudo leva em consideração a renda mínima da população, a desnutrição, serviços, educação, emprego ou condições de moradia, entre outras.

Essas pessoas não chegam a receber uma cesta básica de alimentos e muito menos conseguem consumir proteínas, como carne vermelha ou frango, além de enfrentar dias sem água, luz, gás ou internet.

Estadão

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