De ‘nata do que não presta’ à base aliada, centrão explica adesão a Bolsonaro

Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

Na campanha de 2018, Jair Bolsonaro, então no PSL, dizia que os dirigentes do centrão eram “a alta nata de tudo o que não presta no Brasil”. Chegando ao poder, o presidente atravessou 2019 em conflito com esses partidos. Já 2020 ficou marcado como o ano em que eles fizeram contato.

Em busca de sustentação no Congresso para aprovar projetos e reduzir os riscos que poderiam abreviar seu mandato, Bolsonaro distribuiu cargos para o centrão e tornou essas siglas a espinha dorsal de sua base política.

O presidente, que no início do ano passado participava de manifestações que pediam o fechamento do Congresso, abandonou o embate com os partidos tradicionais. Como resultado, recebeu apoio até de antigos críticos.

Nesta segunda-feira (1º), dois nomes apoiados por Bolsonaro aparecem como favoritos para as eleições no Congresso: Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no Senado, e Arthur Lira (PP-AL), na Câmara —esse último o principal líder do chamado centrão, bloco de partidos de centro e de direita conhecidos como adeptos do ‘tomá lá, dá cá’ (apoio em troca de cargos e verbas).

Dirigentes e líderes dizem que a aproximação com o governo em 2020 foi possível porque Bolsonaro corrigiu problemas em seu comportamento.

“Não dá para comparar o Bolsonaro dos últimos seis meses com o daquela época”, afirmou à Folha o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que é presidente da sigla. “A gente caminhava para um extremismo que não tinha como dar certo. Ele notou que aquilo era um erro.”

A nova aliança representou, em certos casos, mudanças nos dois lados da relação. Nogueira, por exemplo, disse em 2017 que Bolsonaro tinha “um caráter fascista” e que não teria “capacidade de governar”. Afirmava ainda que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) havia sido o maior presidente da história do país.

Agora, o discurso é favorável ao atual governo. “Hoje, tem muito mais identificação desses partidos com a pauta do Bolsonaro do que tinham com o Lula, principalmente na pauta econômica. Eu não tenho identificação nenhuma com o pessoal do PT, da Dilma naquela época”, disse Nogueira.

No discurso, integrantes do centrão citam como razões para a mudança de posição o que chamam de amadurecimento de Bolsonaro e a constatação do presidente de que a política se dá em negociação com os partidos, não à revelia deles.

Nos bastidores, porém, alguns líderes destacam outros pontos de convergência. Há, por exemplo, interesse comum no desmonte da Lava Jato —operação que teve o centrão como um de seus alvos e que projetou Sergio Moro, agora rival de Bolsonaro— e uma farta distribuição de verbas e cargos na máquina federal.

“Eu digo sempre que o parlamentar gosta de atenção. Tendo atenção, sendo ouvido, trabalha melhor. Você ter trânsito é muito melhor do que ter cargo”, diz Joaquim Passarinho (PSD-PA), um dos vice-líderes do governo Bolsonaro na Câmara.

Ele integra um partido que rejeita os termos centrão e governista, embora atue dentro do bloco e ocupe cargos no governo, como o comando da Funasa (Fundação Nacional da Saúde) e o Ministério das Comunicações.

Outras siglas assumem a posição de maneira mais aberta. É o caso do PTB, do ex-deputado Roberto Jefferson. Ele diz que o prestígio oferecido pelo governo aos deputados é essencial e admite que a distribuição de cargos é parte dessa relação.

“O governo Lula escancarava, dava o cargo para o partido fazer dinheiro. O Bolsonaro, não. Dá o cargo para fazer política”, afirmou Jefferson, que delatou o mensalão em 2005, foi condenado e preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O presidente do PTB reconhece que os parlamentares da sigla fizeram indicações para cargos no governo e afirma que todos receberam um alerta: “Avisa ao teu indicado para não errar. Se errar, vai ser processado, vai ser preso e nós vamos colocar no jornal que a indicação é sua”.

Jefferson diz que o presidente se beneficia da aliança com o centrão, apesar das críticas que ainda são feitas por apoiadores fiéis. “Você tem um pessoal na base dele que é mais radical, mais purista, mais virginal. E a política tem seus aspectos práticos.”

Líder da bancada gaúcha na Câmara e também vice-líder do governo, Giovani Cherini (PL-RS) diz que a ideia de governar sem o apoio de partidos foi “uma febre eleitoral”.

“Os eleitores exigiam isso. Aquilo de ‘não vou colocar político, vou colocar técnico’. Só que as pessoas não entendem que o técnico trabalha oito horas, o político trabalha 24 horas. Essa é a diferença”, declara.

O deputado minimiza críticas que ele próprio fez a Bolsonaro até os primeiros meses de 2020, quando o presidente endossava movimentos públicos, autoritários e inconstitucionais contra o STF (Supremo Tribunal Federal) e o Congresso.

“Penso a mesma coisa [da época das críticas], temos que respeitar os Poderes. Como faço uma crítica agora à intervenção de assuntos políticos que o STF tem feito em relação ao Poder Executivo. Pedir plano de vacinação, isso não é papel do STF”, afirma.

Após essa entrevista, dada no fim de 2020, Bolsonaro voltou recentemente a dar declarações de cunho antidemocrático, como a de que são as Forças Armadas que decidem se o país vai viver numa democracia ou numa ditadura.

Cherini nega ter obtido cargos e vantagens em sua relação com Bolsonaro e até levanta dúvidas sobre a existência da prática.

“Se acontece isso, eu devo ser um bobo, né? Não recebi nada de especial. Tem zum-zum, porque zum-zum de deputado existe muito. Muitos gostam de se gabar, de ter prestígio, e vai ver, muitas vezes não é isso.”

O PL, porém, indicou aliados para cargos no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, no Ministério da Saúde e no Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, entre outros.
Bruno Boghossian e Ranier Bragon/Folhapress

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