Teste em massa e isolar só os doentes salvam vidas e economia, diz estudo

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Dados da saúde e da economia não deixam dúvidas de que o coronavírus produzirá uma dupla catástrofe global em termos de mortes e quedas do PIB.

Em resposta à crise, governos têm adotado políticas variadas, que vão de intervir muito pouco, caso da Suécia, a severos isolamentos sociais, os “lockdowns”, vistos em países como Espanha e Portugal.

O Brasil está em uma espécie de meio do caminho. Sem diretriz nacional, estados e municípios adotaram quarentenas com graus variados de distanciamento social.

Nesse contexto internacional diverso, uma das respostas buscadas por especialistas e formuladores de políticas públicas é qual das medidas praticadas mundo afora produzirá resultados “ótimos”.

A palavra, nesse caso, não é sinônimo de o que há de melhor, mas de o que seria “menos ruim”. Ou seja, que política conseguiria, ao mesmo tempo, salvar vidas e melhorar o desempenho econômico.

Pesquisas recém-publicadas por reputados institutos internacionais mostram que essa medida “ótima” é a combinação entre testagem ampla da população e quarentenas para os doentes, feita em poucos países até agora, como a Coreia do Sul.

Esses estudos representam um passo à frente da primeira onda de trabalhos sobre o tema. Inicialmente, o foco de economistas foi aferir os efeitos de políticas restritivas de distanciamento social, em comparação com o “fazer nada”.

Os trabalhos indicaram que essas medidas radicais valiam a pena pois, apesar de derrubar drasticamente o consumo ao limitar a circulação de pessoas, o balanço em termos de vidas salvas era enorme.

Economistas passaram a usar modelos mais sofisticados, levando em conta fatores que garantem maior realismo às suas contas, como o fato de que, se os indivíduos não forem testados, nem o governo nem eles próprios sabem se estão doentes ou não. A ação de todos, nesse cenário, se dará, portanto, em meio a grande incerteza.

Essa nova leva de trabalhos mostra que a testagem ampla diminui essa insegurança.

Se os doentes são forçados a ficar em quarentena, os “não infectados” sentem maior confiança para circular, garantindo maior movimentação econômica, enquanto a disseminação da doença ocorre em ritmo mais devagar, resultando em menos mortes.

Os autores desses estudos ressaltam que as conclusões se baseiam em informações incipientes e ainda não passaram por escrutínio suficiente de seus pares da academia. Mas, dizem, o nível de concordância sobre a eficácia dessas duas medidas casadas aumenta a cada dia.

“Não temos consenso de 100%, mas ele é crescente”, disse à Folha o economista Martin Eichenbaum, professor da Universidade Northwestern.

Segundo o pesquisador, nomes de peso como Paul Romer, vencedor do Nobel de Economia em 2018, e Daron Acemoglu, badalado professor do MIT, têm defendido linha de ação parecida com essa.

Um dos estudos mais recentes sobre o tema é de Eichenbaum e dois coautores. Segundo seus cálculos, a política que batizaram de “contenção inteligente” salvaria 250 mil vidas e garantiria a circulação anual de US$ 1,7 trilhão a mais de recursos, via consumo, nos EUA, em relação a um cenário em que nada é feito.

A pesquisa foi divulgada há duas semanas pelo NBER (National Bureau of Economic Research), instituição independente que calcula indicadores importantes como o início e o fim das recessões nos EUA.

No texto, os três economistas citam outros estudos concluídos um pouco antes que o deles, entre os quais uma pesquisa dos brasileiros Cézar Santos e Luiz Brotherhood, que foi uma das primeiras a apontar a eficácia de testagem ampla combinada a quarentena seletiva.

Em coautoria com os alemães Philipp Kircher e Michele Tertilt, Santos e Brotherhood simulam os resultados de diferentes políticas sempre comparadas a um cenário em que o governo não reage à Covid-19.

Publicado há pouco pelo Centre for Economic Policy Research (CEPR), instituto europeu de pesquisa, o estudo mostra que testar metade da população e colocar os infectados em quarentena reduziria em 38% o total de mortes no primeiro ano da pandemia.

Entre os idosos, faixa etária mais vulnerável ao coronavírus, a queda de mortalidade seria de 25% nesse caso.

“Lockdowns” severos e longos, sem testagem ampla, levariam a uma queda ainda maior no número de vítimas fatais, no curto prazo. Se todos forem obrigados a aumentar em 90% o tempo que já passariam em casa, por 26 semanas, a mortalidade total despencaria 97% em relação ao contexto sem intervenção governamental. Entre os idosos, a queda seria de 95%.

Esses números provocam a pergunta: se as mortes são tão mais baixas no cenário do “lockdown”, por que ele não seria, então, a política ideal?

A resposta é indicada em outros exercícios do modelo, que combina os conhecimentos da medicina sobre epidemias aos da economia sobre comportamento humano, levando em conta ainda as diferenças de atitudes entre jovens e idosos.

Na hipótese da testagem de 50% da população com quarentena dos doentes, o PIB seria um ponto percentual mais favorável, no primeiro ano da pandemia, em relação ao esperado no cenário em que o governo não age.

Ou seja, se o PIB cair 3% no contexto sem política pública, no cenário da testagem, essa queda seria de cerca de 2%.

Já no isolamento radical por seis meses, a queda da economia excederia em 42 pontos percentuais a recessão do contexto sem políticas públicas. Usando a suposição da queda de 3% no cenário básico, o PIB cairia, portanto, 45% em caso de “lockdown” longo.

Além disso, a pesquisa indica que, sem uma vacina ou um tratamento eficaz, isolamentos severos apenas adiariam a ocorrência de um número elevado de casos fatais. Nesse contexto, a longo prazo, a mortalidade no cenário da quarentena severa por seis meses seria próxima à registrada no cenário sem intervenção governamental.

Folha de S.Paulo

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