Denice é mais conhecida do que boa parte dos candidatos, diz presidente do PT em entrevista exclusiva

Foto: Divulgação/Arquivo
Apesar do processo pouco orgânico que marcou seu ingresso no PT para que se tornasse a candidata do partido à Prefeitura de Salvador, num espaço de tempo que não durou mais do que três meses, a major Denice Santiago, ex-comandante da Ronda Maria da Penha da PM, foi incorporada à legenda e é hoje candidata das bases à Prefeitura.

A garantia é do presidente municipal do PT, Ademário Costa, para quem o lançamento da major em meio à eclosão da pandemia do coronavírus está longe de tê-la prejudicado e ao partido, exatamente porque foi apresentada num momento de crise grave que está obrigando todas as agremiações e candidaturas a se reinventarem para conquistar o eleitor.

Ademário diz que, ao contrário do que se especula, pesquisas internas do PT apontam que Denice é mais conhecida do que boa parte dos candidatos da base do governador e goza de profunda simpatia na sociedade. Para o dirigente petista, Rui Costa vai poder subir no palanque dos demais postulantes do grupo, mas seu voto é do partido, de Denice.

Ele também acredita que, apesar do caráter local, tradicional nas disputas municipais, a campanha será permeada por um debate sobre o papel do Estado em Salvador no pós-pandemia e antecipa que o partido buscará ligar o grupo do prefeito ACM Neto e de seu candidato a prefeito a Jair Bolsonaro, rejeitado, segundo seus cálculos, por 80% da cidade.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista: 

P – O PT acabou escolhendo como candidata à Prefeitura uma cidadã que não era filiada ao partido, tendo ingressado nele de última hora, a pedido do governador Rui Costa. O senhor acredita que a militância vai apoiar essa candidatura com o mesmo vigor com que apoiaria um nome orgânico da legenda?

R – Essa questão da hora para se filiar, sempre é hora de entrar no PT. Para todas aquelas pessoas que lutam e acreditam em Lula e Dilma e em nossos ideais, o PT está de portas abertas. Nós já estamos num nível de mobilização e engajamento da militância maior do que em outras campanhas que fizemos. Temos hoje centenas de voluntários e militantes para participar da elaboração de propostas e ajudar Denice. É muito diferente do que havia sido propagado pelas pessoas contrárias, que fizeram campanha contra a escolha do partido. A militância está decisivamente engajada.

P – O partido tinha pelo menos quatro nomes vinculados a seus quadros quando decidiu escolher Major Denice para candidata. No que ela é melhor do que Fabya Reis, Robinson Almeida, Vilma Reis e Juca Ferreira?

R – A questão não se resume sobre o que cada candidato é melhor do que o outro. É muito mais ampla. Falamos de uma síntese. Robinson e Fabya a apoiaram. Quando se deslocam para apoiar seu nome, estão referendando a idéia de que Denice é a síntese para este momento. Resume a escolha por uma mulher negra, da periferia da cidade, defensora das direitos humanos, que tem o apoio da maioria, de Rui Costa, de Jaques Wagner, de Lula e da direção nacional. Isso constitui uma maioria partidária. Resume a força do movimento “Eu quero Ela”, iniciado por Vovô (do Ilê), que fortaleceu a idéia de uma candidatura negra, de uma mulher, com as nossas principais lideranças, para a campanha, e de candidatura própria do PT.

P – De todos os nomes que disputaram a indicação com Major Denice, o da socióloga Vilma Reis, por ser também mulher e negra e, além disso, ter uma história de superação admirável, parece até hoje o que mais demonstrou que a escolha foi uma imposição do governador. Ela e Juca Ferreira, inclusive, foram os únicos que levaram a disputa até o fim. O que é necessário fazer para que a Major deixe de ser uma candidata de Rui para se tornar uma candidata do PT?

R – Todas as tendências do PT estão com Denice. Não tem nenhuma que não esteja com ela. Isso está pacificado, unificado em torno da candidatura e do enfrentamento contra a administração municipal. Quando você soma o engajamento de todas as correntes e a participação de centenas nos momentos iniciais de preparação política que envolve um debate profundo sobre a cidade diante da pandemia, nós encontramos a equação petista, que significa direção política e militância juntas.

P – O processo que levou à escolha de Denice Santiago foi acusado por intelectuais das esquerdas de ter sido racista, por ter preterido candidatas igualmente negras e do partido em favor dela, e de se constituir numa militarização do PT, por ela ser um quadro da Polícia Militar. Como o senhor vê esta crítica?

R – Eu vejo de forma muito democrática. É tão democrática que até quem não milita, não constrói, tem o direito de falar. Por que o PT é um partido que tem vida orgânica e permeável ao debate político na sociedade. Poucos gozam deste privilégio no país. As pessoas podem ter posições, mas as decisões são tomadas pelos filiados, que elegem a direção do PT. Todos os companheiros têm o direito de ter opinião, fazer artigos, mas, para dirigir o PT, tem que militar, participar e organizar o PT.

P – Antes de o governador ter se voltado para Denice, houve uma operação no PT para que o candidato fosse o presidente do Esporte Clube Bahia, Guilherme Bellintani, que não deu certo. Isso levou todos a acharem que o partido estava perdido. Por que uma virada de 180 graus?

R – Na verdade, essa visão que está me apresentando é uma visão de fora do PT, de quem analisa a mobilização a partir das teorias das elites políticas, que supostamente determinam os interesses partidários. O PT tem uma outra vida. A todo momento o processo foi permeado pelos elementos que tornam Denice a nossa síntese política – a candidatura política, negra, e a unidade dos níveis de direção com as nossas principais lideranças políticas – Rui, Wagner, Lula – e o desejo da militância. Quem tinha esta análise sabia que o PT não estava dando um giro de 180 graus, ele estava fazendo o curso natural desses elementos. Eram os elementos que orientavam a trajetória do PT para 2020.

P – O senhor acha que, pelo fato de ser a candidata de Rui Costa, ela pode se tornar a candidata de todos os partidos que apoiam o governo estadual ou as outras candidaturas no grupo do governador serão mantidas?

R – A militância do PT está encantada com Denice. A cada reunião, os sorrisos, os afagos, a identidade aprofundam. Nós precisamos ter bastante humildade. Eu tenho visto neste momento vários dirigentes fazerem futurologia. Determinarem resultado da eleição, de bancadas de vereadores. Estão virando astrólogos ou donos de bolas de cristal. A Ciência Política é outra cosia. Neste momento, devemos somar forças com os partidos de esquerda para fazer um amplo debate sobre os rumos da sociedade brasileira e soteropolitana. O que está acontecendo no Brasil é uma depressão com uma crise sistêmica na área social, econômica, política e sanitária que exige de nós e das pré-candidaturas uma atitude de lideranças públicas. Portanto, o que vai determinar a nossa unidade é a nossa capacidade coletiva de analisar e orientar o rumo da sociedade para o futuro. Nós do PT, do PCdoB, Podemos, Avante, todos os partidos da base estão fazendo esse exercício para orientar a sociedade e quem está como mestre é o governador, que está tendo postura impecável na condução da crise.

P – Quantas candidaturas deverão marchar à Prefeitura do lado do governo?

R – Eu sei que vocês têm feito este debate e há expectativa por parte da imprensa de que haja diminuição de candidaturas. O que a gente está estimulando agora é o debate, idéias para superar a crise. O debate eleitoral não está no centro do tabuleiro, mas o debate de idéias para superar a crise. É o debate sobre políticas públicas. O que vai determinar o rumo das coligações, dos partidos, das candidaturas é a interpretação e as necessidades que a sociedade vai apresentar para os políticos. Que cidade emergirá da crise é a principal pergunta.

P – A existência de tantos candidatos no campo do governo não favorece o nome de Bruno Reis, atual vice e candidato do prefeito ACM Neto?

R – Cada eleição é uma eleição diferente. Nós estamos falando de uma cidade que tem 80% de rejeição ao projeto nacional liderado por Jair Bolsonaro, que tem uma série de crises, uma crise social velada, sanitária, econômica, que neste momento estão saindo para se tornarem iminentes. O que é central para os partidos? Fazer a interpretação e a apresentação das possibilidades de superação da crise. A quantidade de candidaturas hoje é o que menos importa, mas o rumo e as propostas que vamos apresentar para a sociedade. Por que o normal que existia até o dia 14 de março não vale mais para este momento. É uma outra postura, uma outra sociedade com que os partidos terão que lidar. Quem faz a conta de estar dentro e fora da máquina está fazendo tudo errado, porque o momento agora é outro e completamente diferente.

P – E qual é o principal debate?

R – Sobre o papel do Estado. Qual o Estado que cada um de nós vai defender, qual é a máquina que nós vamos defender. A sociedade que temos que construir é diferente. Nossos candidatos vão ter que apresentar suas propostas para construir esta outra forma de governar.

P – Qual seria o candidato a vice ideal de Denice Santiago?

R – Acho que este momento que iniciamos não é o momento nem para determinar número de vereadores eleitos, nem de candidaturas da base nem o vice ou a vice, porque a história está acontecendo de uma forma acelerada como não acontecia antes. O segundo ponto é que a interpretação que está no centro da pauta é sobre o papel do Estado e o que defendemos. Diante disso, o vice será quem tiver capacidade de completar o PT numa aliança em defesa de uma cidade que precisamos construir, de uma cidade de direitos, de segurança pública de direitos, de assistência social e de saúde universais, educação inclusiva, ou seja, é um debate de projeto político.

P – O PT foi praticamente o último partido a anunciar candidato à Prefeitura, o que ocorreu praticamente em meio à eclosão da pandemia. De que forma esta crise do coronavírus afetou o que vocês programavam de campanha para a major Denice?

R – Acho que todos os partidos tiveram que se reinventar. Para o PT não foi diferente, as mesmas estruturas de mobilização do corpo a corpo estão acontecendo pelas redes. Neste período, já fizemos mais de uma dezena de reuniões do PT, já realizamos lives que foram tribunas de debates das nossas pré-candidaturas, realizamos o evento preparatório para o encontro municipal com mais de 100 militantes, fizemos o nosso encontro municipal com mais de uma centena de participantes, plenária dos dirigentes dos diretórios zonais do PT, temos dezenas de grupos de trabalho se reunindo para elaborar políticas públicas para Salvador vencer a crise e faremos no início de junho uma grande plenária da militância que reunirá outras centenas de militantes nas redes sociais, sem contar os movimentos de mulheres, combate ao racismo, LGBTs, se reunindo em torno de Denice pelas redes sociais. Para nós, a tecnologia tem sido uma grande ferramenta e não vamos parar por conta disso. Sábado (ontem) mesmo tem um plenária do movimento negro de apoio à candidata.

P – O fato de ela ser praticamente a única que não tem mandato não a prejudica do ponto de vista da visibilidade neste momento?

R – Eu acho que a sociedade tem uma expectativa de que os partidos apresentem novas práticas para fazer política. Nesse sentido, os partidos precisam pensar fora da caixinha, apresentar uma política com novas características. Para fazer isso, é preciso romper com a idéia de que só faz política quem tem mandato, que dirigente partidário é gestor público, quem tem mandato. Tem muita gente fazendo política que não se encaixa em nenhum desses critérios. Ou a gente abre o partido para que as pessoas possam exercer a cidadania ou ficamos obsoletos.

P – Ela também é das menos conhecidas do eleitorado. Como fazer para projetá-la neste momento em que a pandemia atrai todos os holofotes?

R – Não é isso que as nossas pesquisas indicam. Pelo contrário. Denice é mais conhecida do que boa parte dos candidatos que estão se apresentando e goza de extrema simpatia. É muito bem vista pela sociedade, segundo pesquisas internas. Rui, quando foi candidato a governador, tinha 4% e ganhou no primeiro turno. Quando lançamos Pinheiro candidato, a maioria não sabia que ele era candidato. Então a política não é algo estanque, não é de uma ciência exata, mas humana, que está em constante movimento.

P – O fato de Rui ter escolhido ela para candidata dá ao senhor a segurança de que ele vai vestir a camisa da campanha dela em Salvador?

R – Rui, como bom democrata, vai respeitar todos os partidos da base. Vai, inclusive, poder prestigiar eventos de outros partidos, mas o voto dele é do PT.

P – Setores do PT acham que a sucessão em Salvador vai reproduzir esta polarização no campo nacional. O senhor concorda?

R – O que acontece é que não dá para o DEM rezar para dois senhores. Não dá para em Salvador fazer uma gestão científica em relação à Covid 19 e se aproximar do governador e ao mesmo tempo continuar dando sustentação ao governo Bolsonaro, que é terraplanista e genocida. Em algum momento, o DEM vai ter que escolher a quem serve, se é ao povo ou aos interesses da ‘familícia’ Bolsonaro. O debate vai ser local, mas vai ser permeado por uma debate de sociedade, de Estado que a gente defende. Vai ter planejamento urbano que seja inclusivo ou vai continuar sucateada a Fundação Mário Leal Ferreira? Essa eleição é de quem quer mais Estado, mais SUS e educação contra quem quer continuar gestando como se gestava antes, do ponto de vista neoliberal. Esse debate do ponto de vista de projeto de sociedade estará presente na eleição, porque o respirador que falta agora é resultado do projeto que foi eleito em 2018 e foi apoiado pelo DEM.

Raul Monteiro

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