Motta adia votação do projeto Antifacção após texto desagradar a base e oposição, dizem líderes

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), decidiu adiar a votação do projeto de lei antifacção diante da falta de consenso em torno do texto apresentado pelo relator, deputado Guilherme Derrite (PP-SP), segundo ao menos cinco líderes ouvidos pela reportagem.

Integrantes do governo Lula (PT) e até mesmo parlamentares da oposição avaliam que a nova versão do projeto —o quarto feito pelo deputado— ainda apresenta problemas que precisam ser corrigidos. A previsão era de que o texto seria votado nesta quarta-feira (12).

Líderes do governo, do centro e da oposição pediram o adiamento a Motta. Cinco governadores de direita também fizeram o mesmo pleito ao presidente da Câmara.

Os chefes dos Executivos de RJ, GO, MG, DF e SC indicaram que apoiam o texto de Derrite, mas ainda o consideram insuficiente e sugeriram um prazo de até 30 dias ou até o fim do ano para que mais atores sejam ouvidos e um texto mais completo seja votado já em acerto com o Senado.

"Ainda que todos nós elogiamos o relator, nós unanimemente discordamos da rapidez desse projeto. Há de se ter um projeto que atenda o que os estados precisam. Não adianta fazer um projeto desse sem ouvir os estados", disse o governador do Rio, Cláudio Castro (PL).

Na tarde desta quarta, Derrite se reuniu com as bancadas de alguns partidos, com deputados governistas e com o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Manoel Carlos de Almeida Neto, para tratar de mudanças no texto antes de apresentar sua quarta versão.

Na opinião de um líder do centrão, a decisão de adiar é ruim para todos os envolvidos e abre caminho para críticas da opinião pública. Ele avalia que Derrite sai enfraquecido e que o presidente da Câmara mostra que tem dificuldades em comandar o plenário.

Ainda segundo esse líder, o governo também sofrerá desgaste, mas em menor grau, já que o Planalto conseguiu influenciar o debate público ao apostar no discurso que o relatório blindava políticos e esvaziava as competências da PF.

Esse político diz ainda que o presidente da Câmara corre o risco de ter sua autoridade questionada, pois deveria ter alinhado previamente com líderes qual seria a estratégia e arredondado um texto que tivesse apoio do plenário antes de pautá-lo para esta semana.

Aliados de Motta, no entanto, minimizam essa crítica, afirmando que essas reviravoltas são comuns no processo legislativo. Eles dizem ainda que Motta atendeu a um pedido feito de todos os lados.

Mais cedo, durante almoço com parlamentares e governadores de direita nesta quarta, Derrite agradeceu o convite para falar da "maturidade que teriam" que para que o texto não seja enterrado.

O relator justificou seu recuo em equiparar facções a terroristas, medida que é defendida pela direita e criticada pelo governo Lula, indicando que seu texto é o possível diante de um acordo político e não seria declarado inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

"Ou a gente vai continuar insistindo na questão do terrorismo e vai enterrar esse projeto. [...] Não vamos perder essa oportunidade para priorizar uma guerra política", disse Derrite.

Ministros e secretários da Secretaria de Comunicação, da Secretaria de Relações Institucionais, da Casa Civil e do Ministério da Justiça se reuniram durante a tarde no Palácio do Planalto para traçar as estratégias acerca da proposta.

Após a reunião, a ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) afirmou que seria necessário mais tempo para corrigir pontos no texto entendidos pelo governo como fundamentais.

Entre os representantes da oposição, o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), também defendeu o adiamento da votação. A oposição não ficou plenamente satisfeita com a terceira versão de Derrite, apresentada na noite de terça (11), principalmente porque o relator acatou demandas do governo. O líder diz que o PL não abre mão da equiparação das organizações aos terroristas.

A tramitação do PL Antifacção ampliou a disputa política entre governo e oposição acerca da segurança pública após a operação policial contra o Comando Vermelho no Rio, que deixou 121 mortos.

A proposta foi enviada pelo Palácio do Planalto, mas o governo Lula acabou contrariado com a decisão de Motta de entregar a relatoria a Derrite, secretário de Segurança Pública do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo. A matéria foi batizada de Marco Legal do Combate ao Crime Organizado no Brasil.

A primeira versão do texto de Derrite, na visão de governistas, abria brecha para o enfraquecimento da soberania nacional e da ação da Polícia Federal, algo que o relator classifica como narrativa falsa.

O governo e o PT passaram a defender a PF e relacionar o projeto antifacção à PEC da Blindagem e, diante do desgaste público, Derrite desistiu das medidas mais polêmicas e disse que iria preservar a competência da PF —o que foi visto como uma vitória para a esquerda.

Ainda assim, o imbróglio se manteve nesta quarta.

Gleisi, por exemplo, elencou quatro pontos principais de divergência em relação ao terceiro parecer de Derrite: o tipo penal, a técnica legislativa, a asfixia das facções e a descapitalização da Polícia Federal —apesar de ter recuado em relação a limitar o papel da PF, o relator manteve um esvaziamento dos fundos federais da corporação.

"Nós colocamos no projeto que essas facções perdem os seus bens a partir do momento que começa a investigação. No relatório, isso só vai acontecer depois o trânsito julgado da sentença condenatória", disse.

Por Folhapress

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