Consultor comenta sobre a aplicação dos recursos da CFEM pelos municípios mineradores

A Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) gerada pela exploração de minério de níquel pela Atlantic Nikel em Itagibá tornou-se uma das principais fonte de receita para o município, assim como em tantos outros municípios mineradores da Bahia, exigindo desses municípios uma atenção especial com foco no desenvolvimento sustentável local. Para falar sobre esse assunto com propriedade, o Giro em Ipiaú convidou o Advogado Especialista em Direto Público, Dr. Moiséis Rocha Brito, consagrado e conceituado consultor em gestão pública há quase quarenta anos na região, que prontamente nos atendeu, esclarecendo, que:

“1. A CFEM: expressão constitucional de justiça econômica e socioambiental

A Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) é um instrumento jurídico de natureza indenizatória e compensatória, consagrado pela Constituição Federal de 1988 (art. 20, §1º), e regulamentado pela Lei nº 7.990/1989 e pela Lei nº 8.001/1990, posteriormente aprimorada pela Lei nº 13.540/2017. Trata-se de uma obrigação pecuniária imposta às empresas mineradoras pela exploração de bens minerais pertencentes à União, devendo o valor arrecadado ser redistribuído aos entes federativos impactados pela atividade mineral, como forma de compensar danos ambientais, sociais e estruturais decorrentes da mineração.

A CFEM é distribuída da seguinte forma: 10% para a União (7% ANM, 1% FNDCT, 1,8% CETEM e 0,2% IBAMA); 15% para o Estado onde for extraída a substância mineral; 60% para o Município produtor e 15% para os Municípios quando afetados pela atividade de mineração e a produção não ocorrer em seus territórios.

A Constituição Federal é clara ao assegurar que os recursos minerais pertencem à União, mas o usufruto econômico de sua exploração gera obrigação de retorno à coletividade. Essa contrapartida, a CFEM, deve ser aplicada prioritariamente em projetos que beneficiem a coletividade — especialmente nas áreas de saúde, educação, meio ambiente, infraestrutura e diversificação econômica —, sendo vedada a sua utilização para pagamento de dívidas, amortização de empréstimos ou custeio de pessoal administrativo.

02- O estudo de Rodrigo Matos Berbel e a necessária governança da CFEM

Nos apropriamos do excepcional trabalho acadêmico – científico a dissertação do aluno mestrando, Rodrigo Matos Berbel, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade Salvador (UNIFACS), sob orientação da Profª Drª Carolina de Andrade Spinola e coorientação do Prof. Dr. Gabriel Barros Gonçalves de Souza, que por certo constitui um marco científico e técnico de extrema relevância para a administração pública baiana. Em sua pesquisa intitulada “Compensação Financeira pela Exploração Mineral e Qualidade de Vida: uma análise da aplicação da CFEM nos principais municípios mineradores do Estado da Bahia”, o autor realiza uma profunda análise empírica dos recursos oriundos da CFEM no período de 2019 a 2023, especialmente em municípios como Itagibá, Jacobina, Jaguarari, Caetité, Andorinha e Barrocas (veja aqui o estudo).

O estudo revela que, embora a CFEM represente fonte expressiva de receita — chegando a corresponder a 48,42% do valor do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) em Itagibá (2022) — sua aplicação tem se concentrado majoritariamente em rubricas de custeio e manutenção da máquina pública, em detrimento de investimentos estruturantes e transformadores para a qualidade de vida das populações locais.

Berbel demonstra que a falta de governança pública, planejamento orçamentário estratégico e transparência social compromete a efetividade do uso desses recursos. Em muitos casos, não há rastreabilidade plena das despesas oriundas da CFEM, o que contraria os princípios da legalidade, eficiência e accountability previstos no art. 37 da Constituição Federal e na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000).

A Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) representa um dos pilares fundamentais da política pública voltada à redistribuição das riquezas minerais e à mitigação dos impactos socioambientais da mineração. No contexto dos municípios produtores, como Itagibá-BA, a CFEM é instrumento estratégico para a consolidação de um modelo de desenvolvimento sustentável, que articule o crescimento econômico com a preservação ambiental e a melhoria efetiva da qualidade de vida das populações locais.

Contudo, o uso eficaz desses recursos exige planejamento, governança e visão técnica de longo prazo — fatores amplamente analisados e defendidos pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano (PPDRU) da Universidade Salvador – UNIFACS, instituição que se consolida como referência acadêmica nacional na formação de quadros técnicos e gestores públicos comprometidos com o desenvolvimento regional equilibrado e sustentável.

A pesquisa do mestrando Rodrigo Matos Berbel, apresentada no âmbito do PPDRU, intitulada “Compensação Financeira pela Exploração Mineral e Qualidade de Vida: uma análise da aplicação da CFEM nos principais municípios mineradores do Estado da Bahia”, é um exemplo notável do compromisso da UNIFACS em produzir conhecimento científico aplicado às realidades territoriais e administrativas da Bahia e do Brasil.

O trabalho desenvolvido evidencia que a CFEM, quando bem gerida, possui potencial para transformar municípios mineradores em polos de inovação, sustentabilidade e qualidade de vida, desde que sua aplicação esteja orientada por critérios de planejamento público, transparência e equidade intergeracional. A dissertação demonstra que o desenvolvimento sustentável não decorre apenas da exploração dos recursos naturais, mas da capacidade do poder público local de converter a riqueza mineral em infraestrutura social, capital humano e diversificação produtiva.

Ao promover estudos de alta relevância como esse, o PPDRU/UNIFACS reafirma sua vocação em integrar teoria, pesquisa e prática administrativa, contribuindo diretamente para a formulação de políticas públicas inovadoras e sustentáveis nos municípios baianos. O programa destaca-se por adotar uma abordagem interdisciplinar, que une os campos da economia regional, governança pública, planejamento urbano e gestão ambiental, consolidando-se como um verdadeiro laboratório de soluções para o desenvolvimento territorial equilibrado.

Em síntese, a CFEM deve ser compreendida não apenas como uma compensação financeira, mas como um instrumento de transformação social e ambiental, cuja boa aplicação depende de conhecimento técnico, ética pública e visão estratégica — valores promovidos e difundidos pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da UNIFACS.

Assim, o PPDRU cumpre papel essencial na construção de uma nova cultura administrativa nos municípios mineradores, capaz de transformar riqueza natural em prosperidade sustentável, perpetuando o legado da mineração sob a égide da justiça social, da eficiência pública e da responsabilidade intergeracional.

Veja aqui a dissertação completa do aluno mestrando da UNIFACS, Rodrigo Matos Berbel. (será colocado o link para acesso) 

03-Itagibá e o papel da CFEM como vetor de desenvolvimento local

O Município de Itagibá-BA, segundo dados da dissertação, figura entre os maiores beneficiários da CFEM no Estado da Bahia. O potencial econômico dessa compensação coloca o município em posição de destaque na política minerária nacional, especialmente pela presença da extração de níquel e cobre, cuja exploração é liderada por grandes conglomerados industriais.

Contudo, conforme pontua Berbel, o uso efetivo da CFEM em Itagibá ainda não se reflete de maneira integral em melhorias perceptíveis na qualidade de vida. Os investimentos em áreas como meio ambiente, habitação, saneamento básico e diversificação produtiva são reduzidos, o que revela uma dependência excessiva da economia local em relação à mineração — um fenômeno conhecido como “maldição dos recursos naturais”.

A boa aplicação da CFEM, portanto, deve se alinhar aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU, especialmente os ODS 8 (trabalho decente e crescimento econômico), ODS 9 (indústria, inovação e infraestrutura), ODS 11 (cidades sustentáveis) e ODS 15 (vida terrestre).

A Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) representa, no contexto do desenvolvimento local, um dos mais relevantes instrumentos de equilíbrio entre crescimento econômico, responsabilidade social e sustentabilidade ambiental. Instituída pela Constituição Federal de 1988 (art. 20, §1º) e regulamentada pela Lei nº 7.990/1989, a CFEM tem por finalidade assegurar que parte da riqueza gerada pela exploração de bens minerais retorne à sociedade sob a forma de investimentos estruturantes e compensatórios.

Sob a ótica do desenvolvimento sustentável, a CFEM atua como mecanismo redistributivo e indutor de políticas públicas que devem, necessariamente, alinhar-se aos princípios da sustentabilidade previstos na Agenda 2030 da ONU e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). No caso do município produtor — como Itagibá (BA), estudado na dissertação de Rodrigo Matos Berbel (UNIFACS, 2025) —, o uso racional desses recursos é determinante para transformar o capital mineral em capital humano, social e ambiental, reduzindo a dependência econômica da mineração e promovendo diversificação produtiva e inclusão social, de modo a assegurar a sustentabilidade econômica, financeira e social do município, em especial promovendo o sustento local quando ocorrer o exaurimento dos recursos minerários e efetivamente o fechamento da mina.

A correta destinação da CFEM deve priorizar investimentos em infraestrutura sustentável, educação, saúde, meio ambiente, inovação e planejamento urbano, de modo a preparar o município para o cenário pós-mineração. Assim, a compensação financeira não se limita a reparar impactos ambientais ou logísticos, mas deve ser convertida em legado duradouro de desenvolvimento regional equilibrado, assegurando qualidade de vida às gerações presentes e futuras.

Portanto, o uso responsável da CFEM é elemento essencial da governança pública moderna: ele traduz a noção de que o verdadeiro desenvolvimento municipal não se mede apenas pela extração de riquezas naturais, mas pela capacidade de convertê-las em oportunidades sustentáveis, justiça social e preservação ambiental.

Há de levar em consideração ainda o desdobramento das receitas dos municípios minerários produtores, que além da receita específica da CFEM, ganham e muito com o Imposto Sobre Serviços (ISS) e Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) tendo a atividade minerária como maior fonte propulsora dessas receitas. Apenas em 2024 o Municipio de Itagi arrecadou com essas três receitas a importância de R$ 69.867.932,53 assim distribuídas: CFEM: R$ 12.806.416,35; ISS: R$ 25.611.594,41 e ICMS: R$ 31.449.921,77. Representando 51,52% do total da Receita de 2024 que foi de R$ 135.624.201,81.

04-Aspectos jurídicos e princípios norteadores

Do ponto de vista jurídico, a aplicação da CFEM deve respeitar os parâmetros legais estabelecidos pela Lei nº 7.990/1989 e Lei nº 13.540/2017, observando-se:
  1. Finalidade pública e não pessoal;
  2. Aplicação em políticas estruturantes e não em despesas correntes ordinárias;
  3. Publicidade e transparência, mediante relatórios e portais de controle social;
  4. Planejamento plurianual, integrando os instrumentos orçamentários (PPA, LDO e LOA);
  5. Sustentabilidade ambiental e social, com mitigação dos impactos da atividade mineradora.
Esses princípios encontram respaldo na doutrina de governança pública e na jurisprudência dos tribunais de contas, que reiteram que a CFEM não pode ser tratada como receita ordinária, mas sim como instrumento de reparação social e ambiental.

05-Da compensação financeira à justiça social

O desafio que se impõe a Itagibá e aos demais municípios mineradores é transformar a CFEM em mecanismo de justiça social e desenvolvimento duradouro. 

Os recursos advindos da mineração não devem ser encarados como simples receita de caixa, mas como patrimônio coletivo das futuras gerações.

A aplicação correta e planejada da CFEM é um ato de responsabilidade constitucional e de governança republicana. Cabe aos gestores públicos a missão de assegurar que cada centavo oriundo da exploração mineral retorne à sociedade em forma de infraestrutura, educação, sustentabilidade ambiental e qualidade de vida — pilares de um verdadeiro desenvolvimento local, regional e urbano sustentável que promova a geração de emprego e renda mesmo não existindo mais a exploração minerária no município.

O amanhã dependerá do que se faz hoje. Não haverá desenvolvimento sustentável amanhã, se não foi planejado e executado hoje.

É que temos a expor”.

Dr. Moiséis Rocha Brito – Advogado, Administrador, Consultor em Gestão Pública e Teólogo. Presidente do IBAP – Instituto Baiano de Administração Pública e membro da ABOP – Associação Brasileira de Orçamento Público. Especialista, pós-graduado em Direito Público – Controladoria Interna, Direito Previdenciário e Processo Civil. Professor Universitário, pós-graduado em Metodologia do Ensino Superior.
Por: Giro Ipiaú

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