Entenda o tarifaço de Trump sobre Brasil e o que acontece a partir de agora


O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou nesta quarta-feira (9) uma sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros, gerando reações nos setores afetados e no governo brasileiro, que afirmou que vai responder com base na lei de reciprocidade.

Como aconteceu com outros países nesta semana, o anúncio ocorreu por meio de uma carta dirigida ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e publicada no perfil de Trump na rede social Truth Social. Além de discutir a tarifa, o republicano sai em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e critica decisões do STF (Supremo Tribunal Federal).

Entenda os principais pontos do tarifaço de Trump e o que acontece agora.

O QUE TRUMP ANUNCIOU?
Donald Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos com implementação prevista para 1º de agosto.

A nova tarifa é separada das tarifas setoriais já existentes, como as de 50% aplicadas ao aço e alumínio. Mercadorias redirecionadas para evitar essa nova taxa também serão sujeitas a ela.

A nova sobretaxa é a maior entre as 21 tarifas extras anunciadas por Trump nesta semana, como os 25% aplicados sobre o Japão e a Coreia do Sul.

Trump também ameaçou que, se o Brasil retaliar aumentando suas tarifas, a porcentagem será adicionada aos 50% já impostos pelos EUA.

POR QUE TRUMP QUER IMPOR TARIFAS?
Trump justifica a tarifa alegando que a relação comercial entre os dois países é “muito injusta” e “não recíproca”, citando políticas tarifárias e não tarifárias do Brasil e supostos déficits comerciais dos Estados Unidos.

Na carta, ele também disse que as taxas se devem, em parte, “aos ataques insidiosos do Brasil às eleições livres e aos direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos”, referindo-se a decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) de remover conteúdos de redes sociais americanas e ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), réu em ação que apura sua participação na trama golpista de 2022.

Trump também afirmou que orientou o Representante de Comércio dos EUA, Jamieson Greer, a iniciar uma investigação da Seção 301 contra o Brasil, um mecanismo que permite aos EUA impor tarifas sobre práticas comerciais consideradas desleais.

OS EUA TÊM DÉFICIT COMERCIAL COM O BRASIL?
Não, os números oficiais mais recentes desmentem a afirmação de Trump. Faz 17 anos que o fluxo de bens entre os dois países favorece os americanos, que vendem mais do que compram.

O que Trump aponta na carta foi verdadeiro nos anos 2000, quando o Brasil registrou sucessivos superávits na relação. Nesse período, o Brasil chegou a ter uma vantagem de quase US$ 10 bilhões. A partir daí, o saldo foi caindo até se tornar negativo a partir de 2009. A série histórica disponível inicia em 1997.

Nos dados parciais de 2025, a vantagem americana é de US$ 1,6 bilhão. O Brasil exporta principalmente commodities e produtos primários –como petróleo bruto, café e produtos de ferro e aço. Já as importações de produtos americanos tem no topo bens ligados à aviação.

Os dados são do Comex Stat, sistema do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) usado pelo governo para a tomada de decisões e também para análises de mercado e estudos acadêmicos.

QUAL O EFEITO DAS TARIFAS?
Se concretizadas, as tarifas podem encarecer para consumidores e empresas americanas produtos variados como petróleo, ferro, café, carnes e suco de laranja, alguns dos itens brasileiros mais exportados para os Estados Unidos.

O anúncio, no entanto, pegou de surpresa diversos setores brasileiros. Marcos Matos, diretor-executivo do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), diz que a entidade acompanha com atenção o anúncio e que vem, junto à National Coffee Association e às empresas que a integram, trabalhando em uma agenda positiva para tratar da taxação.

Os Estados Unidos representam, para a indústria do café, o maior mercado consumidor do mundo. O Brasil tem cerca de 30% desse mercado.

A Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes) afirmou em nota que “qualquer aumento de tarifa sobre produtos brasileiros representa um entrave ao comércio internacional e impacta negativamente o setor produtivo da carne bovina”.

Os Estados Unidos são hoje o segundo maior comprador de carne bovina do país, com uma participação de 12,33% no volume total exportado no primeiro semestre, com 181,3 mil toneladas. O volume mais do que dobrou em relação ao mesmo período de 2024, com a proteína brasileira despontando como alternativa para complementar a escassez da produção local.

Na indústria têxtil, os efeitos da decisão do presidente Trump serão diretos e indiretos, mas o risco é o de inviabilizar o comércio com o país. “Uma tarifa de 50% nos coloca fora do mercado”, afirmou à Folha o presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil), Fernando Pimentel.

Os Estados Unidos representam apenas 7% das exportações brasileiras de têxteis, contudo, elas estão concentradas em produtos de maior valor agregado, de marcas famosas ou nichos, como a moda praia.

COMO O GOVERNO BRASILEIRO REAGIU?
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a medida de Trump e disse que o Brasil responderá por meio da lei de reciprocidade. A lei da reciprocidade autoriza o governo a adotar medidas de retaliação de forma provisória durante o processo. No entanto, o decreto que normatiza essa lei ainda não foi publicado.

“É falsa a informação, no caso da relação comercial entre Brasil e Estados Unidos, sobre o alegado déficit norte-americano. As estatísticas do próprio governo dos Estados Unidos comprovam um superávit desse país no comércio de bens e serviços com o Brasil da ordem de 410 bilhões de dólares ao longo dos últimos 15 anos”, escreveu Lula no X (antigo Twitter).

O governo também convocou uma reunião de última hora nesta quarta-feira (9) com ministros para discutir a decisão de Trump de aumentar para 50% a taxação extra sobre produtos brasileiros.

Participaram os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Mauro Vieira (Relações Exteriores), Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), Sidônio Palmeira (Comunicação Social), Rui Costa (Casa Civil) e Jorge Messias (Advocacia-Geral da União), além do vice-presidente Geraldo Alckmin.

Nesta quarta, pouco antes do anúncio de Trump, o vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin (Mdic) ressaltou os números dos dois países. “Eu não vejo nenhuma razão para aumento de tarifa em relação ao Brasil. O Brasil não é problema para os Estados Unidos, é importante sempre reiterar isso. Os Estados Unidos têm realmente um déficit de balança comercial, mas com o Brasil tem superávit de balança comercial, então o Brasil não é problema”, afirmou.

“De outro lado, dos 10 produtos que eles mais exportam para nós, [para] 8 a alíquota é zero, não pagam imposto. A alíquota é zero, o chamado ex-tarifário. Então, é uma medida que, em relação ao Brasil, é injusta e prejudica a própria economia americana”, complementou.

HOUVE IMPACTO NO DÓLAR?
O anúncio de Trump gerou uma forte desvalorização do real. O contrato futuro de dólar com vencimento em agosto subiu 2,30%, atingindo R$ 5,6115 na venda, com um pico de alta de 2,9% após o anúncio de Trump. Já o Ibovespa futuro para agosto caiu 2,44%, aos 137.800 pontos

No fechamento do mercado à vista, o dólar já havia registrado uma alta de 1,05%, fechando a R$ 5,5023, o maior valor da divisa americana sobre o real desde 25 de junho.

O QUE ACONTECE AGORA?

As tarifas de 50% sobre produtos brasileiros têm implementação prevista para 1º de agosto, então ainda há tempo para alterações para cima ou para baixo. Trump, por exemplo, indicou que as tarifas podem ser revistas se o Brasil “abrir seus mercados e eliminar barreiras comerciais”.

O presidente dos EUA, no entanto, fez a ressalva de que, caso o Brasil decida aumentar suas tarifas, a porcentagem da retaliação será adicionada aos 50% já impostos pelos EUA.

Na hipótese de uma reação aos Estados Unidos, técnicos no governo Lula consideram que uma elevação de impostos sobre produtos americanos não é o caminho mais eficiente.

Os principais produtos importados pelo Brasil dos EUA são motores e máquinas, óleo combustível, aeronaves e gás natural, além de medicamentos. Aplicar uma sobretaxa sobre essa pauta traria consequências econômicas indesejadas, com risco de contratar inflação.

Uma opção seria a chamada retaliação cruzada sobre serviços e propriedade intelectual, resposta que foi eficaz no passado numa disputa que Brasil e EUA travaram sobre subsídios que os americanos davam ao algodão.

Trump também orientou o Representante de Comércio dos EUA a iniciar uma investigação da Seção 301 contra o Brasil, um mecanismo que pode permitir aos EUA impor tarifas adicionais por tempo indeterminado. No entanto, assim como ocorreu com as tarifas recíprocas de abril, Trump também pode recuar da decisão.

Folhapress

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