Governo Lula acomoda em estatais petistas e auxiliares sem formação compatível

O governo Lula tem acomodado em conselhos de administração de estatais pessoas vinculadas ao PT e membros da gestão que não têm formação relacionada à área de atuação das empresas. A lei exige educação acadêmica compatível, além de experiência e reputação ilibada.

Os conselhos têm como função direcionar os rumos das companhias e fiscalizá-las. O governo ocupa cadeiras nos colegiados, e cabe ao ministro responsável pela área nomear seus representantes, que são remunerados com os chamados jetons.

Alguns conselheiros recebem os honorários todos os meses. Em outros casos, o pagamento é esporádico, pela participação em reuniões. Dados do Ministério da Gestão mostram que a gratificação paga pelas estatais varia de R$ 1.733,33 no caso de participação no conselho da empresa Termobahia (subsidiária da Petrobras) a R$ 13.813,97 mensais pela presença no colegiado da petroleira.

A Folha coletou diferentes exemplos de integrantes de conselhos com formação distante da prevista nas normas. Em alguns casos, eles ocupam cadeiras por aparente influência política. As indicações do governo são feitas em geral tanto pelo ministério ao qual a empresa é vinculada como pela pasta da Gestão (que tem direito de indicar um nome por companhia).

Um dos casos é o de Ana Estela Haddad, 58, conselheira da Dataprev (estatal responsável por armazenar e processar dados, principalmente sobre benefícios sociais). Ela é secretária no Ministério da Saúde e graduada em odontologia, além de mestre e doutora em ciências odontológicas. Também é esposa do ministro Fernando Haddad (Fazenda). A remuneração é de R$ 4.188,89 mensais.

O Ministério da Gestão afirma que todas as pessoas escolhidas respeitam requisitos de experiência profissional e de formação acadêmica. A pasta não apontou os elementos nos currículos de cada conselheiro que atendem a essas demandas.

“A compatibilidade entre a formação acadêmica, a experiência profissional e o cargo é verificada no momento da submissão da candidatura ao comitê de elegibilidade de cada empresa estatal, a quem cabe atestar que o conhecimento acadêmico do indicado o torna apto e capaz de exercer adequadamente as atribuições do cargo”, afirmou a pasta.

Procurado, o Ministério da Saúde orientou que a Dataprev fosse consultada. A estatal, por sua vez, enviou um posicionamento similar ao do Ministério da Gestão.

Outro caso é o de Emir Simão Sader, 81, que integra desde 2023 o conselho de administração da Ativos S.A., securitizadora de créditos financeiros do Banco do Brasil. A companhia atua na gestão da cobrança de dívidas para instituições e empresas.

Com formação em filosofia e ciência política, o professor aposentado da USP (Universidade de São Paulo) e autor de livros como “Estado e política em Marx” e “Lula e a esquerda do século 21” é filiado ao PT e construiu sua trajetória em vinculação com o partido. Sader foi escolhido para o conselho numa das vagas selecionadas pela própria empresa.

Em nota, o Banco do Brasil afirma que as indicações submetem-se a procedimento interno no qual são avaliados requisitos e vedações legais. A estatal também ressalta “a importância da diversidade de conhecimentos” para a empresa. O valor do jetom pago pela Ativos não foi informado à reportagem.

Situação similar é a de Swedenberger do Nascimento Barbosa, conselheiro na Companhia Docas do Rio Grande do Norte. Ele é formado em odontologia, além de mestre e doutor em ciências da saúde. Foi braço-direito do então ministro José Dirceu no primeiro governo Lula e secretário-executivo do Ministério da Saúde até a saída de Nísia Trindade do comando da pasta, em março.

A lei das estatais, sancionada em 2016, durante a gestão de Michel Temer, exige que todo membro de conselho de administração tenha reputação ilibada, experiência profissional e “formação acadêmica compatível com o cargo para o qual foi indicado”.

Um decreto posterior, também de 2016, trouxe uma lista não taxativa de cursos ligados ao cargo de conselheiro. De acordo com o texto, seria considerada compatível a formação “preferencialmente” em administração, ciências atuariais, ciências econômicas, comércio internacional, contabilidade ou auditoria, direito, engenharia, estatística, finanças e matemática. Além disso, é possível ser considerada a formação na área de atuação da empresa (saúde, por exemplo).

Um outro caso levantado é o de Luiz Antonio Correia de Carvalho, 71 —conselheiro da Companhia Docas do Rio de Janeiro (PortosRio), com jetom de R$ 3.741,37 mensal. Ele é jornalista e concluiu graduação em filosofia pela Universidade de Paris X em 1975. Foi fundador do PT, coordenador de instituições de ensino superior e assessor do Ministério do Meio Ambiente de 2008 a 2016.

O comitê de pessoas da empresa aprovou sua indicação após avaliar que, ainda que a formação acadêmica de Carvalho não fosse compatível em interpretação literal da lei, a graduação em filosofia desenvolveu habilidades “que são relevantes para liderança e estratégia empresarial” e que foram complementadas pelo conhecimento de gestão que adquiriu em sua carreira no setor público.

No conselho do Grupo Hospitalar Conceição, rede pública em Porto Alegre, está Flavio Koutzii, 82. Formado em sociologia na França, ele também está no conselho da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). É ex-vereador, ex-deputado estadual no Rio Grande do Sul e ex-secretário do governo Olívio Dutra (PT-RS). O valor do jetom não foi informado.

O Ministério da Saúde diz que a indicação cumpre todos os parâmetros estabelecidos pela lei das estatais e que o nome de Koutzii foi “aprovado por todas as instâncias de avaliação”. A Conab afirma que o caso do conselheiro está de acordo com as regras. O grupo Conceição afirma que a lei “estabelece o requisito como sendo formação acadêmica compatível, sem especificar área de atuação”.

Também chamam atenção assessores de ministérios indicados para conselhos sem relação com suas pastas ou históricos de formação.

Marcio Tavares dos Santos, 39, secretário-executivo do Ministério da Cultura e curador de arte, recebe R$ 3.521,04 por mês como conselheiro do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, instituição vinculada ao Ministério da Educação.

Ele tem mestrado em história e doutorado em arte e foi secretário nacional de Cultura do PT. Também compõe o conselho da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), cuja atividade tem relação com a sua formação.

Procurado, o gabinete de Santos direcionou as questões à assessoria de imprensa do Ministério da Cultura. A pasta não se manifestou sobre a formação acadêmica, mas afirmou que a ocupação atual e a atuação em funções de gestão oferecem a ele repertório e conhecimentos técnicos para o cargo.

A jornalista Hemeline Camata, 39, chefe da assessoria especial do Ministério de Minas e Energia, sob o comando de Alexandre Silveira, foi indicada pela pasta para o conselho da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais. Ela não tem formação na área de geologia e recebe R$ 3.005,81 mensais para compor o órgão.

Segundo a empresa, o nome atende à legislação. A pasta afirma que a indicação cumpriu os requisitos legais e foi analisada pelo comitê de pessoas, elegibilidade, sucessão e remuneração da companhia.

O processo de indicação dos conselheiros começa nos ministérios, que devem fazer uma análise prévia de atendimento aos requisitos. Os nomes são submetidos à Casa Civil. Depois, seguem para análise da estatal e, em caso de aval, são apreciados geralmente em assembleia geral.

Fábio Pupo e Guilherme Seto, Folhapress

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