Disparada de fraudes no INSS em 2023 passa por mudança nas regras, omissão e indicações políticas
Os descontos ilegais em benefícios de aposentados e pensionistas do INSS são um problema que começou a entrar no radar em 2018, mas que disparou a partir de 2023, primeiro ano do governo Lula. O forte crescimento dos débitos motivou uma investigação pela Controladoria-Geral da União (CGU), nesse mesmo ano, e culminou na Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal nesta semana.
Os motivos para a explosão dos descontos – quase todos sem autorização – passam pelo afrouxamento das regras, motivada por lobbies no Congresso Nacional, por falhas do INSS no controle e na fiscalização, e por indicações políticas para o órgão. O escândalo levou à demissão do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e de outros dirigentes do INSS, além da apreensão de carros de luxo, joias e dinheiro vivo.
A auditoria da CGU mostra que o valor dos débitos saltou 34% em 2018, mas caiu nos dois anos seguintes, em 2019 e 2020. Depois disso, voltou a subir a partir de 2021. Em 2023, aumentou 84%, para disparar 119% em 2024. Uma auditoria do próprio INSS verificou aumentos significativos de descontos indevidos em 2023 e 2024, chegando a quase 1,5 milhão de mensalidades no ano passado.
Procurado, o INSS não se manifestou. Em nota divulgada mais cedo, o instituto afirmou que, na atual gestão, “ações imediatas foram tomadas” (leia mais abaixo).
Congresso atuou para impedir revalidação de descontos
A judicialização de muitos casos de descontos indevidos entre os anos de 2017 e 2018 levou o governo Jair Bolsonaro a apertar as regras já no início do seu mandato, pegando carona na Medida Provisória (MP) 871, que tratava das primeiras mudanças relativas à reforma da Previdência.
O texto original, redigido pelo Executivo, estabelecia que todos os descontos nas folhas de pagamento concedidos a associações de aposentados precisariam ser revalidados ano a ano. A ideia era que essa revalidação periódica limpasse as fraudes para trás e coibisse também novos abusos, para frente.
Durante a tramitação do texto no Congresso, contudo, a atuação de lobbies das associações, junto a deputados e senadores, conseguiu prorrogar esse prazo de um ano para três, estabelecendo ainda que a regra só começaria a contar a partir de 31 de dezembro de 2021. A mudança foi sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Quando chegou o prazo, em 2021, o Congresso colocou um “jabuti” em outra medida provisória, prorrogando mais uma vez o prazo: agora, a revalidação seria a cada três anos, podendo ser prorrogado por mais um, a partir de 31 de dezembro de 2022. O novo período foi incorporado pelo INSS em uma instrução normativa de 28 de março de 2022.
Antes que o novo prazo chegasse, também por forte atuação das associações no Congresso, um novo “jabuti” foi inserido na MP 1.107, em 2022, revogando em definitivo qualquer tipo de revalidação de assinaturas e autorizações por parte de aposentados e pensionistas. Com isso, na prática, não houve endurecimento das regras, durante esse período.
Em março de 2024, o então presidente do INSS, Alexandre Stefanutto, revogou a revalidação ao assinar uma instrução normativa sobre os descontos.
Regras frouxas coincide com loteamento político do INSS
A mudança nas regras coincide também com o que seria o loteamento político do INSS a partidos ligados ao Centrão, ainda no governo Jair Bolsonaro. A atuação desse mesmo grupo teria se perpetuado durante o governo Lula, apesar da troca de espectro político entre as duas gestões.
Um ponto de mudança, segundo interlocutores ouvidos pelo Estadão sob reserva, é a nomeação do servidor do INSS José Carlos Oliveira à diretoria de Benefícios do órgão, em maio de 2021. À época filiado ao PSD, Oliveira teve uma ascensão meteórica dentro do governo Bolsonaro: da diretoria de Benefícios, em maio, assumiu a presidência do INSS, em novembro de 2021, para ser nomeado ministro do Trabalho e Previdência, em março do ano seguinte, em cerimônia no Palácio do Planalto.
Com a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi nomeado para a diretoria de Benefícios do INSS o servidor André Fidelis. Apesar da troca de governo, Fidelis também tinha ligações com associações e partidos do Centrão e, durante a sua gestão à frente da diretoria, as fraudes ganharam novas proporções, segundo pessoas a par do assunto.
Em junho de 2024, após uma série de reportagens publicadas pelo portal Metrópoles, mostrando a ampliação das fraudes, Fidelis foi exonerado do cargo. Ainda assim, os descontos ilegais não pararam, o que levou a uma atuação mais direta de órgãos de controle.
Procurado, José Carlos Oliveira não se manifestou. A reportagem não conseguiu contato com André Fidelis.
Investigações apontam omissão e falhas do INSS que permitiram aumento das fraudes
As investigações da CGU, da Polícia Federal, do TCU e dos auditores do INSS identificaram falhas do órgão no período em que os descontos irregulares dispararam. Em outras palavras, é como se a porta de entrada dos crimes que vinham acontecendo não tivesse sido fechada, permitindo o aumento nas fraudes.
O relatório da CGU sobre o esquema afirma que “o INSS não implementou controles suficientes para mitigar os riscos de descontos indevidos.” O mesmo entendimento foi citado pela PF.
O TCU, em uma análise paralela no ano passado, também verificou falhas de controle no INSS que permitiram os descontos indevidos. A Corte de Contas alertou que o órgão poderia ser responsabilizado pelos danos aos aposentados em virtude das mensalidades ilegais.
Uma auditoria feita por técnicos do próprio INSS, em 2024, encontrou brechas nos acordos firmados pelo órgão com os sindicatos, ausência de fiscalização das mensalidades e erros na avaliação de parcerias com entidades suspeitas.
No mesmo ano, o INSS baixou a Instrução Normativa 162, de 28 de março, que exigiu reconhecimento biométrico e assinatura eletrônica, por parte de aposentados e pensionistas, para a concessão dos descontos.
Como mostrou o Estadão, a mesma norma, assinada pelo presidente afastado do INSS Alessandro Stefanutto, também eximiu o órgão de culpa por qualquer desconto indevido.
“O INSS não responde, em nenhuma hipótese, pelos descontos indevidos de mensalidade associativa, restringindo-se sua responsabilidade ao repasse financeiro à entidade em relação às operações devidamente autorizadas pelos beneficiários.”
Governo culpa digitalização; INSS diz que tomou ‘ações imediatas’
O governo atual alega que a digitalização permitiu o aumento do número de associações conveniadas com o INSS, e isso potencializou as fraudes por meio dos descontos. Auditoria da Controladoria Geral da União (CGU) mostra que as associações conveniadas saltaram de 15, em 2021, para 22, em 2022, indo a 27 e 33, nos dois anos seguintes.
O INSS, por sua vez, disse em nota que apenas uma associação alvo de ações judiciais pela Operação Sem Desconto firmou contrato no atual governo, e que os problemas tiveram início no governo anterior. O texto diz que os acordos de cooperação foram suspensos, após a Operação da Polícia Federal, e que os valores descontados de forma indevida serão devolvidos após avaliação de grupo de Advocacia-Geral da União (AGU).
Além disso, afirmam que “ações imediatas” foram tomadas pela atual gestão para coibir irregularidades, e que somente uma associação investigada pela CGU assinou acordo com o órgão em 2023.
“Das 11 entidades investigadas pela CGU, somente uma teve acordo assinado em 2023. As demais são de 1994, 2014, 2017 (2), 2021 e 2022 (5). Como é possível observar, esses descontos vinham ocorrendo em governos anteriores. Na atual gestão, ações imediatas foram tomadas”, disse o órgão.
Entre as medidas citadas em uma lista, a partir de 2024, estão o uso de assinatura eletrônica avançada e biometria (para novos contratos), limitação de desconto a 1% do limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e reformulação da diretoria de Benefícios, em junho de 2024.
Segundo o órgão, a biometria está em pleno funcionamento desde fevereiro de 2025 e houve aumento dos cancelamento entre 2023 e 2025.
Alvaro Gribel/Daniel Weterman/Estadão
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