Café, consultoria, material didático: entidade internacional vira ‘faz-tudo’ do governo
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Foto: Ricardo Stuckert/PR |
Sediada em Madri, na Espanha, a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) atua em Brasília como um grande guarda-chuva para compras e serviços de vários tipos – inclusive alguns que geralmente são feitos diretamente, por servidores públicos. A lista de itens contratados por meio da OEI, sem licitação, vai de fornecimento de café e chá, oferta de profissionais da limpeza e compra de canetas personalizadas para eventos até a contratação de consultores.
A entidade ampliou as próprias atividades no Brasil desde 2023. No terceiro mandato de Lula (PT), a OEI já fechou 21 contratos com 19 ministérios e empresas públicas, que somam mais de R$ 710 milhões. Só para organizar a Cúpula do G-20, no final do ano passado, e a COP-30, a entidade embolsará até R$ 30,6 milhões em taxas de administração.
Procurada, a organização afirmou que os serviços “ilustram o papel técnico da OEI, que consiste em executar ações complementares às políticas públicas, apoiando a realização de pesquisas, monitoramento, avaliação e implementação. Em todos os casos, os termos de cooperação são públicos, os recursos são auditáveis, e os processos seguem critérios de legalidade, economicidade e transparência, em conformidade com os marcos do direito internacional e da legislação brasileira”. Disse ainda que as contratações “seguem procedimentos de seleção, prestação de contas e auditoria, de acordo com os normativos da OEI e com os compromissos firmados com os órgãos parceiros.”
A Casa Civil informou, por meio de nota, que “a parceria com a OEI, com toda sua expertise em organização de eventos de caráter internacional, permitiu a contratação de consultores com o know-how necessário para estes processos administrativos de contratação mais incomuns”. Leia mais abaixo.
Para a diretora executiva da Transparência Internacional no Brasil, Juliana Sakai, a atuação pode oferecer riscos aos cofres públicos. “Se a entidade está fazendo subcontratações, ela efetivamente está desempenhando o papel do governo. No fim das contas, isso acaba sendo um meio de fazer contratações sem licitação, o que pode significar prejuízos para a administração pública.”
Ela também alerta para a necessidade de o governo ter embasamento para a escolha da entidade em detrimento de empresas nacionais. “A contração precisa estar muito bem amarrada na sua justificativa. Por que não se pode fazer um evento desses para beneficiar empresas brasileiras? Na prática, contratações públicas são uma forma de fomento público.”
O aumento do número de contratos da OEI com a União foi propiciado pela edição de dois decretos presidenciais, em março e em setembro do ano passado. Os dois dispositivos aumentaram a taxa de administração máxima cobrada pela entidade de 5% para 10%, e simplificaram as regras de contratação, dispensando a necessidade de aval da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), ligada ao Itamaraty – agora, basta notificar a agência.
Para realizar eventos como a COP-30, a entidade subcontrata serviços diversos, que vão desde auxiliares de limpeza até canetas personalizadas. Mas os eventos são só uma parte da atuação: a OEI, tradicionalmente, funciona como uma “agência” de consultores para vários ministérios – numa busca no “Diário Oficial da União”, o Estadão encontrou extratos da contratação de 325 pessoas para trabalhos de consultoria por meio da entidade.
Entidade é usada para comprar caneta personalizada, garrafinha de água, chá e café
No principal contrato firmado com o governo, a OEI foi escolhida para gerir R$ 480 milhões destinados à realização da COP-30, em Belém. De acordo com informações do edital, a entidade será responsável pela contratação de profissionais de limpeza, recepcionistas, tradutores e motoristas.
Também foi incumbida da compra de canetas personalizadas para presentear quem vai ao evento, de notebooks para a equipe de funcionários, de garrafas de água e de café e chá. A organização conduz as aquisições fora do alcance dos mecanismos de controle a que órgãos públicos estão submetidos, como a Lei das Licitações.
Do valor total do contrato, 5% serão destinados à OEI a título de taxa de administração.
Na Secretaria-Geral da Presidência da República (SG-PR), por exemplo, consultores contratados por meio da OEI ajudam o governo federal a “promover a participação da sociedade por intermédio de instâncias e processos participativos na elaboração, implementação e monitoramento das políticas públicas para o aprimoramento da democracia participativa”, ao custo total de R$ 10 milhões.
Na Secretaria Extraordinária da COP-30 (Secop) da Casa Civil, a OEI foi usada para terceirizar a contratação de um consultor “especializado em contratações públicas” para trabalhar na organização da Conferência, ao valor de R$ 147 mil, durante um ano. O profissional deverá “subsidiar a atuação da Secretaria Extraordinária para a COP30 (SECOP) no planejamento, na implementação e na prestação de contas das ações relativas à (…) COP-30″ – uma atividade típica de servidores do quadro do Poder Executivo.
No Ministério da Educação, um outro consultor foi contratado para a produção de materiais didáticos destinados a um curso de capacitação em matemática. O curso tem como público alvo professores que atuam no Programa Brasil Alfabetizado. O profissional ficou incumbido de “formular e editar materiais instrucionais e ferramentas de apoio – digitais, audiovisuais – para utilização nas atividades pedagógicas” do programa.
Além da edição dos decretos por parte do presidente da República, a OEI também é beneficiada no governo Lula pela proximidade com dirigentes petistas. No começo da atual gestão, a entidade chegou a oferecer um cargo para a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja – as tratativas não foram adiante. Até recentemente, a entidade era comandada no Brasil por Leonardo Barchini, atual secretário-executivo do MEC.
OEI: quantidade de projetos varia com políticas em execução
À reportagem, a OEI disse que o número de projetos de cooperação internacional tocados pela entidade varia ao longo dos anos, “de acordo com as mudanças nos governos”. “Isso está diretamente relacionado à quantidade de políticas públicas em andamento, que se beneficiam do apoio de organismos internacionais e de sua expertise”.
“É importante ressaltar que a OEI é um organismo internacional de natureza intergovernamental, de caráter público e sem fins lucrativos, com o Brasil sendo um dos países fundadores (1949). A OEI é uma pessoa jurídica de direito público externo, composta por Estados-membros”, disse a entidade.
Sobre as contratações realizadas pela entidade, a OEI disse adotar um “manual de contratações que segue princípios gerais da legislação brasileira”. “O processo é público, garantindo ampla concorrência, vantajosidade e isonomia. A OEI aplica, subsidiariamente, a legislação geral de licitação e os parâmetros europeus, como fazem outros organismos internacionais”, disse a entidade.
A Casa Civil informou que parcerias com organismos internacionais para contratações de consultoria “têm sido uma praxe na administração pública há décadas e com bons resultados”. Embora a OEI tenha ressaltado que segue “princípios gerais da legislação brasileira”, a pasta ressaltou que a entidade não subcontrata, mas faz licitação.
“No caso da Secretaria Extraordinária para a COP30 (Secop), os consultores especializados em contratações públicas têm auxiliado a equipe da Secretaria Extraordinária em processos administrativos muito específicos e até singulares (como os de contratação de solução de hospedagem), que destoam daqueles da rotina da Administração Pública e demandam um conhecimento especializado”, disse a Casa Civil.
Veja a íntegra da nota da Casa Civil:
A Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) é uma organização internacional de direito público externo, e não uma entidade privada. Reiteramos que a OEI não possui contratos com o Governo Federal, mas sim projetos de cooperação. Para a COP30, a OEI não “subcontrata” empresas, ela LICITA empresas. Diante disso, especificamente na Licitação nº 11060/2025 – OEI/COP30 participaram quatro empresas para atuação na Green Zone e quatro empresas na Blue Zone, na modalidade técnica e preço. Dessa forma, a escolha de empresas se dá por meio de licitações com procedimentos semelhantes aos adotados pelo Governo Federal.
Destacamos que o estabelecimento de parcerias com organismos internacionais, visando à contratação de serviços de consultoria, tem sido uma praxe na Administração Pública há décadas e com bons resultados.
No caso da Secretaria Extraordinária para a COP30 (Secop), os consultores especializados em contratações públicas têm auxiliado a equipe da Secretaria Extraordinária em processos administrativos muito específicos e até singulares (como os de contratação de solução de hospedagem), que destoam daqueles da rotina da Administração Pública e demandam um conhecimento especializado.
A parceria com a OEI, com toda sua expertise em organização de eventos de caráter internacional, permitiu a contratação de consultores com o know-how necessário para estes processos administrativos de contratação mais incomuns. Reiteramos que os consultores contribuem com conhecimento especializado e não substituem servidores públicos.
Vale ressaltar que a COP30 é um evento único e extraordinário, que não justifica a formação de um quadro permanente de servidores públicos na Secop, nem a requisição de servidores públicos de outros órgãos e entidades, com um provável desfalque que impactaria na implementação de políticas públicas e de serviços prestados ao cidadão.
Gustavo Côrtes/André Shalders/Vinícius Valfré/Estadão
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