Conselho de Segurança da ONU aprova 1ª resolução de cessar-fogo imediato em Gaza; EUA se abstêm

Foto: Reuters
Pela primeira vez desde o 7 de outubro, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou uma resolução que demanda um cessar-fogo imediato na guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza. O texto votado nesta segunda-feira (25) estabelece uma cessação de hostilidades durante o Ramadã, período sagrado para os muçulmanos, que começou em 11 de março e termina em 9 de abril.

A resolução recebeu o apoio de 14 dos 15 membros do órgão —os Estados Unidos se abstiveram. O gesto americano rompe com a postura e o país vinha adotando até então, usando seu poder de veto para blindar Tel Aviv. Assim, mesmo não tendo oficialmente apoiado o texto, a posição de Washington representa uma escalada da tensão na relação entre o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu e o presidente Joe Biden.

A resolução foi proposta pelo grupo de dez membros não permanentes (Equador, Japão, Malta, Moçambique, Coreia do Sul, Serra Leoa, Eslovênia, Suíça, Argélia e Guiana). O texto pede ainda a soltura imediata e incondicional dos reféns pelo Hamas, mas sem atrelar o cessar-fogo a essa libertação —como demandavam os americanos—, e a garantia do acesso humanitário à região.

O governo israelense criticou a resolução e, sobretudo, os aliados americanos. Em nota, disse que a abstenção dos EUA é “um recuo na posição consistente americana desde o início da guerra” e que “dá ao Hamas a esperança de que a pressão internacional vai permitir que eles alcancem um cessar-fogo sem libertar os reféns”.

Em resposta, Netanyahu cancelou a visita de uma delegação de Tel Aviv a Washington nesta semana para discutir uma operação militar planejada em Rafah —a qual os americanos tentam dissuadir os aliados de concretizarem. A Casa Branca se disse “muito desapontada” com a decisão.

Tel Aviv já sinalizou que não pretende obedecer a determinação. Em seu perfil no X, o ministro das Relações Exteriores, Israel Katz, disse que o país não vai interromper as operações e que continuará a lutar “até que o último dos sequestrados volte para casa”.

O embaixador israelense na ONU, Gilad Erdan, afirmou que o texto “faz parecer como se a guerra tivesse começado sozinha”. Ele afirmou que não há como recuperar os reféns sem uma operação militar, chamando de “contradição moral” o Conselho de Segurança demandar um cessar-fogo sem atrelá-lo à soltura das pessoas sob poder do Hamas.

Apesar de as resoluções do Conselho de Segurança serem obrigatórias e abrirem caminho para punições a quem desrespeitá-las, dificilmente Israel sofrerá alguma consequência, avaliam analistas. Isso porque a penalização por uma eventual violação —a aplicação de sanções econômicas, por exemplo— exige aval do órgão, e é esperado que os EUA vetem qualquer medida mais dura.

Assim, o principal impacto prático da decisão do Conselho é o enfraquecimento interno de Netanyahu, avalia a pesquisadora do Instituto de Relações Internacionais da USP e colaboradora do Instituto Brasil-Israel, Karina Calandrin.

“O argumento é que Netanyahu conseguiu fazer com que os EUA, um aliado histórico, abandonassem Israel. A popularidade do primeiro-ministro já está em baixa, e internamente a ação é vista como os EUA abandonando Israel por causa dele”, analisa.

Oficialmente, os EUA afirmam que não votaram a favor da resolução porque o texto não vinculou o cessar-fogo à libertação das pessoas em poder do Hamas e nem condenou as ações do grupo terrorista, disse o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby.

“Esta falha em condenar o Hamas é particularmente difícil de entender, vindo dias após o mundo mais uma vez testemunhar os atos horríveis que grupos terroristas cometem”, afirmou, em nota, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, em referência ao ataque em Moscou na última semana pelo Estado Islâmico.

Nesta segunda, o diplomata recebe em Washington o ministro de Defesa israelense, Yoav Gallant.

O Hamas, por sua vez, avaliou positivamente a resolução e disse estar disposto a fazer uma troca de prisioneiros envolvendo os dois lados do conflito. O grupo terrorista pediu também que o cessar-fogo se torne permanente e que resulte “na retirada de todas as forças sionistas da Faixa de Gaza, e o retorno dos deslocados de suas casas para os lares que eles deixaram”.

A Autoridade Palestina também saudou a aprovação. Em seu perfil na rede social X, o ministro para Assuntos Civis, Husein Al Sheij, exigiu o fim definitivo do conflito e a retirada imediata das forças israelenses de Gaza.

O representante palestino na ONU, Riyad Mansour, disse que a resolução é bem-vinda, mas destacou que o conselho demorou seis meses para demandar um cessar-fogo. “Isso deve ser um ponto de virada, isso deve levar a salvar vidas em campo. Isso deve sinalizar o fim dessas atrocidades contra nosso povo”, disse.

A resolução vinha sendo negociada há dias e chegou a ser prevista para ser votada no sábado, mas foi adiada para permitir mais discussões. Nesta segunda, a Rússia ainda propôs uma emenda para incluir a palavra “permanente” ao lado de cessar-fogo, conforme redação anterior do texto, mas foi derrotada.

Logo após a votação, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou em seu perfil no X o fracasso em implementar a resolução seria “imperdoável”. Segundo autoridades palestinas, cerca de 32 mil pessoas, em sua maioria mulheres e crianças, foram mortas desde o início da guerra, em 7 de outubro, quando o Hamas matou cerca de 1.200 pessoas e fez 253 reféns, dos quais aproximadamente 100 continuam sequestrados.

A aprovação ocorre após um fracasso de um texto semelhante proposto pelos EUA na última sexta (22), vetado por Rússia e China sob a justificativa de que ele não seria claro o suficiente sobre a necessidade de um cessar-fogo imediato. Os países também acusaram Washington de hipocrisia, por ter previamente vetado três resoluções que pediam uma cessação das hostilidades.

No ano passado, por exemplo, os EUA vetaram uma resolução proposta pelo Brasil pouco tempo após a eclosão do conflito que falava em pausas humanitárias, sob a justificativa de que o texto não reconhecia o direito de Israel de se defender.

No início de dezembro, Washington também derrubou o texto proposto pelos Emirados Árabes Unidos alegando que ele era utópico e “incapaz de mudar a situação em campo em termos práticos”.

Em fevereiro, os americanos usaram novamente seu poder de bloqueio contra uma resolução proposta pela Argélia. O argumento foi que o texto não vinculava o cessar-fogo à soltura dos reféns que continuam em Gaza e, portanto, poderia comprometer “negociações delicadas” em curso.

ATAQUES EM GAZA E HOSPITAIS SITIADOS

Nesta segunda, médicos palestinos disseram que o Exército de Israel matou dezenas de pessoas em novos ataques em Gaza. Após invadir o hospital Al-Shifa na semana passada, Tel Aviv mantém um bloqueio de dois hospitais sob a alegação de que há combatentes do Hamas nos prédios —algo que a equipe de saúde e o grupo terrorista negam.

Forças israelenses também estavam sitiando os hospitais Al-Amal e Nasser na cidade sulista de Khan Younis, disseram testemunhas palestinas, uma semana após entrarem no hospital Al Shifa em Gaza, o principal hospital da Faixa.

Rafah, cidade no sul da Faixa de Gaza onde mais de 1 milhão de palestinos se refugiam da guerra, foi um dos locais atingidos nos ataques mais recentes. Último conglomerado urbano do território palestino que ainda não foi alvo de uma operação terrestre maciça das forças israelenses, Rafah se tornou uma questão central para o desgaste entre o presidente americano, Joe Biden, e o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu.

Segundo profissionais de saúde no território, 30 pessoas foram mortas na cidade nas últimas 24 horas. “A cada bombardeio que ocorre, tememos que os tanques entrem. As últimas 24 horas foram um dos piores dias desde que nos mudamos para Rafah”, disse Abu Khaled, pai de sete filhos que se recusou a dar seu nome completo por medo de represálias.

“Vivemos com medo. Estamos com fome, desabrigados e nosso futuro é desconhecido. Sem um cessar-fogo à vista, podemos acabar mortos ou deslocados para outro lugar”, disse ele à agência de notícias Reuters por meio de um aplicativo de mensagens.

ENTENDA O PODER DO CONSELHO DE SEGURANÇA E DAS RESOLUÇÕES

De acordo com Dawisson Belém Lopes, professor de política internacional e comparada da UFMG, os poderes do Conselho de Segurança, em termos técnicos, “são quase infinitos”. “O conselho pode determinar qualquer tipo de solução política para situações que inspirem algum tipo de pronta reação da comunidade internacional”, diz.

Tire suas dúvidas sobre os poderes do conselho e da resolução sobre o Oriente Médio, segundo Lopes.

Que poderes tem o Conselho de Segurança da ONU?

Em termos técnicos, os poderes são quase infinitos. Ele tem um mandato que não é limitado tematicamente, ou seja, qualquer tópico pode ser securitizado. Por isso ele tem aumentado ao longo do tempo seu escopo temático. Ele pode dar saídas que envolvam ou não o uso da força. Contanto que se sigam certos procedimentos, ele pode atuar em qualquer lugar do planeta, pode ser mobilizado para discussões concernentes a países membros e não membros da ONU. É um órgão político que pode fazer qualquer coisa para cuidar da segurança internacional.

O que é uma resolução?

Resolução é um documento discutido e votado pelos membros do Conselho, formado por 15 países, dos quais há 5 permanentes e 10 rotativos, com mandatos bienais. Essa normativa é sempre casuística, ou seja, é sempre caso a caso. É diferente da carta da ONU, que é uma espécie de Constituição da ONU, a resolução é um documento que resulta da convergência dos interesses, da posições dos atores, lembrando sempre que para que uma resolução seja aprovada, requer-se que ela atinja 9 votos dos 15 possíveis. Além disso, ele não pode receber votos negativos dos membros permanentes.

A natureza jurídica da resolução é mandatória, diferente do Assembleia-Geral da ONU, que também produz resoluções, mas recomendatórias. O Conselho de Segurança tem natureza obrigatória, o que vem dele tem força de coerção. Vem embutido ali um poder coercitivo do direito internacional. Os atores em tese devem cumprir.

O que acontece se uma resolução for descumprida?

O estado que descumpre uma resolução comete um ilícito internacional. Todo estado tem direitos e obrigações. Se ele infringe uma lei, ele deve ser punido, existem tribunais internacionais para apenar os Estados. A Corte Internacional de Justiça é, por exemplo, uma espécie de Poder Judiciário do sistema ONU, mas nem sempre há vontade política para implementar essas penas, levar às últimas consequências.

Fernanda Perrin/Folhapress

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