Bandidos armados sequestram 287 estudantes em escola na Nigéria

Homens armados atacaram uma escola na região noroeste da Nigéria, capturando pelo menos 287 estudantes, no segundo rapto em massa no país da África Ocidental em menos de uma semana.

O sequestro é mais um na série de crimes que assola a Nigéria, país mais populoso da África. A zona mais letal é o nordeste do país, onde os jihadistas ligados ao Estado Islâmico atacam o exército e as aldeias. O noroeste também está repleto de gangues que rotineiramente sequestram para pedir resgate. Um conflito de décadas entre pastores, em sua maioria muçulmanos, e fazendeiros, em sua maioria cristãos, continua no centro do país, onde na véspera de Natal homens armados mataram pelo menos 160 pessoas. A violência separatista ainda é latente no sudeste do país.

Em sua posse, em maio passado, o presidente Bola Tinubu declarou que a segurança era sua “prioridade máxima”. No entanto, mais de 3.600 pessoas foram sequestradas em 2023, o maior número de todos os tempos, de acordo com o ACLED, um monitor global de conflitos. Os sequestros aumentaram acentuadamente depois que Tinubu assumiu o cargo. E quase 9.000 nigerianos foram mortos em conflitos no ano passado.

As autoridades haviam dito anteriormente que mais de 100 estudantes foram feitos reféns no ataque. Mas Sani Abdullahi, o diretor da escola, disse ao governador de Kaduna, Uba Sani, quando visitou a cidade ontem, que o número total de desaparecidos após a contagem era de 287.

“Vamos garantir que todas as crianças voltem. Estamos trabalhando com as agências de segurança”, disse o governador aos moradores.

Os raptos de estudantes de escolas no norte da Nigéria são comuns e tornaram-se uma fonte de preocupação desde 2014, quando terroristas islâmicos raptaram mais de 200 estudantes na aldeia de Chibok, no Estado de Borno. Nos últimos anos, os raptos concentraram-se nas regiões noroeste e central, onde dezenas de grupos armados têm frequentemente como alvo aldeões e viajantes em busca de enormes resgates.

Há uma década os grupos criminosos, conhecidos como “bandidos”, realizam roubos de gado e executam sequestros para pedir resgates. Mas, com a economia em crise no país por causa da pandemia do coronavírus, o banditismo se tornou uma indústria em crescimento. As vítimas agora não são apenas ricos, poderosos ou famosos, mas também os pobres — e cada vez mais, crianças em idade escolar que são presas em massa.

A volta dos sequestros em massa de estudantes trouxe à memória o rapto de Chibok, em 2014, quando o grupo terrorista islâmico Boko Haram sequestrou 276 estudantes, causando indignação mundial. Mais de 100 meninas continuam desaparecidas e ninguém sabe quantas sobreviveram ao sequestro.

Mas os dois fenômenos são diferentes: os chamados “bandidos” atuam por dinheiro e não por razões ideológicas, apesar dos vínculos de alguns criminosos com os grupos jihadistas. E, por causa da crise econômica no país, o banditismo atrai cada vez mais jovens desempregados em regiões onde mais de 80% dos habitantes vivem na extrema pobreza. Alguns grupos têm centenas de integrantes e outros apenas algumas dezenas.

O governo tende a se esbanjar em sistemas de armas sofisticados que não conseguem resolver a raiz do problema, que é a pobreza, a educação precária e a raiva pelas atrocidades cometidas pelo exército. O último orçamento inclui fundos para seis helicópteros de ataque turcos t-129, além dos 12 dispendiosos helicópteros Bell comprados no ano passado dos Estados Unidos por US$ 1 bilhão, sem mencionar 12 aeronaves de ataque Super Tucano. A compra de drones de ataque se tornou tão popular que o exército tem sua própria frota ao lado da força aérea.

Mas os drones não são bons para proteger as escolas contra sequestros, e o armamento pesado pode causar desastres. Recentemente, um drone matou pelo menos 85 civis em um festival no estado de Kaduna – não é o primeiro erro desse tipo. O exército prometeu “ajustar” suas operações, mas é necessária uma mudança mais radical. A polícia, bem equipada, mas capaz de usar melhor a inteligência humana, deve liderar a segurança doméstica, e não o exército, que foi implantado em todos os 36 estados da Nigéria.

Outro grande problema é a corrupção nos gastos com segurança. “A defesa é uma parte realmente importante do orçamento, na qual você pode retirar grandes quantidades de dinheiro sem que as pessoas percebam”, diz Matthew Page, da Chatham House, um think-tank em Londres. Grande parte do orçamento, segundo ele, ainda é para recompensar aqueles que pagaram para que Tinubu fosse eleito. Às vezes, o exército não recebe sua alocação orçamentária.

Isso é agravado por um sistema conhecido como “votos de segurança”, por meio do qual partes dos gastos com defesa são consideradas sensíveis demais para exigir supervisão pública. Essa prática, que representa talvez US$ 700 milhões por ano, aumentou drasticamente durante o governo do último presidente e pode aumentar ainda mais durante o governo Tinubu.

O orçamento de defesa quase triplicou desde 2019. Mas, graças à inflação, às compras supérfluas e à corrupção, os nigerianos não parecem estar mais seguros. O general Christopher Musa, chefe da equipe de defesa, parece entender as raízes da insegurança. “O esforço militar por si só é incapaz de restaurar a paz duradoura”, diz ele, acrescentando que o exército ajudou a construir centenas de escolas sob seu comando no nordeste do país.

No entanto, muitos políticos parecem mais dispostos a gastar consigo mesmos, em vez de criar as condições para a paz ou preencher o buraco fiscal do país. Mesmo que o Sr. Tinubu resista à tentação de restabelecer o subsídio da gasolina que ele removeu em grande parte no ano passado, somente o serviço da dívida em 2024 poderá consumir 61% da receita.

Em novembro, a assembleia nacional aprovou novos veículos utilitários esportivos para todos os 460 legisladores, a um custo relatado de mais de US$ 150.000 por carro. Em dois meses, o governo orçou US$ 31 milhões para melhorar as acomodações do presidente e do vice-presidente – em um país com cerca de 220 milhões de habitantes, onde mais de 80 milhões vivem com menos de US$ 2,15 por dia e muitos temem ser sequestrados.

A violência no país provocou desde 2011 as mortes de mais de 8 mil pessoas e o deslocamento de mais 200 mil, segundo um relatório do International Crisis Group (ICG) publicado em maio de 2020.

Os governadores têm sido duramente criticados por não protegerem seus cidadãos — e, quando os reféns são libertados, o governo tira proveito da publicidade. Nesta terça, as autoridades reuniram as estudantes em um auditório e entregaram roupas limpas e hijabs (véu que cobre o cabelo e peito) de cor azul. Depois, na presença de jornalistas e fotógrafos, elas se perfilaram para cantar o hino nacional nigeriano.

Depois de cada libertação, autoridades negam que tenham pagado resgate, mas especialistas em segurança temem que esse pagamento estimule os sequestros em regiões inseguras, minadas pela extrema pobreza. Funcionários corruptos também já foram acusados de roubar parte do dinheiro, de acordo com analistas nigerianos e relatos da imprensa.

“Se o governo não levar isso a sério, não vejo o fim disso — disse ao New York Times Babuor Habib, especialista em educação e segurança de Maiduguri, no estado de Borno. “Os sequestradores encontraram agora uma maneira muito criativa e fácil de conseguir milhões de nairas [a moeda nigeriana]”.

Na semana passada, o presidente Muhammadu Buhari culpou os governos estaduais e locais pelo aumento dos ataques, dizendo que eles precisam melhorar a segurança nas escolas. Segundo ele, a política de “recompensar bandidos com dinheiro e veículos” também pode levar a “consequências desastrosas”.

Após a libertação das estudantes, Buhari expressou “imensa alegria”, e celebrou “o retorno das alunas traumatizadas”. Em comunicado, ele prometeu acabar com o conflito que afeta o Norte do país.

Novo alvo
As escolas que funcionam em regime de internato são comuns no Noroeste da Nigéria e muitas vezes estão localizados fora das cidades e aldeias, onde muitas vezes não há segurança. Por isso, outra consequência preocupante dos sequestros é o aumento da deserção escolar, especialmente das meninas, nesta região, a menos escolarizada da Nigéria.

O ataque de ontem ocorreu dias depois de mais de 200 pessoas, a maioria mulheres e crianças, terem sido raptadas por extremistas no nordeste da Nigéria.

Mulheres, crianças e estudantes são frequentemente alvo de raptos em massa na região norte, atingida pelo conflito, e muitas vítimas só são libertadas após pagarem grandes resgates.

Crise
Os observadores dizem que ambos os ataques são um lembrete do agravamento da crise de segurança na Nigéria, que resultou na morte de várias centenas de pessoas em 2023, de acordo com uma análise da agência Associated Press.

Bola Tinubu foi eleito presidente da Nigéria no ano passado após prometer acabar com a violência. “Mas ainda não houve nenhuma melhoria tangível na situação de segurança”, disse Oluwole Ojewale, investigador da África Ocidental e Central do Instituto de Estudos de Segurança, centrado em África.

A Anistia Internacional apelou às autoridades nigerianas para resgatarem os estudantes com segurança e responsabilizarem os responsáveis.

“Não sabemos o que fazer, estamos todos esperando para ver o que Deus pode fazer. Eles são meus únicos filhos que tenho na Terra”, disse Fatima Usman, mãe de dois alunos que estavam entre os sequestrados, à Reuters por telefone.

Outro pai, Hassan Abdullahi, disse que vigilantes locais tentaram repelir os homens armados, mas foram dominados. “Dezessete dos estudantes sequestrados são meus filhos. Me sinto muito triste porque o governo nos negligenciou completamente nesta área”, disse Abdullahi.

Os sequestros por homens armados se tornaram comuns no norte da Nigéria, perturbando a vida cotidiana e impedindo milhares de crianças de frequentar a escola.

O último grande rapto relatado envolvendo crianças em idade escolar em Kaduna ocorreu em julho de 2021, quando homens armados levaram mais de 150 estudantes em uma operação. Os estudantes foram reunidos meses depois com suas famílias, após pagarem resgates. /AP, AFP e NYT.

Estadão Conteúdo

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