‘Empresário’ que recebeu R$ 13,8 mi de verbas federais morava na periferia de São Paulo

Rua onde fica casa de dono de empresa de fachada que recebeu repasses milionários da prefeitura de Rio Largo em Alagoas Foto: André Shalders
No papel, Adson Lima da Silva, 33 anos, é um empresário de sucesso: figura como sócio de uma companhia de construção em Maceió (AL), tocada em parceria com a mulher, e que recebeu R$ 13,8 milhões, a maior parte de verbas federais repassadas a prefeituras alagoanas. Adson é também filho de um empresário do ramo de autopeças, cujo giro chega à casa das dezenas de milhões por ano. Na vida real, porém, a história é outra: Adson vivia numa casa modesta na Zona Norte de São Paulo, no bairro do Jaraguá.

O Estadão esteve no endereço que consta em relatório da Polícia Federal vinculado ao CPF de Adson. O que era para ser a moradia do suposto empresário com contratos milionários em Alagoas é uma casa onde vivem várias famílias. Segundo os vizinhos, Adson se mudou há alguns anos.

A PF acredita que ele seja “laranja” em um esquema de desvio de verbas federais enviadas para a cidade de Rio Largo (AL). Um inquérito da PF reuniu indícios de que o prefeito, Gilberto Gonçalves (Progressistas), teria usado duas empresas para desviar dinheiro federal. Uma das empresas está registrada em nome de Adson.

Na investigação, agentes federais gravaram imagens de pessoas sacando dinheiro das contas das empresas envolvidas e seguindo de carro até um beco onde eram entregues envelopes a veículos usados pela prefeitura de Rio Largo. O prefeito da cidade, Gilberto Gonçalves, é o principal alvo da investigação que apura indícios de desvios de recursos repassados pelo governo federal ao município.

Em 2007, Gilberto Gonçalves e o atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) foram alvos da Operação Taturana, que resultou na condenação de Lira por improbidade administrativa (ele ainda recorre). Como deputado federal, Lira indicou, por meio de emendas do chamado Orçamento Secreto, o envio de recursos para Rio Largo. O presidente da Câmara não é citado no inquérito da PF que tramita no Tribunal Regional Federal porque a autoridade investigada é um prefeito.
             
Nos registros da Receita Federal, Adson figura como um dos donos da construtora Litoral, de Maceió. Para a Polícia Federal, porém, trata-se de uma empresa de fachada: a Litoral nunca teve nenhum empregado registrado e a sede informada é um quarto do hotel Aqua Inn, no bairro da Ponta Verde da capital alagoana. Mesmo assim, a empresa recebeu R$ 13,8 milhões de vários municípios alagoanos de 2019 até fevereiro de 2022.

Segundo relatório da Polícia Federal, o dinheiro que abasteceu a empresa chegou às prefeituras alagoanas por meio do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica) e dos Fundos Municipais de Saúde (FMS) dos municípios, esse último alimentado também com recursos do Orçamento Secreto. No caso de Rio Largo, o Fundo Municipal de Saúde local recebeu quase R$ 9 milhões de emendas enviadas por Arthur Lira.

Adson também trabalhou durante um tempo em uma empresa de autopeças, chamada Reauto – esta existe de fato e pertence ao pai de Adson, Ailton. Apesar disso, a Reauto “apresenta estrutura incompatível com os valores que transitaram por suas contas, pois, entre 01/01/17 e 15/02/22, recebeu R$ 49.038.965,19? de Rio Largo e outras prefeituras alagoanas, segundo a PF.

Adson, seu irmão Alisson e outras pessoas ligadas à Litoral e à Reauto fizeram 233 saques de dinheiro vivo, na boca do caixa, com valores acima de R$ 10 mil – a maior parte deles tinha o valor de R$ 49 mil. Alguns do saques ocorriam no mesmo dia em que a prefeitura de Rio Largo depositava na conta da Litoral. Trata-se de uma tática para evitar a detecção pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que recebe alertas sobre operações acima de R$ 50 mil. Em quatro ocasiões, a Polícia Federal flagrou pacotes de dinheiro sendo entregues pelo pessoal das empresas a seguranças pessoais de Gilberto Gonçalves, que inclusive estavam usando veículos oficiais do município. O dinheiro foi então levado à prefeitura.

O imóvel onde Adson viveu em São Paulo é uma casa simples na comunidade conhecida como Jardim Ipanema, no bairro do Jaraguá, na Zona Norte de São Paulo. A fachada é pintada em amarelo vivo, e na parede há cinco relógios de medição de energia elétrica – uma longa escada dá para um pátio, sugerindo que ali vivem várias famílias. Moradores do local conheciam Adson, e disseram o nome de seu irmão, Alisson, antes que a reportagem o mencionasse. Não se tratava, portanto, de um homônimo.

Segundo os vizinhos, o alagoano não mora mais ali há tempos: voltou para Alagoas há quatro ou cinco anos. Ele, no entanto, continua vindo a São Paulo para visitar: esteve na cidade há cerca de um mês e passou alguns dias na mesma casa.

Rio Largo é uma cidade de 75 mil habitantes na região metropolitana de Maceió. É na cidade vizinha à capital alagoana que está instalado o aeroporto internacional de Zumbi dos Palmares. Nos últimos anos, a cidade não recebeu emendas parlamentares individuais ou de bancada: todo o dinheiro de emendas que chegou a Rio Largo foi do Orçamento Secreto, enviado por meio das chamadas emendas de relator. Foram 90,8 milhões empenhados, isto é, reservados para a cidade, dos quais R$ 27,2 milhões já foram efetivamente pagos. Do total destinado para a cidade, no Orçamento Secreto, o presidente da Câmara, Arthur Lira, assume a paternidade de R$ 16,7 milhões. A autoria do restante é desconhecida até o momento, e não consta nas informações prestadas pelo Congresso Nacional ao Supremo Tribunal Federal em maio.

Por intermédio de sua assessoria, Lira informou que destina verbas federais para prefeitos que o apoiam, como fazem os demais deputados e senadores. “Cabe aos órgãos de controle a fiscalização eficiente para o bom uso dos recursos. É isso que apoiamos”, disse. Procurado, o prefeito Gilberto Gonçalves não se manifestou.

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