Risco de desabastecimento e temor de judicialização deflagraram mega-aumento da Petrobras

Foto: Daniel Marenco/Folhapress/Arquivo

A pressão de acionistas da Petrobras por reajustes e o receio de desabastecimento manifestado por integrantes da companhia e por políticos do Nordeste deflagraram a decisão da estatal de anunciar um mega-aumento nos preços de combustíveis.

O reajuste foi concedido após quase dois meses sem repassar para as bombas a alta dos preços internacionais do petróleo.

Integrantes do conselho de administração da estatal negam ter sofrido qualquer tipo de pressão de acionistas. Mas a reportagem apurou que o próprio colegiado alertou que a diretoria da Petrobras poderia ser questionada judicialmente por acionistas minoritários, caso a empresa continuasse adiando os reajustes por tanto tempo.

Com a alta no custo com insumos, a manutenção dos preços levaria à redução de receitas e do lucro. Segundo uma fonte ligada à companhia, a estrutura de governança da Petrobras “estava pronta para cobrar” a diretoria pela defasagem nos preços.

A Amec (Associação de Investidores no Mercado de Capitais), que representa acionistas minoritários, chegou a divulgar um alerta público sobre a demora da Petrobras em reajustar os combustíveis. A carta avisou sobre a possibilidade de governo e Petrobras serem acionados judicialmente.

No passado recente, a companhia já foi cobrada judicialmente por acionistas minoritários dos Estados Unidos pelos prejuízos com os atos investigados na Operação Lava Jato.

Integrantes do governo dizem que o presidente Jair Bolsonaro (PL) ficou contrariado com a decisão da estatal de anunciar o reajuste justamente na quinta-feira, data da votação do projeto que era a aposta do governo para conter os preços nas bombas. A ideia do chefe do Executivo era aprovar a proposta que reduziria tributos sobre o diesel antes que o aumento fosse divulgado.

Bolsonaro queria mostrar de antemão uma resposta ao problema que seria criado. O governo tentou aprovar o projeto na quarta-feira (9), mas a votação acabou sendo adiada para o dia seguinte por pressão dos governadores.

A Petrobras é uma empresa tão grande que a política de preço de seus produtos –derivados de petróleo, como gasolina, diesel e gás– pode mexer com a inflação porque os combustíveis estão atrelados à produção de muitos artigos de consumo.

Após a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), quando a Petrobras teve prejuízos por segurar preços de combustíveis, a companhia inseriu em seu estatuto uma cláusula prevendo que a implementação de políticas como o congelamento de reajustes precisa ser compensada pelo acionista controlador –no caso, o governo.

Com esse novo arcabouço, a estatal também formulou sua política de preços de paridade de importação, em vigor até hoje e que é alvo de críticas de políticos e até mesmo dentro da equipe econômica do governo.

Sob o comando de Roberto Castello Branco, indicado do ministro Paulo Guedes (Economia), a Petrobras tentou calibrar a frequência dos reajustes. Mesmo assim, o executivo foi demitido em fevereiro de 2021, após a companhia anunciar o quarto aumento nos preços de diesel e gasolina naquele ano.

Embora a decisão sobre a política de preços e de reajustes seja função da diretoria-executiva (presidente e diretores), ela precisa estar alinhada com o plano estratégico aprovado pelos integrantes do conselho de administração.

Depois de sofrer pressão de Bolsonaro para reavaliar a política de repasses integrais dos custos, Castello Branco chegou a submeter a política de preços à avaliação do conselho. Mesmo assim, acabou deixando a companhia.

Neste momento, seu substituto, o general Joaquim Silva e Luna, enfrenta pressão similar.

A pandemia fez a produção global de petróleo cair e, com a retomada do consumo, os principais produtores já não conseguiam atender a demanda, o que fez o preço do barril do óleo tipo Brent disparar para a casa de R$ 90 no ano passado.

Com a invasão da Ucrânia pela Rússia, que culminou com a proibição dos EUA de importação do petróleo e gás da Rússia, houve mais restrição pelo lado da oferta, e o barril chegou a bater a marca dos US$ 140.

A escalada da cotação emparedou a Petrobras, que vinha contendo os preços dos combustíveis como forma de retardar uma reação em cadeia em diversos produtos na economia.

Essa política prejudicou até mesmo os importadores que adquiriram o insumo no exterior a preços de mercado e, internamente, não conseguiam competir com a Petrobras, que praticava preços mais baixos.

Diante desse cenário, muitos deixaram de atender o mercado interno, especialmente na Bahia e Pernambuco, e passaram a exportar, como forma de obter melhor resultado financeiro. A própria Petrobras centrou mais esforços nesse tipo de negócio, o que ajuda a explicar o lucro recorde de R$ 106,6 bilhões em 2021.

O efeito colateral dessa situação foi um risco potencial de desabastecimento de mercados mais afastados, especialmente no Nordeste e Norte.

Preocupados com essa situação, políticos desses estados procuraram assessores diretos de Bolsonaro e o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, para pedir mudanças na política de reajustes como forma de normalizar o mercado.

Nas conversas, eles disseram que a própria Petrobras vinha importando para atender esses mercados, mas que, mesmo assim, o preço estava elevado demais e o produto demorava para chegar ao destino final.

Segundo a Abicom (Associação Brasileira de Importadores de Combustível), a defasagem de repasses da Petrobras atingiu 40% no diesel e, na média, 30% na gasolina. Somente durante a guerra na Ucrânia, a diferença triplicou –atingindo o patamar de R$ 1,30 na gasolina A e R$ 1,80 no diesel nesta semana.

Julio Wiziack/Idiana Tomazelli/Julia Chaib/Marianna Holanda/Folhapress

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