Putin anuncia retirada de parte das tropas em torno da Ucrânia

Foto: Marcos Corrêa/Arquivo/PR
Na véspera da data anunciada por serviços de inteligência ocidental como a de uma possível invasão da Ucrânia pela Rússia, o governo de Vladimir Putin anunciou o início da retirada de parte das tropas que se exercitavam perto das fronteiras do vizinho.

O anúncio, feito às agências de notícias russas pelo Ministério da Defesa, não especifica quantos soldados estão envolvidos na volta às suas bases permanentes, apenas que eles fazem parte dos distritos militares Ocidental e Sul, em áreas contíguas ao território ucraniano.

Desde novembro, Putin concentrou ao menos 130 mil soldados em torno do vizinho e emitiu um ultimato buscando estabelecer um novo concerto de segurança no Leste Europeu mais a seu gosto, após 30 anos de expansão da Otan (aliança militar ocidental) e da UE (União Europeia) sobre os antigos satélites comunistas de Moscou.

O Ocidente rejeitou a ideia. Desde a semana passada, os Estados Unidos lideram uma onda alarmista, citando até a data de quarta como a de uma invasão, que chama de “iminente” desde o começo do ano. O Kremlin nega ter tal intenção, e por isso uma eventual retirada é politicamente vendável por Putin como algo natural.

Mas não há nada de casual no anúncio. Ele ocorreu quando desembarcava em Moscou o chanceler (premiê na definição alemã e austríaca) da Alemanha, Olaf Scholz, em sua primeira visita a Putin desde que assumiu a cadeira que foi por 16 anos de Angela Merkel.

Sob intensa pressão doméstica e por parte do presidente Joe Biden, que visitou em Washington, Scholz irá fazer um apelo ao colega russo para que haja uma desescalada na atividade militar. Ele tem a carta mais poderosa, exceto que se considere a possibilidade de armas nucleares serem empregadas numa guerra europeia: seu mercado para o gás natural russo.

A Alemanha, mas também a França e outras nações europeias, têm fortes investimentos em infraestrutura energética com Moscou. Cerca de 40% do consumo de gás natural do continente é suprido pelos russos.

Em setembro passado, foi completado o gasoduto Nord Stream 2, que irá duplicar a quantidade de gás enviado diretamente da Rússia para os alemães, tirando assim rendimentos do trânsito feito por meio de antigas rotas soviéticas pela Ucrânia —anualmente, Kiev tira algo como US$ 2 bilhões desse pedágio. Berlim adiou o início de sua operação alegando detalhes burocráticos.

Biden já disse que o Nord Stream 2 não entrará em operação caso a Rússia ataque a Ucrânia, mas não foi secundado integralmente por Scholz, o que levou a críticas dentro da coalizão de governo em Berlim. Nesta terça, o chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, repetiu a ameaça, mas com um tom conciliador.

“A UE está pronta para discutir as preocupações de segurança da Rússia”, disse à rádio BBC 4. Ele seguiu o próprio Putin, que na véspera se deixou filmar ouvindo seu chanceler, Serguei Lavrov, recomendar o caminho da negociação e o ministro da Defesa, Serguei Choigu, dizer que a situação estava tensa, mas que a retirada de tropas iria acontecer “naturalmente”.

Ao mesmo tempo, Moscou flexionou sua musculatura militar com exercícios que vão durar toda a semana no mar Negro e incluem seis navios de desembarque anfíbio. Ainda há manobras conjuntas com 30 mil soldados russos na ditadura aliada Belarus, que faz fronteira ao norte da Ucrânia.

Na segunda (14), deixando opções militares abertas, o Parlamento começou a discutir o reconhecimento das duas autoproclamadas repúblicas separatistas pró-Rússia no leste ucraniano.

Em 2014, esses dois territórios iniciaram uma guerra civil com apoio de Moscou, após Putin anexar a região de maioria russa étnica da Crimeia. O motivo foi retaliar Kiev pela derrubada do governo pró-Kremlin e evitar que a nova gestão aderisse à UE e, principalmente, à Otan.

A guerra matou mais de 14 mil pessoas e está pendurada em um cessar-fogo mambembe, estabelecido pela segunda versão dos Acordos de Minsk, de 2015. Putin quer ver o texto implementado, porque é vago e permite interpretar que os rebeldes seguirão autônomos, como se a Ucrânia fosse federalizada —logo, nunca permitindo a entrada nas estrutura ocidentais por um presumido poder de veto.

Kiev não aceita isso, mas está sendo pressionada pela França a fazê-lo. Scholz não chegou a tanto, como o presidente Emmanuel Macron na semana passada, mas disse na segunda em Kiev que a questão da entrada da Ucrânia na Otan “não estava colocada na prática”.

Todo esse malabarismo verbal será uma vitória de Putin se o status quo do leste da Ucrânia permanecer inalterado ao fim da crise. O russo mostrou, com sua mobilização militar, que poderia ir a cabo de sua ameaça velada. A Europa, colocada de lado no conflito pela priorização dos contatos diretos com Washington por Moscou, piscou rapidamente.

Biden segue com a retórica ​inflamada, e corre o risco de sair da crise com fama de alarmista. Tentará vender, por sua vez, que a denúncia dos movimentos do rival russo como um instrumento efetivo de dissuasão. Na Rússia, por ora a conversa de Putin parece ter convencido o público; nos EUA, as eleições parlamentares de novembro poderão dar a medida da tática do presidente americano.

Claro que tudo ainda dependerá da avaliação da eventual retirada russa. Em abril do ano passado houve um movimento semelhante, mais discreto, e analistas militares moscovitas dizem que muito do que foi mobilizado acabou consolidado em bases mais próximas da fronteira ucraniana, apesar de as tropas em si terem voltado para casa.

Se de fato estivermos diante de um esfriamento da crise, um beneficiário acidental será o presidente Jair Bolsonaro, que chega nesta tarde (manhã em Brasília) a Moscou. Ele vem sendo criticado pelo “timing” de sua visita a Putin, que o havia convidado em dezembro, e um ambiente menos tenso poderá fazer a decisão de manter a viagem menos onerosa.

Os presidentes se encontram na quarta (16), o dia segundo as agências de espionagem americana e britânica da potencial invasão. Isso virou piada entre pessoas com acesso ao Kremlin: um empresário pediu à reportagem para deixar um encontro para depois de quarta, para “poder assistir à invasão na CNN”.

Igor Gielow/Folhapress

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