PT tem dificuldade de renovação e vê só dois sucessores ‘naturais’ de Lula

Foto: Zanone Fraissat/Arquivo/Folhapre
O PT apresentou nas eleições municipais de 2020 e em recentes filiações uma lufada de n  ovos nomes, mas todos ainda distantes do núcleo de comando, o que sinaliza uma dificuldade de renovação da sigla comandada por Luiz Inácio Lula da Silva e que completou 42 anos no último dia 10.

Em conversas com petistas de variadas correntes nas últimas semanas, a Folha ouviu o nome de apenas dois políticos como possíveis sucessores naturais de Lula, que tem 76 anos —o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, 59, que despontou para o primeiro time do partido a partir de seu trabalho no Ministério da Educação (2005-2012), e o senador Jaques Wagner, 70, um dos fundadores do PT.

A necessidade de renovação no partido é um discurso recorrente do próprio Lula, que começou a bater na tecla com mais ênfase após os gigantescos protestos de rua de junho de 2013. Se for eleito em 2022, o petista encerraria seu próximo mandato no Planalto com 81 anos.

Vinte anos depois de conseguir seu primeiro mandato presidencial, Lula tem em seu círculo mais próximo várias pessoas que já figuravam com destaque na campanha de 20 anos atrás —muitos, assim como ele, na casa dos 60 e 70 anos de idade.

O PT cresceu nos anos 80 e 90 bastante identificado com a juventude, em especial nos protestos que impulsionaram o impeachment de Fernando Collor de Mello (1992).

Hoje, a bancada de deputados federais do partido é a mais velha da Câmara, na média (58 anos), e há ainda a concorrência do PSOL —criado por dissidentes em 2004— na busca pelo eleitorado e por líderes políticos mais jovens.

Nesse ponto, a ascensão do presidente Jair Bolsonaro (PL) e o atual favoritismo de Lula contribuíram para a entrada de caras novas no partido, alguns deles vindos exatamente do PSOL —como o ex-deputado federal Jean Wyllys, 47, e o historiador Douglas Belchior, 43, um dos principais líderes do movimento negro em São Paulo.

De volta ao PT após 16 anos de permanência no PSOL, Belchior, que é pré-candidato a deputado federal, diz que há uma mudança em curso dentro do PT. Um dos fundadores do Coalizão Negra por Direitos, Belchior afirma que a transformação acontecerá em resposta à sociedade, não pela vontade de um ou de outro.

Ele compara o PT a um transatlântico para dizer que, em um partido tão grande, as mudanças exigem tempo. Questionado se integra uma das correntes internas do PT, cuja correlação de forças determina o poder dentro do partido, Belchior brinca: “Preto e corrente são coisas que não combinam”.

“O PT tem o processo das cotas. Toda a direção precisa ter pelo menos 10% de jovens e 20% de negros. Então o processo de renovação interno, de transição geracional, ele é feito a todo momento”, diz Nádia Garcia, 26, secretária nacional da Juventude do PT.

Como apostas do partido, ainda praticamente desconhecidas em âmbito nacional, ela cita, entre outros, nomes como Camila Moreno, da Executiva Nacional do PT, Anne Karolyne, secretária nacional de mulheres do PT, Vitor Quarenta, um dos formuladores das teses do partido, João Victor Mota, idealizador do movimento Representa, de renovação na legenda, e as vereadoras eleitas em 2020 Dandara (a mais votada de Uberlândia, em Minas), Moara Saboya (Contagem, em Minas), Brisa (Natal) e Camila Jara (Campo Grande), além de Vinicius Castello (Olinda).

De dentro da estrutura partidária, a tesoureira do PT, Gleide Andrade, deverá disputar uma cadeira de deputada federal nas próximas eleições.

Alheias à máquina petista e à organização interna do partido, vereadoras de primeiro mandato também se preparam para concorrer à Câmara de Deputados.

Mais jovem vereadora de Florianópolis e única eleita pelo PT na cidade, a socióloga Carla Ayres, 33, já lançou sua candidatura. Filiada ao partido desde os 16 anos, ela concorreu pela primeira vez em 2016, em meio ao processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, como fruto da construção coletiva de movimentos LGBTQIA+ e feministas.

Sem participar organicamente de uma corrente petista, Carla concorreu em 2020 com uma campanha apoiada em ações virtuais, apesar das dúvidas lançadas sobre sua viabilidade eleitoral.

“O termo viabilidade eleitoral é muito presente no vocabulário do partido”, afirma ela.

Em comum, essas vereadoras rechaçam a expressão “identitarismo” para definir sua agenda política e pregam a renovação partidária. Suas candidaturas foram fundadas em movimentos coletivos.

A candidatura de Maria Marighella à Câmara de Vereadores de Salvador amparou-se no ManifestA ColetivA, que chama de “movimentação cidadã de ocupação da política institucional”. Neta do guerrilheiro Carlos Marighella, Maria, 44, filiou-se ao PT em fevereiro de 2020, após atuar em governos petistas como gestora de políticas públicas para a cultura.

Pré-candidata à Câmara de Deputados, diz que sua eleição é a validação do modo de fazer política que defende. “Quando você tem um êxito eleitoral, as pessoas param para te ouvir”, afirma.

Declarando-se “assumidamente lulista”, a vereadora Liana Cirne, 50, conta que não vislumbrava a possibilidade de entrar para a política institucional até o processo que levou ao impeachment de Dilma em 2016, um ano antes de se filiar ao PT.

Professora de direito, já advogava para movimentos sociais, como Ocupe Estelita e Maracatuzeiros. Hoje, diz que quer contribuir para a renovação política dentro do partido. Na sua opinião, Lula é a figura que melhor representa o desejo de renovação interna do PT.

Liana afirma que sua própria eleição demonstra que é possível ter espaço dentro do partido. “Tenho que me adaptar à forma de organização dele, ao mesmo tempo que luto para que o partido se alinhe ao desejo de Lula de renovação”, diz.

Alguns nomes já relativamente antigos na estrutura partidária também reivindicam o rótulo de novo.

É o caso do secretário de comunicação do PT, Jilmar Tatto, hoje sem mandato, que é pré-candidato a deputado federal, e que brinca ao comentar o debate sobre renovação. “Eu sou a renovação. Eu sou o novo.”

Elogiando a atual direção do PT, da qual faz parte, Jilmar diz que a transformação já aconteceu no partido. “Onde está a velha guarda? O Zé Dirceu? O Genoino? Esse povo não comanda mais o partido”, diz, em referência a dois ex-presidentes da legenda que, atualmente, participam da militância interna.

Jilmar diz que, sob sua gestão, a comunicação do PT melhorou da água para o vinho, e que o atual comando petista tirou o partido do ostracismo. Ele também minimiza a possibilidade de renovação partidária saída das urnas. Segundo ele, deve-se buscar a ampliação dos quadros do partido, mantendo quem já está. “É mais ampliação do que renovação. O resto é discurso. Não caia nessa.”

Também um dos nomes em ascensão dentro do partido, apesar de estar no quinto mandato de deputado federal, Reginaldo Lopes (PT-MG), 48, líder da bancada na Câmara, cita também como parte da renovação governadores do PT que encerram agora em 2022 o ciclo da reeleição, com possibilidade, os três, de disputar uma vaga no Senado —Camilo Santana (CE), Rui Costa (BA) e Wellington Dias (PI). “O PT está com uma safra de governadores muito interessante”, afirma.

Filho de produtores rurais, o deputado estadual Edegar Pretto, 50, foi escolhido candidato do PT ao Governo do Rio Grande do Sul, graças ao estímulo dos ex-governadores Olívio Dutra e Tarso Genro. Líderes do PT no estado, os dois descartaram a hipótese de concorrer, defendendo a ascensão de novos nomes do partido.

Defensor da produção de alimentos saudáveis, da agricultura familiar e membro do Comitê Brasil ElesPorElas (HeForShe), da ONU Mulheres, Edegar aposta na renovação partidária.

“Não é fácil. Às vezes leva a cabeça e não leva o corpo junto”, afirma ele, em uma metáfora com a estrutura do partido.

Ex-presidente do PT, também deputado federal e integrante da executiva nacional do partido, Rui Falcão, 78, integra hoje corrente minoritária que se declara contrária a uma chapa de Lula com o ex-tucano Geraldo Alckmin. Ele defende um processo de fortalecimento do coletivo partidário como forma de reduzir a dependência desse ou daquele nome.

“O que me preocupa não é renovação, isso sempre ocorre e é positivo, o que me preocupa é que a gente possa perder a identidade e se igualar a outros partidos. Por isso é preciso combater o pragmatismo e fortalecer as estruturas partidárias, a formação política, favorecer os processos coletivos, e não ficar acreditando só no poder de lideranças individuais.”

Outros nomes da nova safra citados por petistas são as deputadas federais Marília Arraes (PE), 37, e Natália Bonavides (RN), 33, e o senador recém-filiado Fabiano Contarato (ES), 55.

Ranier Bragon e Catia Seabra/Folhapress

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