Disque-denúncia de Damares já atende ‘número considerável’ de antivacinas

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress/Arquiv
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos já recebeu “um número considerável” de denúncias de cidadãos que disseram ter sofrido discriminação por terem recusado a vacina contra a Covid-19.

As queixas foram feitas no Disque 100 —o principal canal para queixas de violações de direitos humanos de crianças, mulheres, idosos, pessoas com deficiência e população LGBTQIA+.

Reportagem do jornal Folha de S.Paulo publicada no último dia 27 revelou a existência de uma nota técnica elaborada pela pasta de Damares Alves que ataca o passaporte vacinal. O documento critica ainda a obrigatoriedade de imunização de crianças.

O ministério, na nota, põe o Disque 100 à disposição dos antivacinas. Em nota à reportagem, a pasta confirmou que denúncias têm chegado ao canal.

“Mesmo sem a disponibilização específica do canal para a população registrar esse tipo de denúncia, um número considerável de cidadãos registrou denúncias relacionadas ao tema por entenderem que seus direitos humanos estavam sendo violados”, afirmou o ministério.

“A Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos não faz juízo de valor sobre o que está sendo denunciado, e somente encaminha [as queixas] aos órgãos competentes”, disse ainda a pasta.

A reportagem questionou quantas denúncias foram recebidas e encaminhadas. Segundo o ministério, é preciso um prazo maior para o processamento da informação.

A reportagem também perguntou se atendentes do Disque 100 já passaram por treinamento para o registro dessas queixas.

A pasta afirmou que não houve um treinamento específico “nem sequer foi criado fluxo para recebimento desse tipo de denúncia”. “As denúncias são tratadas caso a caso.”

“Confirmamos, entretanto, que os atendentes foram treinados, ainda em 2020, para darem tratamento às denúncias de violação de direitos humanos decorrentes da pandemia. Este serviço foi amplamente divulgado pelo ministério, em uma época em que nem sequer se falava em vacinação obrigatória ou não.”

A Folha fez duas ligações ao Disque 100 sem identificação da reportagem. Já no início da chamada, é oferecida a opção de “realizar uma denúncia relacionada à violação de direitos humanos causada pelo coronavírus”.

Uma atendente explicou que é possível denunciar tanto estabelecimentos que barram pessoas não vacinadas quanto, por outro lado, pessoas que não se vacinaram e que colocariam outras em risco.

No caso da primeira opção, objeto da nota técnica elaborada pelo ministério de Damares, o denunciante precisa apresentar o nome do suspeito à frente do estabelecimento e o endereço.

É possível fazer uma denúncia indireta, sem que o denunciante tenha vivido a discriminação, mas que tenha presenciado a suposta violação de direitos. Para isso, também é preciso o nome e o endereço do suspeito.

Em ofício a Damares, o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, estabeleceu prazo de dez dias para que a ministra explique se a pasta “adotou ou pretende adotar alguma ação concreta no sentido de disponibilizar formalmente o canal Disque 100 para denúncias” de antivacinas.

A PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão) é um colegiado que funciona no âmbito da PGR (Procuradoria-Geral da República).

O pedido de explicação foi feito após a reportagem da Folha sobre a nota técnica. O documento da pasta, concluído no dia 19 de janeiro, foi assinado por três secretários e um diretor.

A nota técnica foi endossada por Damares, que a encaminhou a ministérios, como o da Economia e o do Trabalho e da Previdência, a partir do dia 21 do mesmo mês.

“Para todo cidadão que por ventura se encontrar em situação de violação de direitos, por qualquer motivo, bem como por conta de atos normativos ou outras medidas de autoridades e gestores públicos, ou, ainda, por discriminação em estabelecimentos particulares, está disponível o canal de denúncias, que pode ser acessado por meio do Disque 100”, diz a nota técnica.

A PFDC cobrou então de Damares mais três explicações: se a nota técnica representa a posição do ministério; qual fundamento a pasta usou para considerar violação de direitos humanos uma medida de saúde pública prevista em lei e referendada pelo STF (Supremo Tribunal Federal); e se a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos será compelida a receber denúncias de antivacinas.

Para Vilhena, que é subprocurador-geral da República, a conduta do ministério é “digna de preocupação”.

O procurador federal enviou o ofício com os questionamentos antes de uma decisão sobre pedir ou não a abertura de uma investigação a respeito dos atos da pasta.

Segundo integrantes da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, o Disque 100 tem recebido quantidade expressiva de denúncias relacionadas à vacinação de crianças contra a Covid-19.

A abertura do canal a antivacinas foi criticada pelo CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos), em nota pública divulgada no dia 1º. O órgão está vinculado à pasta de Damares, mas tem atuação colegiada e independente.

“É lamentável a manifestação do ministério, sobretudo na postura de disponibilizar um dos principais canais de denúncia de violação aos direitos humanos, o Disque 100, como ferramenta de denúncia de direitos nem sequer violados”, afirmou o CNDH.

O ministério, por sua vez, afirmou que não houve disponibilização do Disque 100 para a população se manifestar contra a vacinação.

“A nota técnica apenas abre consulta aos órgãos aos quais a mesma foi enviada para verificar se consideram importante que esse serviço seja ativado. Este fato só foi tornado público após a reportagem da Folha de S.Paulo”, disse.

“O canal não foi disponibilizado à população para este tipo de denúncia. A referida nota técnica foi encaminhada a ministérios e outros órgãos públicos, e só foi publicada para evitar a desinformação promovida por este veículo. O Disque 100 foi colocado à disposição dos órgãos, caso estes considerassem necessário”, afirmou.

Vinicius Sassine, Folhapress   

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