Governo prepara PEC para atropelar lei e baixar gasolina e luz em ano eleitoral

Foto: Tiago Queiroz/Estadão/Arquivo

O governo Jair Bolsonaro (PL) prepara uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para autorizar a redução de tributos sobre combustíveis e energia elétrica, uma tentativa de dar alívio ao bolso dos consumidores em ano eleitoral. A escolha da PEC como instrumento é uma maneira de passar por cima das restrições impostas pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), que exige nesses casos a elevação de outro tributo para compensar a perda de arrecadação.

“Temos uma Proposta de Emenda à Constituição que está sendo negociada para que nós possamos ter a possibilidade de zerarmos os impostos dos combustíveis, o PIS/Cofins. É uma possibilidade de se conseguir isso aí para dar um alívio”, disse Bolsonaro nesta quinta-feira (20) durante sua live semanal. O presidente está em viagem oficial ao Suriname Caso o governo zere alíquotas de PIS/Cofins sobre gasolina, diesel e etanol, o impacto na arrecadação seria da ordem de R$ 50 bilhões ao ano, segundo fontes do governo informaram à reportagem.

Sob as regras atuais, o governo teria de elevar outros tributos para compensar a perda de receitas.

Em 2018, no governo Michel Temer (MDB), e em março e abril de 2021, já na atual gestão, medidas de redução da carga tributária sobre o diesel foram acompanhadas por elevação de tributos para outros setores. As medidas para reduzir a tributação sobre combustíveis têm sido discutidas entre Bolsonaro e auxiliares no Palácio do Planalto. No início desta semana, o tema também foi debatido pelo presidente em uma reunião com os ministros Bento Albuquerque (Minas e Energia), Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Bruno Bianco (Advocacia-Geral da União).

Interlocutores do Ministério da Economia afirmam não terem sido envolvidos nas negociações. Oficialmente, a pasta comandada por Paulo Guedes disse que não irá se manifestar sobre o assunto neste momento. O aumento do preço dos combustíveis tem incomodado o presidente, sobretudo no ano em que ele pretende buscar a reeleição. A política da Petrobras, por sua vez, acompanha a dinâmica de mercado, refletindo o aumento dos preços do petróleo e do dólar.

Principal adversário de Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já explorou o tema e atacou a política de preços da companhia, dizendo que faria mudanças. Dentro do governo, o tema é tratado não só como algo setorial mas também econômico, fiscal e social. No ano passado, a gasolina acumulou alta de 47,49%, enquanto o etanol subiu 62,23%, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Já o diesel ficou em média 46,04% mais caro. Com escassez de chuvas, a energia elétrica subiu 21,21% em 2021.

Na quarta-feira (19), em entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro deu pistas de que buscava uma “fonte alternativa” para conseguir reduzir a tributação sobre os combustíveis. “Reconheço a inflação de alimentos, reconheço a alta do combustível, falo de um porquê. Fora do ar aqui falava-se de uma proposta que poderíamos enviar ao Congresso que mexe com combustível. Sim, existe essa proposta, não quero entrar em detalhe, vai ser apresentada no início do ano”, disse o presidente.

“Nós procuramos aqui reduzir carga tributária, muitas vezes ser obrigado a encontrar uma fonte alternativa, você não pode apenas reduzir isso daí e vamos fazendo o possível”, acrescentou Bolsonaro. A cúpula do Congresso Nacional também tem demonstrado preocupação com o aumento do preço dos combustíveis. Segundo fontes do governo, a ideia de reduzir tributos já está pacificada dentro do Executivo e está sendo conversada com o Legislativo. O objetivo é reduzir a carga sobre combustíveis, gás e energia elétrica.

Cálculos internos do governo apontam que uma redução de R$ 0,10 na alíquota de PIS/Cofins sobre diesel gera um impacto de R$ 6 bilhões ao ano nas receitas. A mesma redução para a gasolina teria um custo de R$ 3,8 bilhões ao ano. Para zerar todas as alíquotas, os impactos são estimados em R$ 26 bilhões no caso da gasolina, R$ 20 bilhões para o diesel e R$ 4 bilhões no etanol, segundo cálculos aproximados. 

A proposta em discussão dentro do governo ainda pode criar um fundo de compensação para amortecer a alta de preços dos combustíveis em momentos de aumento nas cotações do barril de petróleo e do dólar. No entanto, este ponto ainda está em avaliação, segundo fontes do governo que participam das negociações. Na área econômica, a avaliação é de que medidas para mexer na tributação de combustíveis têm impacto pequeno nos preços e elevado na arrecadação.

Segundo levantamento da ANP (Agência Nacional de Petróleo) encerrado em 15 de janeiro, o preço médio do litro da gasolina comum nas bombas está em R$ 6,606. Já o diesel custa em média R$ 5,422, e o etanol, R$ 5,046. Ainda que a redução de tributos resulte em centavos a menos pagos pelo consumidor, nada impede que o alívio seja consumido por posteriores reajustes de preços. Além disso, a avaliação é que uma proposta nesse sentido pode fragilizar ainda mais a credibilidade de regras fiscais, depois de o presidente ter atropelado a equipe econômica e decidido por mudar o teto de gastos.

A alteração no teto, já promulgada pelo Congresso Nacional, abriu caminho ao pagamento do Auxílio Brasil de ao menos R$ 400, como queria Bolsonaro. Na Economia, a medida rendeu uma nova debandada de quatro integrantes da equipe de Guedes. Abrir mão de receitas também pode agravar o quadro das contas públicas, que continuam no vermelho. Na quarta-feira (19), a IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado divulgou suas novas projeções, que incluem um rombo de R$ $ 106,2 bilhões para este ano, acima dos R$ 79,4 bilhões previstos no Orçamento aprovado pelo Congresso.

Caso o governo corte tributos que incidem sobre gasolina e energia elétrica, a tendência é o déficit ser ainda maior. No entanto, há espaço para isso na meta fiscal. A LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) autoriza um resultado negativo de até R$ 170,5 bilhões em 2022.

Idiana Tomazelli/Marianna Holanda/Ricardo Della Coletta/Folhapress

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