Variantes de covid: o estranho caminho da mutação do coronavírus que 'desaparece' e intriga cientistas no Japão

Apesar de ter nível de vacinação semelhante ao de muitos países, Japão experimentou queda no número de casos de Covid-19 sem precedentes.

Apesar de ter nível de vacinação semelhante ao de muitos países, Japão experimentou queda no número de casos de Covid-19 sem precedentes — Foto: Androniki Christodoulou/Reuters

No último mês de agosto, o Japão estava no meio da quinta e maior onda de Covid-19 desde o início da pandemia. Chegou a registrar mais de 20 mil casos diários.

O recrudescimento foi em grande parte impulsionado pela variante Delta, que, devido à sua alta transmissibilidade, acabou substituindo outras mutações do Sars-CoV-2 e se tornou a cepa predominante do vírus em diversos países.

A partir dali, contudo, o volume de casos diminuiu significativamente e hoje, enquanto vários países com percentual de vacinação semelhante lutam contra uma nova onda de infecções, o Japão registra pouco mais de 100 novas infecções por dia (dados de 23/11).

Desde que o último estado de emergência foi encerrado no país no início de outubro, os trens, cafés e restaurantes estão constantemente cheios - ainda que a população continue observando medidas de distanciamento social e o uso de máscaras.

A hipótese da 'auto-extinção'
Para alguns cientistas, a queda no número de casos poderia ser explicada por um movimento de "autodestruição" da Delta em meio a seu desenvolvimento evolutivo na população japonesa.

A hipótese foi levantada diante das diferenças crescentes entre as características da pandemia no Japão, onde 75% da população foi vacinada, e outros países com nível semelhante de imunização.

A Espanha, por exemplo, que tem um terço da população do país asiático e onde 80% dos residentes já foram vacinados, segue com dificuldade para achatar a curva de infecções e registrou quase 7 mil novos casos no último dia 23.

"A variante Delta no Japão era altamente contagiosa e, com o tempo, substituiu outras cepas. À medida que as mutações se acumularam, contudo, acreditamos que o vírus tenha se tornado defeituoso, incapaz de se replicar", disse o geneticista Ituro Inoue, do Instituto Nacional de Genética do Japão, ao jornal The Japan Times.

"Considerando que os casos não aumentaram, acreditamos que, em algum momento durante essas mutações, o vírus se encaminhou para sua extinção natural", acrescentou o cientista.

Processo natural
O desaparecimento de diferentes variantes do Sars-CoV-2 vem sendo observado desde o início da pandemia.

"Isso acontece o tempo todo em vírus que infectam animais e humanos. Lembremos que as variantes Alfa, Beta e Gama foram substituídas em sua maioria por variantes Delta", afirma o virologista Julian Tang, da Universidade de Leicester, no Reino Unido, à BBC Mundo, serviço em língua espanhola da BBC.

"É uma questão de aptidão viral (capacidade do vírus de se replicar em um determinado ambiente). Talvez haja algo na imunidade da população japonesa que mudou a forma como o vírus se comporta lá. O tempo dirá se isso acontecerá em outro país também", completa Tang.

Estudos já mostraram que na Ásia há uma incidência maior de uma enzima de defesa chamada APOBEC3A, que ataca vírus diferentes - incluindo o coronavírus que causa a Covid-19 -, em comparação com as populações de outras regiões, como África e Europa.

Pesquisadores do Instituto Nacional de Genética e da Universidade Niigata analisaram essa enzima para verificar se ela poderia inibir a atividade do coronavírus.

Entre junho e julho, a equipe comparou dados de diversidade genética para variantes Delta e Alfa em amostras colhidas no Japão e observou que o desenvolvimento de novas mutações parecia cessar repentinamente, produzindo alterações genéticas que impediam a replicação do vírus.

"Eles encontraram mutações na proteína nsp14, que tem a ver com o reparo de defeitos de replicação. Se houver mais mutações do que o normal nesta proteína, ela pode ser inativada ou se tornar ineficiente, o que pode causar um colapso no patógeno", explica José Manuel Bautista, professor de bioquímica e biologia molecular da Universidade Complutense de Madri, na Espanha.

Embora Bautista acredite que a queda abrupta de casos também se deva a fatores como vacinação em massa e medidas de distanciamento, a trajetória de queda na curva de contágio, ele diz, é de fato impressionante.

"O normal é que diminua aos poucos, porque os infectados geralmente são diagnosticados dias depois (do início da infecção). Mas a queda de casos (no Japão) é dramática, e indica que a teoria da autodestruição é possível", destacou.

Apesar do panorama animador, os cientistas estão cautelosos e evitam fazer diagnósticos sobre o que pode acontecer no futuro. A pandemia está em constante evolução e mostrou que, apesar da vacinação e das medidas de contenção, o mundo ainda não está completamente livre de novos surtos
Por José Carlos Cueto, BBC

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