Na eleição do Chile, candidato da direita radical chega em vantagem

Foto: Ernesto Benavides/AFP

José Antonio Kast é o candidato ultraconservador à presidência do Chile – e é o favorito na eleição deste domingo, 21. Com um discurso pouco convencional, ele flerta com a ditadura de Augusto Pinochet e com o nacionalismo populista. Até bem pouco tempo, sua candidatura estaria restrita a um nicho de saudosistas do general. Mas hoje, com o presidente Sebastián Piñera em queda livre, Kast tornou-se um bastião do conservadorismo chileno e herdou o apoio da direita moderada.

De acordo com a última pesquisa eleitoral divulgada, Kast tem 25% das intenções de voto e o socialista Gabriel Boric tem 19%. Os outros candidatos não chegam a 12%. Assim, José Antonio Kast e Gabriel Boric avançariam para o segundo turno. Kast, no entanto, chega à eleição como favorito: segundo pesquisas feitas nesta semana, ele teria 44% dos votos no segundo turno, e derrotaria o seu provável oponente, Boric, que teria 40% dos votos.

“As autoridades não são capazes de manter a ordem pública e a esquerda relativiza a violência. Se não mudarmos, vamos direto para o precipício e para o subdesenvolvimento”, diz uma propaganda de Kast. No seu programa de governo, duas propostas chamam a atenção: eliminar o atual Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH) e retirar o Chile da ONU.

Segundo Kast, o INDH protege apenas manifestantes – e não a polícia. No caso da ONU, segundo ele, não faz sentido o Chile participar de uma organização que tem como membros Nicarágua, Venezuela e Coreia do Norte. Foi com esse tipo de diatribe que ele decolou, deixando para trás Sebastián Sichel, aliado de Piñera, e Gabriel Boric, o nome da esquerda.

Em entrevista a uma rádio, Roberto Izikson, do instituto de pesquisas Cadem, afirmou que o perfil do eleitorado de Kast é composto de pessoas mais velhas, com alto poder aquisitivo, que votaram contra a nova Constituição no plebiscito do ano passado.
Segundo a cientista política Danae Mlynarz, a razão do crescimento de Kast é seu discurso bélico. “É mais que seu discurso de ódio, presente em suas falas homofóbicas, sexistas e xenófobas”, afirma. Sobre imigração, por exemplo, ele promete construir uma vala na fronteira com Peru e Bolívia para impedir a entrada de estrangeiros.

Para Cristóbal Rovira, cientista político da Universidade Diego Portales, Kast mobiliza vários setores do seu eleitorado porque trabalha com “diferentes agendas”, algo característico da direita populista radical. Um desses setores é a “família militar”, da qual fazem parte pessoas vinculadas ao regime militar de Pinochet ou têm saudades da ditadura. “Ele coloca em dúvida se o julgamento feito contra os militares foi realmente justo”, afirma.

Com tal linha de pensamento, era inevitável que Kast gravitasse na direção de Donald Trump e Jair Bolsonaro. Em 2018, ele esteve no Rio de Janeiro e se encontrou com o presidente brasileiro. De presente, deu a Bolsonaro uma camisa da seleção chilena de futebol e uma cópia do livro El Ladrillo, que aborda as mudanças econômicas realizadas pelos economistas liberais de Chicago durante os anos de ditadura militar do Chile.

“Que a gente siga fortalecendo a relação entre os dois países e juntos possamos construir uma aliança que derrote definitivamente a esquerda na América Latina”, disse Kast, na ocasião, pelo Twitter. Hoje candidato à presidência, ele é chamado pela imprensa e por analistas de “Bolsonaro chileno”.

Moderação

Apesar da admiração por Bolsonaro e de não ter muito freio na língua, Kast vem tentando se controlar nas últimas semanas e descolar a sua imagem de radical adepto do bolsonarismo. O objetivo é estratégico: angariar mais votos.

Em um debate no fim de setembro, Sichel, um conservador moderado, questionou Kast a respeito de sua paixonite por Bolsonaro. Falando como um bom político, de olho no segundo turno, ele respondeu que não apoia completamente o brasileiro. “Ele fez coisas importantes, como a redução da criminalidade e da corrupção no Brasil. E isso eu apoio”, afirmou.

Filho de um ex-oficial do Exército nazista que imigrou para o Chile, Kast, um advogado, foi deputado federal por quatro mandatos seguidos. Em sua segunda tentativa de chegar à presidência, terá pelo caminho o maior rival ideológico: Gabriel Boric, ex-líder estudantil, que deve atrair o voto da esquerda. No segundo turno, em 19 dezembro, se as pesquisas se confirmarem, os dois disputarão a cadeira de Piñera.

Polarização na eleição do Chile

Há pouco mais de dois anos, quando o presidente Sebastián Piñera disse em uma entrevista para um canal de televisão que o Chile era um verdadeiro oásis em meio a uma América Latina em convulsão, pois tinha uma democracia estável, ele não imaginava que em poucos dias estudantes começariam a protestar de forma organizada. Muito menos que isso seria apenas o início de uma grande revolta social que acabou abalando a política do país.

De lá para cá, o governo abandonou o seu programa, perdeu força e Piñera se tornou um coadjuvante. Após as eleições primárias de julho deste ano e a definição dos candidatos para a disputa eleitoral, foi observado também um enfraquecimento das candidaturas de centro-direita e de centro-esquerda. Enquanto isso, Boric, um candidato de esquerda moderado, e Kast, que concorre por fora sem ter participado das primárias, ganharam espaço.

“Vejo uma situação bem complexa, essa é a eleição com maior incerteza que já tivemos. Nós não sabemos de fato quantas pessoas vão votar e qual é o perfil. A idade que têm, onde vivem, o poder aquisitivo. Dependendo de como isso se configurar, o cenário pode mudar”, afirma a cientista política Danae Mlynarz. Desde 2011, o voto não é obrigatório no Chile e o país costuma ter uma baixa participação nas urnas. Em 2017, nas últimas eleições presidenciais, por exemplo, menos de 50% da população votou no primeiro turno.

Estudante de química na Universidade Católica do Chile, Almendra Leyton nem cogita deixar de participar das eleições. Ela tem consciência da responsabilidade do seu voto. “Sinto que é algo muito importante, ainda mais depois do que aconteceu em de 2019, onde as nossas grandes necessidades como país foram mais do que expostas, como educação e saúde de qualidade para todos, o fim dos fundos de pensão, entre outras bandeiras”. A jovem de 20 anos votará em Boric e está incomodada com as campanhas difamatórias, as fakenews e com a polarização que essas eleições têm gerado, apesar de acreditar que é algo inevitável em virtude do momento que o país vive.

Um estudo publicado na edição de setembro / outubro da revista Nueva Sociedad mostra que no Chile a polarização ocorre apenas entre as elites e não na população em geral. Na elite econômica do país, por exemplo, 72% se declaram de direita, 18% de centro e 5% de esquerda. Já na elite cultural, 26% são de direita, 17% de centro e 56% de esquerda. Quando a mesma pesquisa foi feita entre os cidadãos comuns, os resultados apresentados foram diferentes, mostrando que há um maior equilíbrio de posicionamento ideológico. Dentre os entrevistados, 34% afirmaram ser de centro, 22% de direita e 30% de esquerda.

“Se analisarmos a situação da elite política em nosso país, há um setor expressivo que é de direita, outro de esquerda e poucos se posicionam ao centro. Caso Boric e Kast realmente avancem para o segundo turno, nenhum dos dois deve obter um grande número de votos. Se eles são os dois polos nessas eleições, o que ficar em primeiro lugar terá uma maioria frágil”, avalia Cristóbal Rovira, cientista político da Universidade Diego Portales e um dos autores do estudo

Cristóbal afirma também que no segundo turno, o desafio dos dois candidatos será conquistar os votos do eleitorado de centro, já que a população não está tão polarizada. Se um candidato seguir com uma agenda mais radical, será mais difícil ele conquistar esse eleitor”, ressalta. Nesse ponto, Boric leva vantagem sobre Kast, mas ainda assim ele precisará ampliar suas alianças partidárias.

A história mostra que a população chilena já esteve mais dividida em relação à política. Um exemplo foi o resultado apertado no plebiscito de 1988 pela manutenção ou não do governo Pinochet. Com a redemocratização e o passar dos anos, essa polarização perdeu força. Parte disso se deve ao fato da direita e da esquerda se posicionarem nas questões públicas de maneira mais moderada.

Segundo Cristóbal, esse movimento fez com que centro-direita e a centro-esquerda se aproximassem após os anos 2000, apesar das suas diferenças, o que acabou incomodando parte dos cidadãos. Setores esquerdistas, por exemplo, passaram a criticar a centro-esquerda alegando que ela se adaptou ao neoliberalismo. Alguns anos depois surge a Frente Ampla, uma coalizão política e pela qual Gabriel Boric concorre nas eleições deste ano após ter vencido as eleições primárias da esquerda.

Aos 18 anos, Andrés Montenegro vai votar pela primeira vez para presidente e está ansioso pelo momento. Para fazer a sua escolha, ele se informou sobre os candidatos, viu debates na televisão, conversou com sua família e com seus amigos de escola. “Vou votar naquele que é menos antagonista às minhas ideias, o que me representa um pouco mais”, diz. Andrés é aluno do Instituto Nacional General José Miguel Carrera, um dos colégios mais antigos do país e onde estudaram vários ex-presidentes.

Neste domingo, os chilenos também vão eleger deputados e senadores. Caso ocorra segundo turno na eleição presidencial, ele será disputado no dia 19 de dezembro. O próximo presidente irá governar o Chile de 2022 a 2026.
Estadão

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente esta matéria.